Por Joyce Pais

“Seu impacto físico era extraordinário, ela aparecia na tela e era como se pudesse-mos tocá-la, sua imagem possuia uma estranha realidade, bem além do que uma câmera pode reproduzir. Mas há outra coisa: ela possuía um instinto natural para dizer um texto cômico e lhe dar um tom especial, um sentido à parte. Nunca era vulgar mesmo num papel que tinha tudo para isso acontecer, e de certa maneira a gente sentia isso quando a via na tela. Ela tinha uma qualidade que ninguém mais teve no cinema, exceto Garbo. A verdade é essa.” (Billy Wilder)

Se antes do descobrimento da América, todos os anos, em Manhattan, com a chegada do verão, as esposas e crianças iam para o norte fugindo do calor escaldante, enquanto os homens ficavam na cidade exercendo suas tarefas: pescar, montar armadilhas e caçar, 500 anos depois, a dinâmica é quase a mesma. O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year Itch; 1955) narra a história de Richard Sherman, que em invés das práticas de seus antepassados, enquanto sua família está longe, trabalha como editor de livros. No primeiro dia sozinho em casa, ele conhece sua nova vizinha do andar de cima (Marilyn Monroe) e logo é atacado pela ‘coceira da tentação’ (numa tradução literal e – diga-se de passagem, mais inteligente – o título do filme seria “A coceira dos sete anos”), se referindo a uma teoria do filme que os homens são mais propensos ao adultério no sétimo ano de casamento.

A interessante abertura do filme dá o tom a trama que vai se desenrolar e nos lembra, a cada cena, que Billy Wilder costuma ser lembrado (principalmente pela crítica) por filmes como Crepúsculo dos Deuses (1950) e Se Meu Apartamento Falasse (1960), mas ele tem habilidade suficiente para ter em mãos gêneros distintos e alcançar resultados notáveis.

No ano de 1954, Marilyn assinou com a Famous Artits Agency e deixou a William Morris. A Fox queria, a qualquer custo, que ela gravasse o filme Pink Tights, após o roteiro ser enviado a sua casa, leu e não se interessou. Preocupada em articular um casamento às pressas (e às escondidas) com Joe DiMaggio, seu segundo marido, renomado ex-jogador de baseball e ídolo dos Yankees, a atriz aceitou os conselhos de Joe, que pretendia gradualmente afastá-la do cinema, e não topou. A Fox então desiste e oferece papel em O Mundo da Fantasia (There is No Business Like Show Business) e em troca ela teria reservado o papel principal para gravar O Pecado Mora ao Lado em Nova York, em setembro de 1954.

Orçado em 3,2 milhões, o filme é uma adaptação da peça de teatro homônima, onde Tom Ewell repetiu, na pele de Sherman, o papel da peça no cinema. Marilyn, por sua vez, vivia novamente o estereótipo de loira burra que a perseguiu em toda sua carreira. No ano de seu lançamento, o filme causou furor por sua ousadia. Os censores da época queria proibi-lo por tratar de um tema polêmico, o adultério, de uma forma leve e banal, ainda que de fato não exista nenhuma cena explícita, tudo fica a cargo das insinuações e ironias. A sensualidade de Marilyn na banheira (inevitalmente me remete a Michelle Willians também na banheira, em Sete Dias com Marilyn) e a famosa cena do vestido esvoaçante sobre o respiradouro do metrô foram os principais alvos dos conservadores.

A cena foi gravada entre uma e quatro da manhã na esquina da Avenida Lexington com a Rua 52. Os efeitos especiais para levantar a saia plissada foram maquinados pelo fotógrafo Sam Shaw, o resultado dessa lendária cena foi um espetáculo publicitário mais eficiente do que qualquer trabalho de divulgação do filme e o término de um casamento. DiMaggio estava de passagem por Nova York e alguém o convidou para ver a gravações do dia. Uma multidão se aglomerou no local e ele não gostou do que viu; tomado pelo ciúme que não fazia questão de disfarçar, naquela noite, depois das gravações, agrediu Marilyn fisicamente. Duas semanas depois, visivelmente abalada, veio a público anunciar o divórcio. A cena escolhida para a edição do longa foi feita em estúdio, numa regravação exigida por Wilder, insatisfeito com as tomadas realizadas na rua. No resultado final, não aparece sua calcinha e nem suas pernas inteiras em resposta à pressão que Wilder sofreu dos censores.

No ano passado, o lendário vestido foi leiloado pela casa de leilões Profiles in History, que colocou à disposição do público parte da coleção da atriz Debbie Reynolds (Cantando na Chuva; 1952) de objetos relacionados à indústria cinematográfica. O fã que arrematou o traje pagou ´singelos` US$ 6,6 milhões no evento realizado em Beverly Hills, superando a expectativa do valor de venda da peça, que era de US$ 2 milhões. A cena guardada no imaginário dos fãs da estrela e da história do cinema também foi destaque nos cartazes que divulgavam o Festival de Cannes de 2004.

No longa, algumas referências a símbolos pop da época são colocadas. As mais óbvias são ao filme A Um Passo da Eternidade (1953), em que a famosa cena do casal na praia ao bater das ondas é reproduzida, e a citação da obra literária, O Retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde), adaptada para o cinema, em duas ocasiões, em 1945 por Albert Lewin e em 2009 por Oliver Parker. Há ainda momentos de auto-referência, como quando a esposa de Sherman diz que sua imaginação “é em cinemascope e com som estereofônico” (o filme realmente foi gravado com essas técnicas). E talvez a melhor delas quando o protagonista grita com um vizinho: “quem você acha que está na cozinha, Marilyn Monroe?”, provando a força de uma imagem que extrapola os limites do mundo real e imaginário.

Veja o trailer:

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