Por Felipe Teixeira

Um ano após A Sociedade do Anel surpreender e encantar público e crítica, a segunda parte da trilogia cinematográfica de Peter Jackson, baseada nos livros de J.R.R. Tolkien, tinha a difícil missão de manter o nível de excelência de seu antecessor. O resultado de As Duas Torres é um filme diferente, maior e mais violento, com algumas falhas, mas também com os inúmeros acertos do primeiro filme e outros novos méritos. A resposta do público foi de novo extremamente positiva, com cerca de 920 milhões de dólares arrecadados para os cofres das produtoras e mais uma grande aprovação da crítica, o que rendeu ao filme duas estatuetas do Oscar: Melhores Efeitos Visuais e Melhor Edição de Som. O longa-metragem também concorreu a Melhor Direção, Melhor Edição, Melhor Direção de Arte e Melhor Filme (perdendo esta última de forma inacreditável para Chicago).

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Como todos os três filmes foram gravados simultaneamente, não há muito o que falar aqui sobre sua pré-produção, que pode ser lida no especial de A Sociedade do Anel. No entanto, vale a pena ressaltar novamente a inteligente (e arriscada) jogada da Warner de filmar a trilogia de uma vez só. Se o primeiro filme houvesse fracassado, certamente algo teria de ser mudado ou refilmado para esta continuação, prejudicando de inúmeras formas a conexão entre as películas. Como não foi o caso, As Duas Torres segue o mesmo estilo estético e histórico de seu antecessor, assim como a terceira e última parte, O Retorno do Rei.

A trama de As Duas Torres começa exatamente após o fim do primeiro filme, com o rompimento da Sociedade do Anel. Enquanto Frodo e Sam caminham rumo a Mordor nas perigosas montanhas Emyn Muil, onde encontram a criatura Gollum, Aragorn, Legolas e Gimli perseguem os orcs que capturaram Merry e Pippin a serviço de Saruman. A ramificação da história expande o universo da Terra-Média apresentado no primeiro filme, com muitos novos personagens e lugares. Um dos principais novos países é Rohan, Terra dos Cavalos, onde conhecemos o enfeitiçado rei Théoden (Bernard Hill), o cavaleiro Éomer (Karl Urban) e sua bela irmã Éowyn (Miranda Otto).

Outra grande (e magnífica) novidade do longa-metragem são os Ents, mais conhecidos como as “árvores falantes”, que habitam a floresta de Fangorn e desempenham um papel fundamental no filme ao lado de Merry e Pippin. Os efeitos visuais que tornam tais personagens reais e os fazem até mesmo andar e lutar são incríveis. E mais incrível ainda é o fato do roteiro e a direção do filme conseguirem conferir personalidade e densidade às árvores falantes, elevando ainda mais o nível de fantasia da história e, mesmo assim, tornando-a mais sombria. Ignorados pelo mundo, os Ents não precisaram até certo ponto decidir de qual lado ficar na guerra entre e o bem e o mal. Mas devido a um triste acontecimento no fim do filme, o amigável Barbárvore e seus companheiros decidem ir para a guerra.

E se é Gandalf quem rouba a cena em A Sociedade do Anel, em As Duas Torres não há como não destacar a criatura Gollum/Sméagol. Enlouquecido e transformado por causa do Um Anel, Gollum revela-se um dos personagens mais interessantes de toda a trilogia, tanto por sua forma física, como por seu estado psicológico. Em uma das melhores e mais marcantes cenas da saga, por meio de uma sagaz troca de planos, Gollum conversa com seu próprio alter-ego sobre sua relação com Frodo, a quem jurou levar até Mordor. A captura de movimentos do personagem foi feita pelo brilhante ator Andy Serkis, que mais tarde também fez o mesmo com os personagens King Kong e Ceasar, de Planeta dos Macacos – A Origem, e que trouxe à tona a polêmica discussão se atores que não aparecem verdadeiramente em cena poderiam ou não concorrer em premiações.  

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Com tantos eventos ocorrendo ao mesmo tempo na trama, é mais do que preciso reconhecer novamente o dificílimo e bem sucedido trabalho dos roteiristas Peter Jackson, Phillipa Boyens e Frances Walsh em conseguir equilibrar de forma harmônica os três distintos núcleos principais ao longo da projeção. Apesar das partes de Frodo a de Merry e Pippin não serem tão empolgantes como a de Aragon e Cia., as três histórias culminam no épico clímax do filme, que resulta em uma belíssima montagem paralela ao som da trilha sempre marcante de Howard Shore e um icônico discurso de Sam.

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Apesar roteiro eficiente, as maiores reclamações dos fãs sobre o filme são algumas alterações na adaptação do livro, principalmente no que diz respeito ao personagem de Faramir. Irmão de Boromir, morto no primeiro filme, o homem tem sua personalidade e algumas atitudes, ao se encontrar com Frodo, diferentes da que lemos na obra escrita por J.R.R. Tolkien. Além disso, a trajetória de Aragorn no longa, que cai de um penhasco e é dado como morto, também difere da obra original, mas a mudança se revela útil e consciente para a história alguns minutos de projeção depois.

E falando em Aragorn, o herdeiro do trono de Gondor torna-se em As Duas Torres o grande herói da Terra-Média (em parte devido a ausência de Gandalf, que pouco aparece no filme após seu fantástico retorno das Minas de Moria). Bravo e incansável, o forte personagem interpretado pelo ótimo Viggo Mortensen finalmente se revela como o futuro Rei, principalmente no terceiro ato do longa, quando lidera a resistência de Rohan contra o exército de Saruman. O filme ainda traz flashbacks de seu difícil relacionamento com a elfa Arwen, que precisa decidir se irá se juntar ao seu povo nas Terras Imortais ou se permanecerá na Terra-Média. São sequências bonitas, mas que desaceleram bastante o filme.

Mas todos os segundos de lentidão de As Duas Torres são compensados com uma das maiores batalhas já vistas nas telonas: a épica batalha do Abismo de Helm. É impossível descrever em palavras a grandiosidade da luta. Basta dizer que milhares de elfos, homens e orcs (e um anão) brandem espadas, machados e arcos em cima de uma gigantesca fortaleza de pedra debaixo de chuva em uma batalha que dura cerca de 40 minutos de projeção. O fato de ela se passar de noite é ainda mais impressionante. E o melhor de tudo é que tal clímax de pancadaria ainda conseguiu ser superado já no ano seguinte, com O Retorno do Rei e a antológica Batalha nos Campos de Pellenor.

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Com um final bem mais fechado que o seu antecessor, As Duas Torres termina com um plano sobre Mordor ao som da bela canção de Emiliana Torrini. O início dos créditos deixa os espectadores mais do que satisfeitos após quase três horas de projeção e ainda mais ansiosos pelo último e melhor filme da trilogia, que fez a Academia finalmente se render a O Senhor dos Anéis e fechou com chave de ouro a espetacular obra de Peter Jackson.

“É como nas grandes histórias, Sr. Frodo. As realmente importantes. Eram cheias de perigo e escuridão. E às vezes nem se queria saber o final. Por que como o fim poderia ser feliz? Como o mundo poderia voltar a ser o que sempre foi quando tanta coisa ruim acontecia? Mas no final é algo que passará, essa sombra, até mesmo a escuridão acabará. Um novo dia virá. E quando o sol nascer ele brilhará ainda mais. Essas eram as histórias que ficavam com a gente, que significavam alguma coisa, mesmo quando eu era pequeno demais para entender por quê. Mas eu acho que eu entendo. Agora eu já sei. As pessoas daquelas histórias tiveram muitas chances para desistir, mas não desistiram. Elas foram em frente porque estavam se agarrando a alguma coisa.”