Por Felippe Gofferman

Poucos diretores podem dizer que marcaram o cinema de seu país tanto na esfera artística quanto na política. Lee Chang-Dong não é apenas uma referência do cinema de autor da Coréia do Sul, o diretor e roteirista teve papel fundamental na consolidação da indústria cinematográfica do país como uma potência mundial.

Nascido em Daegu, uma importante cidade industrial da Coréia do Sul, Lee se formou em literatura na Kyungpook National University, um ponto de encontro entre a ciência e a arte. A influência da universidade e seu interesse pela cultura da escrita coreana, logo o levaram a produzir seu primeiro romance. O livro Chonri colocou seu nome em destaque no meio artístico e proporcionou a oportunidade de firmar uma carreira literária.

Chorok Mulkogi

Chorok Mulkogi

Anos depois de seu primeiro romance, Lee foi convidado a escrever para cinema, sendo responsável por dois filmes marcantes da retomada do cinema coreano. Geu seome gago shibda (1993) e Jeon tae-il (1995) já traziam o tom de crítica social comum em seu texto.

Ambos os filmes foram dirigidos por Kwang-su Park e deixaram claro o talento de Lee para o cinema, provocando uma movimentação de seus amigos da área para que ele dirigisse seu primeiro longa. A insistência só teve sucesso em 1997, quando o escritor debutou na direção com Chorok mulkogi. A história, escrita por ele, abordava os problemas da sociedade coreana no pós-guerra, sua pouca demanda de empregos e o crescimento da criminalidade.

As características da direção de Lee já são marcantes em sua primeira obra através de seus personagens com múltiplas camadas e sem julgamentos de bem ou mal aparentes, além de um background muito bem construído e sempre presente como uma sombra.

Chorok mulkogi serviu, acima de tudo, como uma experiência para Lee escrever e realizar seu segundo longa, uma obra lembrada e estudada com frequência nos círculos do cinema autoral coreano: Bakha satang (1999).

A crítica à sociedade existente no primeiro filme dirigido por Lee agora toma uma proporção temporal e filosófica muito maior. O roteiro, através da quebra de sua linearidade, aborda as duas décadas da vida de um personagem que o levaram a decisão extrema de tirar a própria vida.

Bakha satang representa um retrato de uma Coreia em eterno conflito e muito de seu cinema local, que se encontrava em um momento de releitura e de busca por novas soluções e caminhos para se tornar uma indústria madura e autossuficiente.

Oasis

Oasis                                              

Lee tem uma característica que deveria ser comum a todos os diretores, ele aprende com os erros e acertos para entregar sempre obras melhores que as anteriores a cada novo trabalho.

Em Oasis (2002), ele deixa um pouco de lado a critica pela violência e passa a apostar nos sentimentos. Um desprendimento do seu cinema de agressão sentimental mais explícita para uma narrativa poética, ainda que agressiva em sua sutileza.

O filme trata da relação entre um homem que saiu da prisão e uma mulher com paralisia cerebral, ambos com ambientes familiares turbulentos e que, devido a isso, desenvolveram grande dificuldade para se socializar. As diferenças e semelhanças entre os personagens transformam essa obra em uma belíssima quebra no cinema de gênero da Coreia do Sul, sem se distanciar do nicho cult e nem se aproximar dos romances juvenis populares no país.

Em meio a repercussão mundial positiva ao longa, Lee viu nas eleições presidenciais um surgimento de um candidato que planejava tornar o cargo de Ministro da Cultura e do Turismo uma função menos carreirista e mais ativa artisticamente, colocando alguém da área para comandar o ministério. Roh Moo-hyun venceu as eleições no final de 2003 e no ano seguinte convidou o diretor/autor para que pudesse empregar seu engajamento e conhecimento no que tange a literatura e o cinema nacional em prol do ministério.

Lee, em seu curto mandato, teve o trabalho frente ao ministério reconhecido, anos depois, com o titulo de Cavaleiro pela Légion d’honneur através da embaixada francesa por ter retomado e desenvolvido a política de cotas de exibição no cinema coreano, o que fortaleceu a indústria local e, como dito no início, colocou os filmes do país no mapa como exemplo de qualidade e de versatilidade.

O sucesso de Oasis não fez com que Lee retomasse a direção rapidamente. Após o período político, que terminou em 2004, o autor demorou três anos para lançar seu novo longa.

Sol Secreto

Sol Secreto

Sol Secreto (2007) não repetiu o mesmo sucesso de seu antecessor, mas manteve o padrão de qualidade atingido pelo diretor que procurou misturar os estilos de seus filmes anteriores criando uma trama intimista, forte e real que aborda diversos temas da Coreia atual.

Uma grande atuação respalda a protagonista que, assim como as personagens dos filmes anteriores de Lee, deve lidar com problemas familiares e se resolver quanto a sua posição frente aos desafios da vida e ultrapassar as barreiras impostas pelo conservadorismo da sociedade em que se encontra. Tudo isso enquanto lida com uma tragédia e tenta sobreviver e se segurar em alguma esperança.

A poesia já havia entrado na narrativa de Oasis, retornado em Sol Secreto e sempre esteve presente em diferentes graus na filmografia do diretor, mas em seu filme seguinte Lee quis colocar a poética no foco de sua dissertação cinematográfica. Foi em Poesia (2010) que o diretor conseguiu expor a essência de sua crítica social e seu fascínio pelo ser humano.

Lee, em seu último filme, evoca a dor, a força e a paixão de uma mãe-avó que precisa encontrar motivos para a própria existência. O diretor tirou Jeong-Hie Yun, a atriz que protagoniza a trama, de sua aposentadoria que já durava 16 anos e a transformou em sua musa do sofrimento e da superação. A atriz se entrega ao papel que reflete grande parte das famílias, onde não há figura paterna e as figuras femininas precisam transpor os conceitos conservadores patriarcais para sustentar e proteger suas famílias.

Os problemas que envolvem a matriarca coreana, no entanto, se dissipam pelos breves momentos em que ela busca um hobbie. O karaokê no pequeno restaurante e a aula de poesia levam a protagonista a uma elevação que só as artes poderiam trazer para uma vida tão atribulada. Lee parece indicar o poder de se comunicar através da arte como fundamental para nossa formação como indivíduos.

A beleza de Poesia só faz crescer a espera pela próxima obra desse diretor que, apesar de não ter feito muitos filmes, manteve o nível impecável em sua filmografia.