Atenção! Aviso aos navegantes! Antes de mais nada, gostaria de ressaltar que muitos trechos da minha crítica de Jogador Nº1 serão bem imparciais. O porquê disso? É que tive o prazer de ler a obra incrível de Ernest Cline antes de assistir ao filme de Steven Spielberg. E para quem fez esse mesmo caminho que eu, a experiência no cinema acaba sendo totalmente diferente. Sim, eu sei que devemos analisar cada obra separadamente, porque cada meio tem a sua linguagem, mas eu simplesmente não consegui. Sou fraca, eu sei! rsrs

Mas vamos ao que interessa! Jogador Nº1 conta a história do jovem Wade Watts (Tye Sheridan), que vive em um mundo meio pós-apocalíptico em meados de 2040, onde impera um alto índice de pobreza e uma grande crise energética. Ele mora em um amontoado de trailers com sua tia em Oklahoma City e sua única forma de fugir dessa realidade opressora e entediante é fazendo login no Oasis, uma plataforma de realidade virtual onde você pode ser o que quiser e jogar jogos incríveis, substituindo sua vida real pelo mundo da imersão. O grande criador desse universo (junto com seu parceiro Ogden Morrow, interpretado por Simon Pegg) é o geek James Halliday (Mark Rylance), um programador brilhante com grande apego pela cultura pop das décadas de 70 e 80.

Eis que James Halliday morre e, por não ter parentes próximos, resolve montar um esquema bombástico para passar adiante sua fortuna e o controle acionário de sua empresa, a Gregarious Simulation Systems: ele esconde um ‘easter egg’ dentro da plataforma do Oasis. O avatar que encontrar o ovo ganha toda a sua herança. Para chegar ao ‘easter egg’, os jogadores devem encontrar três chaves e passar por três portões, e as pistas para avançar na corrida estão todas relacionadas a filmes, músicas e principalmente jogos de videogame de 1980. A partir daí, começa a se formar um movimento de entusiastas (chamados ‘caçadores de ovos’) que estudam tudo sobre a história de Halliday e sobre cultura pop antiga a fim de encontrar o ‘easter egg’. O problema é que existe uma multinacional chamada Innovative Online Industries (IOI) que está louca para colocar as mãos na empresa de Halliday e monetizar o Oasis, e os ‘caça-ovos’ terão que lutar também contra esses inimigos capitalistas.

Um dos pontos mais fortes do filme sem dúvida é a forma como o Oasis é contextualizado. Todos os humanos são viciados nesse mundo virtual e deixam de viver suas vidas ‘reais’, fugindo de seus problemas, para mergulhar nessa realidade fascinante, e isso é muito bem ilustrado na obra de Spielberg. O balanço entre mundo real e virtual foi muito bem executado. Além disso, a direção de arte fez um trabalho de cair o queixo, com efeitos visuais impressionantes. Tudo muito bem feito! O mais incrível é acompanharmos Steven Spielberg voltando com força total e dando tudo de si nesse filme que é um prato cheio para os geeks, aficionados por tecnologia e nostálgicos. E o ritmo impressiona: o longa é adrenalina pura do início ao fim.

O problema, como já comentei, é que eu li o livro de Ernest Cline. Então, senti falta de um Wade mais inteligente e ardiloso, engajado na luta, que bola um plano surpreendente e audacioso para invadir a base de dados da IOI. O Wade retratado no filme é muito simplista e está longe de ser o gênio da obra literária. Senti falta da ansiedade constante de Parzival (avatar de Wade no Oasis) em conhecer Art3mis (Olivia Cooke) no mundo real, visto que no livro eles só se encontram nas últimas páginas e esse suspense é muito bacana. E principalmente, senti falta da estrutura complexa da ‘caça ao ovo’ criada por Halliday no livro. Os caçadores passam por uma série de enigmas e provas para chegar à etapa final, tendo inclusive que passar por obstáculos em uma caverna de Dungeons & Dragons e disputar um jogo de Joust com um rei macabro de RPG, coisas impagáveis que você não encontra no filme. Resumindo: a trama da obra literária é muito mais complexa, mais completa, mais inteligente, e faz um tributo muito maior aos geeks e nostálgicos.

O mais curioso é notarmos que Ernest Cline também é roteirista e co-produtor de Jogador Nº1, o que nos faz pensar que ele fez um roteiro propositalmente simplificado e adaptado para as ‘massas’. Outros pontos que também devem ter contribuído bastante para as mudanças brutais são a dificuldade de aquisição de direitos autorais dos muitos filmes/músicas/jogos citados no livro, bem como a complexidade de reproduzir para a tela um avatar jogando videogame em um console antigo (algo que ficaria muito entediante de assistir). Entendo perfeitamente tudo isso. Mas a trama poderia ter ficado mais elaborada e os personagens mais interessantes? Sim, poderia. O bom é saber que aqueles que forem assistir de coração aberto poderão imergir no universo Oasis de uma forma deliciosa e única. E isso é lindo! Essa é a proposta tão nobre de Spielberg. E garanto que, se você for sem preconceitos, vai gostar muito.

Jogador Nº1

Jogador Nº1 (Ready Player One)
Ano:
2018
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Ernest Cline, Zak Penn
Elenco principal: Tye Sheridan, Olivia Cooke, Ben Mendelsohn
Gênero: ​Ficção Científica, Animação
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: 3,5