Por Felipe Teixeira

Filmes sobre os horrores dos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial não são nenhuma novidade no cinema. Até o Último Homem, o primeiro filme de Mel Gibson após Apocalypto (2006) (e após o diretor se envolver em uma série de polêmicas como brigas e declarações antissemitas) é mais um deles, mas destaca-se dentre tantos outros principalmente pela incrível história de seu protagonista.

A produção, baseada em fatos reais, acompanha a vida do ingênuo e benevolente Desmond Doss (Andrew Garfield), um jovem católico americano criado por um pai (Hugo Weaving) alcoólatra, violento e traumatizado pelas perdas durante sua luta na Primeira Guerra Mundial. Ao ver todos seus amigos se alistarem no Exército para servir ao país na Segunda Guerra, Doss decide também não ficar para trás, mas sob uma condição: ele não iria tocar em armas e tirar a vida de ninguém.

Com roteiro e estrutura narrativa simples, quase todos os acontecimentos  do primeiro ato do longa-metragem tem como função apresentar um pouco do caráter e idiossincrasias do personagem com pouca sutileza. Ao ajudar na manutenção de uma paróquia (ele é religioso e prestativo), ele vê um homem se machucar, corre para ajudá-lo e o leva até o hospital (ele é altruísta e quer ser médico). Lá, ele de cara se apaixona por uma enfermeira e passa a cortejá-la (ele é romântico, mas desajeitado), mas quando chega em casa descobre que seu irmão está indo para a guerra (ele sente que terá o mesmo destino).

A partir do segundo ato, o roteiro de Robert Schenkhann e Andrew Knight não melhora em termos de obviedade (repare como cada soldado é apresentado rapidamente e parece ter uma função específica na trama), mas é hábil em apresentar situações que exponham a implacável determinação do soldado Doss em desobedecer ordens de seus superiores e levar seus ideais pacifistas até a última instância. Ele quer lutar ao lado de seus companheiros e ajudar seu país na guerra, mas como um médico, salvando vidas e não acabando com elas. Aqui, Andrew Garfield prova porque mereceu indicações a prêmios por sua atuação no filme ao construir um personagem inabalável diante de suas convicções, mas ainda assim fragilizado pelas consequências de suas decisões.

E quando Doss e seus companheiros finalmente são postos à prova na histórica Batalha de Okinawa, Mel Gibson esbanja todo seu talento como diretor ao criar uma das sequências de guerra mais impactantes desde O Resgate do Soldado Ryan. Abusando um pouco do slow-motion, mas mantendo a câmera próxima de seus protagonistas em planos extremamente caóticos, marcados pela altíssima dose de violência, Gibson é hábil em criar uma tensão ininterrupta e angustiante em confrontos que duram dezenas de minutos, não desviando a câmera de órgãos expostos e litros de sangue sendo jogados na tela. Personagens são dilacerados e queimados em larga escala de forma abrupta, cruel e real como o horror da guerra e a montagem eficiente de John Gilbert (O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel) é essencial para a criação de uma atmosfera claustrofóbica. O design e mixagem de som, também indicados ao Oscar em suas respectivas categorias, são dignos de muitos elogios ao captar o insano ruído de tiros, capacetes baleados, explosões e muitos gritos ao mesmo tempo. O roteiro, por outro lado, falha novamente ao retratar os japoneses como meras caricaturas vilanescas.

Assistir à entrega física de Doss resgatando seus companheiros feridos e abandonados mesmo diante do perigo iminente e provando seu valor aos desacreditados em sua competência como um soldado é emocionante. Seus feitos são indubitavelmente louváveis, e o filme faz questão de salientar que seus heroicos atos são verídicos ao incluir depoimentos de alguns sobreviventes e amigos ao final da projeção. Por isso, é uma pena que a produção exagere no nível de heroísmo do personagem, que além de médico também rebate granadas e parece desviar de balas, o que faz com ele perca um pouco de sua humanidade tão bem construída ao longo do filme. Afinal, o grande legado de Até o Último Homem é o reconhecimento pela admirável certeza das convicções de Desmond Doss e de seus feitos como um homem comum que salvou dezenas de vidas e não tirou nenhuma.

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Até o Último Homem (Hacksaw Ridge)

Ano: 2017

Direção: Mel Gibson

Roteiro: Robert Schenkkan, Andrew Knight

Elenco Principal: Andrew Garfield, Sam Worthington, Vince Vaughn, Teresa Palmer, Hugo Weaving

Gênero: Drama, Ação

Nacionalidade: EUA

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