Por Sttela Vasco

Se com Frozen – Uma Aventura Congelante, de Jennifer Lee e Chris Buck, em 2013, a Disney já mostrava que havia adaptado suas princesas à atualidade, com Moana – Um Mar de Aventuras (Moana) isso se consolida de maneira emocionante. Dirigido pela dupla John Musker e Ron Clements, responsáveis por clássicos como Aladdin e A Pequena Sereia, o novo longa do estúdio mostra que não há mais espaço para histórias forjadas nos antigos moldes de A Bela Adormecida ou Cinderela. Nem todas as princesas terão príncipes, as protagonistas não serão perfeitas, seus traços serão mais próximos da realidade e a diversidade será mais explorada. E isso é ótimo. Com uma magia própria, o longa confirma uma nova – e muito aguardada – era para o estúdio.

Filha do chefe de uma tribo na Oceania, Moana Waialiki (Auli’i Carvalho) tem como sonho conhecer o que tem além da ilha onde mora. Querendo descobrir mais sobre seu passado e ajudar sua tribo, que vem lidando como uma escassez cada vez maior de alimentos, ela resolve partir em busca do semideus Maui (Dwayne Johnson) com o objetivo de reestruturar a ordem da natureza, salvar seu povo e, assim, retomar suas raízes como navegantes. Acompanhada por Maui, Moana começa sua jornada em mar aberto, onde enfrenta terríveis criaturas marinhas e descobre histórias do submundo.

Não há segredo e nem precisa de muita observação para notar que Moana é uma animação feminista. Porém, assumir essa vertente não é exatamente novidade, outras protagonistas já haviam levantado tal bandeira em seus filmes. O principal destaque de Moana, no entanto, é que tudo é muito mais exposto. Trata-se de um filme bastante realista e coloca em pauta, de maneira cômica e pertinente, temas ainda vivenciados pelas meninas atualmente. Se antes algumas questões eram tratadas de forma velada, dessa vez as temos de forma mais escancaradas. Ao longo de sua jornada com Maui, a jovem ouve várias vezes o semideus duvidar de sua capacidade por se tratar de uma garota e zombar de suas habilidades – ou possível falta delas. Em mais de uma ocasião, ele justifica a inexperiência de Moana com a navegação, por exemplo, não por conta de sua idade ou pelo fato de ela nunca ter saído da ilha, mas por ser uma menina. Mais especificamente, uma princesa.

Mas princesa é justamente tudo o que a garota não é. Como a mesma diz, ela é apenas a filha do chefe. E extremamente humana. Moana reúne os melhores aspectos de várias princesas que a antecederam: o desejo de ir além e a forte ligação com o mar de Ariel, o amor e respeito pela natureza de Pocahontas, a coragem e valentia tão presentes em Mulan e Merida e a humanidade de Anna. E isso é justamente o que dá força ao longa. Unindo tantos aspectos diferentes e se distanciando de padrões físicos, Moana é um símbolo de representatividade. Assim como qualquer pessoa, seus cabelos bagunçam se uma onda bate neles, ela sente raiva e xinga quando algo não dá certo, tem dúvidas perante a um desafio e não se encontrou totalmente na vida. Há magia, claro, mas a verdade é que essa é uma história bastante real.

Aparentemente, a Disney também aprendeu a rir mais de si mesma – algo que fez em Frozen ao questionar o fato de uma pessoa se casar com alguém que acabou de conhecer ou em Zootopia ao citar que nem tudo na vida se resolve com uma canção – e possivelmente usará isso em seus próximos longas. A piada da vez é o próprio estereótipo de princesa. Em dado momento, Maui pontua que “se está de vestido e tem um bichinho de estimação, é uma princesa”. Só que, claro, ela não é. Até mesmo o tal bicho de estimação de Moana foge dos padrões e sai do conceito de animais mágicos que falam e ajudam sua dona de maneira consciente. O de Moana não é nada mais do que…um frango. E um nem um pouco inteligente.

É emocionante acompanhar o crescimento de Moana e a construção da sua “jornada do herói” – no caso, heroína. Duvidando dos motivos que a levaram a ser escolhida pelo mar, ela passa boa parte da narrativa acreditando que precisa conduzir Maui até a ilha e, ao fazer isso, ele será o herói. Porém, ao longo do caminho, Moana percebe que, na verdade, ela deveria conduzir a si mesma e que não há nada em Maui que não exista dentro dela. É uma bela lição de autoconfiança e também amadurecimento.

Como toda obra do estúdio, o filme está cheio de lições e morais. A ambição humana – aqui representada pelo siri/caranguejo – sua tendência a fazer o que for preciso para conquistar bens materiais, a questão de que nem tudo que reluz é ouro e muitas outras vão sendo apresentadas ao espectador ao longo da história. O que se alinha com a real lição do longa: o cuidado com a natureza e as consequências do uso desenfreado dos recursos naturais. Exatamente, ser feminista não é a mensagem do filme, mas sim seu direcionamento. O longa, assim como sua protagonista, é muito mais do que apenas um tema.

Moana ainda bate muito na questão de as expectativas dos pais em relação aos seus filhos e as próprias expectativas da sociedade. E como estamos sempre lutando para nos encaixarmos e representarmos um papel, mesmo não sendo ele o certo para nós. Premissa já bastante explorada em obras como o próprio O Rei Leão, por exemplo – que, inclusive, serve de essência para algumas das relações da obra. As referências a clássicos não se delimitam apenas à personagem principal. A impressão é que, ao mesmo tempo em que dá um passo definitivo rumo ao futuro, a animação saúda o passado. O tempo todo referências – além dos famosos easter eggs – aparecem na tela e é possível notar como o longa se inspirou em outros sucessos, alguns deles, inclusive, dirigidos pela dupla. A que mais chama a atenção é a deusa Te Fiti, um ser celestial capaz de criar vida, que em muito se assemelha ao espírito da primavera presente no belíssimo Fantasia 2000.

Esteticamente, Moana é impecável. O realismo de suas paisagens só não chega a ser tão surpreendente quanto o de O Bom Dinossauro e a trilha sonora é repleta de bons momentos, porém, é justamente ela que revela uma das principais falhas do longa: a continuidade do roteiro. Tudo parece acontecer rápido de mais, com pressa. Até mesmo as canções parecem pular uma para a outra como se não houvesse tempo o suficiente, o que chega a ser curioso uma vez que o filme tem quase duas horas de duração. Porém, nada tira a sua importância e o peso de sua história. É necessário mais heroínas como Moana e é muito bom saber que a Disney, com todo o seu alcance e relevância, finalmente entendeu isso.

PS: fique ao final dos créditos!

Moana - Um Mar de AventurasMoana – Um Mar de Aventuras (Moana)

Ano: 2016

Direção: John Musker e Ron Clements

Roteiro: Jared Bush, Ron Clements

Elenco: Auli’i Carvalho, Dwayne Johnson, Rachel House

Gênero: Animação; Aventura

Nacionalidade: EUA