Por Ana Carolina Diederichsen

O filme começa com a música suave de um coral feminino, enquanto acompanhamos um grupo de turistas japoneses por Roma. Um desses turistas, que parece mais preocupado em tirar fotos do que realmente aproveitar o passeio, desvia o olhar do visor da máquina por um instante e se depara com uma bela vista panorâmica de Roma. Quando se permite observar a beleza que está lá, exposta na sua frente, tem um lapso, e cai duro, morto, no chão.

Num corte seco e contrastante, somos conduzidos a uma cobertura luxuosa ao lado do Coliseu, onde acontece uma grande festa, ao melhor estilo Gatsby. Música frenética, roupas chiques, a alta sociedade italiana esbanjando brilhos, bordados e joias. Depois de certo estranhamento inicial, percebe-se que os festeiros não são exatamente jovens e tem os rostos marcados pela idade e esticados pelo excesso de plásticas.

Essa festa dá o tom do que encontraremos pelo resto do filme: estamos agora num mundo fútil, cercado de alegria sem fim e beleza encantadora… e inegavelmente artificial.

No centro desse mundo, com todos os holofotes voltados pra si, está Jep Gambardella, vivido pelo marcante Tony Servillo. A festa em questão é a comemoração de seu 65º aniversario. Jep é um escritor famoso, bem relacionado e rico, que escreveu apenas um livro de estrondosa repercussão, quase 40 anos atrás. Desde então, vive à sombra de seu próprio sucesso e jamais conseguiu escrever outro livro. Como passatempo, escreve sobre arte e cultura para um jornal italiano.

Enquanto caminha por Roma, o escritor playboy revela que uma de suas grandes ambições era ser influente, poderoso e tão bem relacionado, que teria não só  o poder para participar de qualquer festa que quisesse, como também o poder de destruí-las quando conveniente. Sem se prender a explicações desnecessárias, o enredo deixa claro que ele foi bem sucedido nessas ambições. Tanto, que ao visitar a cidade, uma grande líder espiritual, tida como santa, opta por se hospedar no belo apartamento em que o bon vivant mora sozinho.

A rotina de Jep serve como um pano de fundo para questionamentos, que mesmo contra sua vontade, começam a aflorar. A proximidade com seu aniversario e a notícia de que um antigo amor da juventude morreu, o faz enxergar que sua vida, apesar de repleta de pessoas e acontecimentos empolgantes, é, na verade, vazia. O filme retrata justamente o processo de reconhecimento das próprias limitações e da velhice do personagem.  O tempo passou, ele alcançou seus objetivos, mas não fez nada, além daquele livro, que jaz empoeirado e esquecido nas prateleiras mundo afora, que realmente marcasse sua existência.

Longo, o filme que dura cerca de 2h20, tem a construção do ritmo tão eficaz, que não se torna monótono. O ritmo é ditado pelos constantes movimentos de câmera, que desliza suavemente, parecendo navegar pela história, acompanhando os personagens em seus percursos. Os movimentos, em sua maioria, partem de um enquadramento mais aberto e vão se aproximando da parte principal da cena. Algumas vezes, a aproximação é tamanha, que a câmera chega a extravasar o quadro, gerando, curiosamente, um ar de distanciamento. Associada a música, a fotografia constrói uma atmosfera de contemplação propícia para o momento de reflexões do protagonista.

Esse tipo de análise interna  não é novidade no cinema e já foi abordado de diversas maneiras, com destaques para “Do Mundo nada se Leva” e “A Felicidade não se Compra” ambos de Frank Capra, com James Stewart no papel principal, e mais recentemente com Nicolas Cage em “Um homem de Família”. O diferencial de “A grande Beleza”, filme selecionado pela Itália como candidato oficial a concorrer a uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro, é a ironia. Nesse caso, o protagonista desejava viver a vida que levava. Ele não quer outra coisa. Ele apenas constata que optou por uma existência fútil e vazia. Ele não tenta lutar contra isso, apenas se adaptar de tal maneira que se sinta um pouco menos à deriva. Para reforçar essa sensação de navegar sem rumo, o filme é permeado por barcos, mostrando inclusive o navio Costa Concórdia, naufragado em Janeiro de 2012.

A ironia velada, conduzida delicadamente pelo cineasta em ascensão Paolo Sorrentino, com leves pitadas de desolação, torna-se uma das maiores forças do filme e nos remete ao sentimento final de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis, um clássico da literatura brasileira.

O filme não responde a todos os questionamentos que levanta, não por ser incompleto, mas por levantar perguntas para as quais não existem respostas objetivas. A grande beleza a que o título se refere, é individual, está na vida das pessoas. Cabe a cada um construir a sua própria, escolhendo qual das belezas vai falar mais alto no percurso de suas histórias, e esperar que quando tiver decidido, não seja tarde demais, como foi para aquele turista japonês no inicio do filme.

Cinemascope-A-grande-beleza (1)A grande beleza (La grande bellezza)

Ano: 2013

Diretor: Paolo Sorrentino

Roteiro: Paolo Sorrentino

Elenco Principal: Toni Servillo, Carlo Verdone, Sabrina Ferilli, Carlo Buccirosso, Iaia Forte. 

Gênero: comédia.

Nacionalidade: Itália/França

 

 

 

 

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