Por Thaís Lourenço

Com o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o mundo se polarizou entre duas correntes político-ideológicas: o capitalismo e o socialismo. O capitalismo, representado pela potência em ascensão que eram os Estados Unidos, e o socialismo, representado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS.

A disputa por poder e hegemonia política e econômica levou essas duas potências à uma série de conflitos indiretos, num período que ficou conhecido como Guerra Fria. Esses conflitos consistiam basicamente em uma constante corrida de tecnologias, notadamente a corrida espacial, que levou o primeiro homem – dizem – à lua. A Alemanha, por ter perdido a Segunda Guerra, foi dividida entre os vencedores EUA, França, Inglaterra e URSS, e cada um estabeleceu suas respectivas zonas de influência, dessa divisão surgem os dois Estados Alemães: o ocidental, capitalista, e o oriental, socialista.

Berlim, capital do país, a partir de 1961 foi dividida ao meio – de um lado a Berlim Oriental (socialista), do outro a Ocidental (capitalista) – e completamente cercada por um muro de três metros de altura e 45km de extensão constantemente vigiado dos dois lados, impedindo a passagem dos habitantes de um lado à outro.

Por ser uma guerra de não agressão direta e de missões tecnológicas, uma das estratégias mais usadas pelos dois lados foi a espionagem. A partir dela descobriram-se planos, traições, deserções e próximos passos inimigos. As agências de inteligências portanto, detiveram um papel essencial ao longo da Guerra, a soviética chamava-se KGB e a norte-americana, ainda em vigor e super famosa, a CIA. Nos Estados Unidos e na América Latina é importante destacar a caça aos comunistas (inclusive em Hollywood, como o caso famoso do diretor Dalton Trumbo) e o apoio às ditaduras latino-americanas.

Mas essa é outra, da mesma história…

O MI6 (serviço de inteligência inglês) durante o período da Guerra Fria, talvez tenha sido o serviço secreto com maior número de agentes duplos infiltrados e maior número de traições. Esses agentes eram responsáveis por obter informações militares secretas e por espalhar informações e pistas falsas. É aí que o longa Atômica (Atomic Blonde) – adaptação da HQ “The Coldest City”, de Anthony Johnston e Sam Hart – dirigido por David Leitch (O Legado Bourne, John Wick: De volta ao jogo e Deadpool 2) fixa sua narrativa principal: nos papéis dos agentes duplos e do perigo de informações secretas caírem em mãos inimigas.

Charlize Theron protagoniza o filme no papel de Lorraine Broughton, agente do MI6 que é enviada em missão para Berlim a fim de encontrar uma lista secreta de agentes que foi roubada de seu ex parceiro. Com a ajuda de David Percival, interpretado por James McAvoy, vai em busca de pistas, entre desconfianças, sensualidades e muita, mas muita pancadaria.

Atômica vem como uma reinterpretação e revisão do gênero de espião norte-americano e proporciona um prazer que é muito mais pela escolha das músicas e da cenografia do que necessariamente pela história, apesar das reviravoltas e dos plot twists, que nunca caem de moda. Produções não norte-americanas sobre o mesmo período histórico, parecem dar muito mais conta da complexidade da época, se considerarmos filmes como Adeus, Lênin! (Wolfgang Becker – 2003) e A Vida dos Outros (Florian Henckel von Donnersmarck – 2006) por exemplo, podemos ver o quão abissal se torna a diferença deles para, por exemplo, Dr. Fantástico (Stanley Kubrick – 1964), Watchmen: O Filme (Zack Snyder – 2009) e o próprio Atômica no que diz respeito à estrutura narrativa e história das personagens. Enquanto os primeiros fogem da questão bilateral, retratando subjetividades, os outros focam mais na disputa EUA x URSS. Não que seja menos importante, mas é uma visão particularmente norte-americana dos fatos.

Muito além de sustentar a polaridade ideológica, dividindo personagens entre mocinhos e vilões, essas produções citadas abordam com maior delicadeza, distanciamento e podemos dizer até que uma certa imparcialidade, os mesmos temas de espionagem, justamente porque, para além do nacionalismo, são esmiuçadas as facetas e obliquidades não só do serviço secreto, mas de sua interferência na sociedade.

A escolha de por enquadramentos em close permite que nos aproximemos tanto de seus hematomas quanto de suas tensões e desconfianças internas, viajamos através de seu corpo e entramos em contato com suas marcas para só então, nos flashbacks, descobrirmos como foram conquistadas cada uma delas. David Leitch, não pela primeira vez, quebra a quarta parede, proporcionando ainda mais aproximação e identificação com as personagens, é quase uma forma de nos tornarmos amigos.

Recheado de suspense, neon e vodka, muita vodka, Atômica nos proporciona um ar nostálgico, a trilha sonora é toda anos 1980 e embala as emoções e os socos ao som de New Order, Depeche Mode, Queen e com destaques para bandas alemãs, como a Nena, com o clássico 99 Luftbaloons e AuSSchlag com Kack Zukunft.

Apesar das críticas, Atômica não deixa de ser o mais novo filme obrigatório na lista de qualquer cinéfilo. A combinação de Charlize Theron – que prova que os 40 anos não são o final da sensualidade, da capacidade e da decadência de nenhuma mulher -, dona da tela, com uma boa série de Girl Power faz com que o filme mereça ser visto.

Ficha Técnica:
Atômica (Atomic Blonde)

Direção: David Leitch
Roteiro: Kurt Johnstad
Duração: 115 minutos
Ano: 2017
Gênero: Ação / Thriller / HQ
Elenco Principal: Charlize Theron, James McAvoy, Sofia Boutella, John Goodman, Toby Jones, Daniel Bernhardt, Eddie Marsan, James Faulkner
Estreia: 31 de agosto

 

 

Ouça a trilha:

Atomic Blonde Soundtrack

 

 

 

 

 

 

 

Veja o trailer: