Continuações e remakes costumam assombrar bastante o gênero do terror. Ou o vilão sempre arranja um jeito de voltar ou os produtores querem apresentar os monstros para uma nova geração. Basta olhar para as franquias da década de 1980 como Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo que passaram por todo esse processo. A moda atual é também lançar spin offs, filmes que tornam personagens ou tramas secundárias da franquia em protagonistas.

O exemplo mais evidente atualmente é a franquia Invocação do Mal. Além de três continuações, ela ainda conta com os spins off contando as histórias de Annabelle, A Freira e A Maldição da Chorona (esse último foi colocado à força no meio). Aliás, todas essas características apontadas anteriormente, também aparecem em outros gêneros, mas no terror, elas têm uma frequência mais evidente e, infelizmente, grande parte desses filmes não têm muito a acrescentar. A maioria acaba sendo uma versão mais endinheirada, atualizada e violenta de seus originais.

O universo de Invocação do Mal é um dos mais expansivos da atualidade, mas boa parte das produções segue sem muita relevância.

Esse histórico do gênero, faz com que a ideia de uma nova versão do clássico Suspiria (1977) pareça no mínimo suspeita. Será que deu bom? A seguir, vamos comparar o original com o remake, apontar suas principais qualidades e tentar responder se valeu o investimento ou se era melhor ter mantido as coisas como estavam. 

O TERROR GIALLO, SUSPIRIA E SEU REMAKE

Lançado no final da década de 1970, Suspiria é uma produção italiana do diretor Dario Argento, cujo roteiro foi baseado no ensaio Suspiria de Profundis, escrito em forma de poemas de prosa, do escritor Thomas Quincey e publicado pela primeira vez em 1845. O roteiro do longa foi feito pelo próprio Dario junto com Daria Nicolodi, que também colaborou em outras produções do realizador. A produção faz parte do gênero giallo, que abrange também obras literárias. O nome, que quer dizer amarelo em italiano, faz referência às revistas pulp italianas publicadas a partir de 1929. Argento é um dos diretores mais conhecidos do giallo e Suspiria talvez seja o título mais lembrado do gênero.

Uma curiosidade é que Dario Argento tem um pezinho no Brasil. Ele é filho da fotógrafa e modelo brasileira Elda Luxardo, que é mineira. Seu pai, Salvatore Argento, atuou como produtor, inclusive nos próprios trabalhos do seu filho. Dario também tem uma filha, a atriz Asia Argento. O diretor é conhecido por outras produções como O pássaro das Plumas de Cristal (1970) e Prelúdio para Matar (1975).

Dario Argento e Jessica Harper no set de Suspiria.

O giallo foi responsável por influenciar diversas produções do terror moderno. O próprio subgênero slasher, do qual os já citados Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo fazem parte, teve forte inspiração nos títulos italianos. Agora imagina, visto o histórico desanimador dos remakes de filmes de terror e a importância do original, o tamanho da responsabilidade de fazer uma regravação do agora clássico cult Suspiria.

A nova versão, chamada no Brasil de Suspiria: A Dança do Medo (2018), tem como diretor Luca Guadagnino, que também é italiano. Em sua carreira já dirigiu diversos tipos de produção, entre curtas e documentários, e tem uma longa parceria com a atriz Tilda Swinton, que também está nesse remake. Talvez seu filme mais comentado seja Me Chame Pelo seu Nome (2017), que teve quatro indicações ao Oscar 2018, ganhou Melhor Roteiro Adaptado e não tem nada a ver com terror. 

SUSPIRIA: UM EXPOENTE GIALLO E SEU REMAKE

Em Suspiria, uma jovem aspirante a dançarina, Suzy (Jessica Harper), chega à uma prestigiada escola de Ballet para aprimorar sua arte. Mas, logo nos primeiros dias ela percebe que o lugar tem algo de estranho. As suspeitas aumentam quando uma jovem estudante de lá é assassinada. Suzy então tenta desvendar o que ocorre no sinistro lugar.

Aqui temos um filme sensorial. Partindo de uma premissa simples, o visual e o sonoro são o grande diferencial da produção. Personagens sinistros e com passado sombrio é o que dão o tom do original. É a sensação de estarmos em um pesadelo. Primeiro pelo visual, mas também pelo surgimento dessas figuras que parecem ter sido criação de um inconsciente que misturou as mais estranhas referências.

Jessica Harper como Suzy na versão original de Suspiria.

A premissa do remake é basicamente a da história original. Uma dançarina americana, Susie (Dakota Johnson) se muda para Berlim e ingressa numa renomada escola de dança. Contudo, o lugar parece ter uma presença obscura e ameaçadora para além de uma simples escola de arte.

A partir daí, as coisas tomam rumos diferentes da produção de 1977. A primeira observação a se fazer é que o filme traz para o enredo questões históricas e políticas. A porta da escola Markos Tanz Company, em que o filme se passa, tem a forte presença do muro de Berlim que dividiu a capital alemã até 1989 e foi um grande símbolo da Guerra Fria. Esses elementos históricos são acrescentados à história que pretende falar de cultos não só no nível místico, mas de instituições políticas. É importante frisar que é justamente na Alemanha que teve berço o Nazismo que assassinou milhões de judeus sob o comando de Adolf Hitler.

Dakota Johnson como Susie no remake Suspiria: A Dança do Medo.

É interessante que esse discurso está dissolvido ao longo do filme. O roteiro teve o cuidado de fazer com que não tenhamos um “momento palestrinha” para se fazer os paralelos que se pretende nessa nova versão. Quem vai fazer essa costura é o Dr. Klemperer, que é o personagem que está além das paredes da escola e faz uma ponte entre o político e o sobrenatural. Sua passagem pode parecer meio aleatória, mas ao final se torna interessante e funcional. No original, essa veia política não está presente. Ele se concentra mais em criar uma atmosfera estranha e com personagens tão estranhos quanto.

VISUAL: CORES BERRANTES VS O CINZA HISTÓRICO

Outra diferença está no visual. Na versão de 1977, conforme já mencionado, a impressão era como se estivéssemos em um pesadelo. Luzes vermelhas, verdes e azuis muito fortes estavam presentes nos cenários mais cotidianos. Muito vindo da mistura da estética do gênero e dos recursos disponíveis na época para a filmagem. O diretor parece apostar no cenário e em lentes que distorcem a imagem para dar essa impressão vertiginosa. Visto hoje, quarenta anos depois, essas características ficam ainda mais acentuadas e, de certa forma, até ajudam o filme por ter um visual meio “cafona” nos figurinos e nos objetos de cena.

Inclusive, essas limitações testam a criatividade do diretor e da equipe de produção que precisam mostrar eventos sobrenaturais sem o auxílio de computação gráfica como temos hoje. Para tanto, nessa primeira versão, são utilizados efeitos práticos e movimentos de câmeras para simular as mortes e a ação das divindades malignas. Em uma das cenas, por exemplo, um personagem é perseguido por uma espécie de espírito maligno. Para simular o voo ou levitação do espírito, é utilizado uma câmera em primeira pessoa que paira sobre o personagem simulando que víssemos o ataque pelos olhos do espírito. 

No original as cores são sempre muito fortes e temos sempre a sensação de que estamos em uma espécie de pesadelo.

Em compensação, o remake vai quase em direção oposta. As cores berrantes e distorções dão lugar a um acinzentado em que as cores quase não aparecem. Salvo roupas de alguns dos dançarinos da companhia. Mesmo assim, tem um aspecto de cor lavada, sem vida. Elas aparecem em momentos pontuais, muitas vezes para marcar alguma coisa importante, como o figurino das dançarinas em momentos das suas apresentações. As luzes também têm a mesma função e surgem em momentos ainda mais tensos. Talvez até para evocar a energia que existia no original.

Diferente de outros filmes que abusam de efeitos gráficos para deixar o sobrenatural até cansativo, o novo Suspirira faz uso ponderado deste. A escolha é por utilizá-los apenas em momentos chave, nos demais existe uma escolha mais artística para causar estranhamento em nós, espectadores. Rostos cobertos por longos cabelos, o som de unhas arranhando o chão e montagens um tanto quanto esquisitas. Talvez “ponderado” seja a melhor definição para esse ponto no filme de 2018.

Na versão de 2018, as cores dão lugar à presença do corpo. A estranheza vem em forma de performances e escolhas mais plásticas.

O SOM DO MEDO

Esse lugar de estranheza no Suspiria original, junto com as cores berrantes, é reforçado por uma trilha sonora marcante  que é quase um outro personagem. Ela foi criada pela banda italiana de rock progressivo Goblin, que também criou a trilha de Prelúdio Para Matar do mesmo diretor. A música é tão marcante que depois do fim do longa ela ainda fica na cabeça por algum tempo, ressoando em forma de eco exatamente como ela ressoa durante o filme.

Como novas propostas visuais e fílmicas também exigem novos sons, na versão de 2018, sai a marcante e quase palpável música de rock progressivo e entra um tom mais delicado do vocalista da banda Radiohead, Thom Yorke. As canções têm como base o piano e a característica voz de Thom que, ouvido separado das imagens, não parece ser propriamente de um filme de terror. Visto que muitas das canções do grupo têm uma veia mais focada no mundo real, problemas com a tecnologia e a modernidade. É aquela junção que no princípio parece não ter nada a ver, mas que no produto final faz todo o sentido.

O RESULTADO FINAL

Ao assistir às duas versões de Suspiria, parece que para fazer um bom remake é preciso, antes de qualquer coisa, descobrir qual é o “espírito” do filme original. Quais são suas provocações, suas motivações e o que o fizeram existir. Somente a partir daí é possível aplicar uma nova roupagem e adequar a novas alegorias. 

Pensando no universo do terror um bom mal exemplo são os filmes O Massacre da Serra Elétrica. Nenhuma das sequências parece ter entendido isso que eu chamei de “espírito do filme”. Salvo algumas exceções, a maioria investiu em cenas mais violentas, com jovens de corpos mais torneados e sem a presença de uma força estranha filmada de forma quase documental como foi no original em 1974.

Suspiria pegou o que tinha de melhor em sua versão original, aperfeiçoou o que era possível graficamente sem parecer artificial e explorou novos pontos que tinham ficado meio de lado. Aqui no caso, era a parte da dança que não havia sido explorada de forma tão intensa. Na versão de 2018 ela é um dos elementos cruciais do filme e mostra as principais características das personagens. Sendo assim, Suspiria: A Dança do Medo entra para a seleta lista de filmes que são tão bons quanto ou melhores que os originais.

 

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