Do aclamado cineasta pernambucano, Kleber Mendonça Filho, O Som ao Redor (2013), primeiro longa-metragem do diretor, é um retrato e um recorte hiper-realista da classe média brasileira. Centrado no cotidiano dos moradores de um bairro “pequeno-burguês” no Recife, a obra de ficção é um espelho das estruturas de dominação/desigualdade e dos conflitos sociais que atravessam a história do Brasil desde a sua descoberta. Aliás, essa é uma crítica bem delineada e recorrente nos filmes de Kleber Mendonça. Uma assinatura do diretor, que parece ter como missão escancarar as mazelas do Brasil contemporâneo.

Neste contexto, tanto o polêmico Bacurau (2019) como o bem recepcionado Aquarius (2016), mesmo que a partir de enredos diversos, estabelecem um diálogo com O Som ao Redor (2013). Nessas obras, o tom artístico não é suplantado pelo caráter político dos filmes. Aí está a virtude de Kleber Mendonça Filho. O cineasta produz um cinema comprometido, engajado politicamente, apresentando questões estruturais e estruturantes da sociedade brasileira, sempre num viés artístico e compromissado com a linguagem cinematográfica.

O Som ao Redor (2013) é construído a partir de histórias paralelas, sem nenhuma conexão. No entanto, o recorte de Kleber é cirúrgico e perverso. É um recorte de classe. E, talvez, esse seja o único fio condutor que una essas diferentes histórias. A posição de classe que os personagens ocupam na estrutura social.

Literalmente guiados pelo som ao redor, somos apresentados a uma série de circunstâncias que permeiam a vida cotidiana dos moradores do quarteirão: a dona de casa estressada que sente uma imensa repulsa dos latidos do cão da vizinha; o vendedor de drogas disfarçado de entregador de água; a clássica e asquerosa reunião de condôminos de um prédio de classe-média; as paixonites e aos pseudoproblemas e preocupações de homens brancos e ricos; o passado escravocrata atualizado no trabalho doméstico de mulheres negras que carregam suas filhas para a casa do patrão e que trabalham para gerações de famílias brancas.

Acrescente a isso o coronelismo em sua vertente urbana; o problema da segurança pública e da cultura do medo; os enclaves fortificados; a excessiva verticalização da cidade, e assim por diante. Todos esses conflitos são confinados entre grades, janelas, cercas e muros das casas e condomínios.

Nessa malha de conflitos, memórias do passado retornam em um presente incerto, onde os estabelecidos precisam encarar os outsiders, onde as mudanças urbanas, sociais, e políticas são agentes transformadores das práticas sociais dos habitantes do bairro.

Com uma direção impecável, cenas bem pensadas – como a troca repentina de cores e a justaposição entre sonho e realidade –, atuações naturais que entregam verossimilhança ao filme e uma construção sonora inquietante e espetacular, essas micronarrativas convergem numa crítica ferrenha a alguns pilares da sociedade brasileira que precisam ser questionados e desmontados. 

O Som ao Redor (2013), ao lado da completa filmografia de Kleber Mendonça Filho, demonstra o porquê do sucesso do diretor. É uma obra que, mesmo não agradando a todos, coloca o dedo na ferida e incita o debate. E, para aqueles que já não mais dialogam, Kleber planta, ao menos, a semente do incômodo.

A montagem de O Som ao Redor é abordada em detalhes no curso Introdução à Montagem ministrado pelo professor Daniel Couto. Mais informações no link abaixo.

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