Por Luciana Ramos
A 86ª edição do Oscar consagrou 12 Anos de Escravidão como o Melhor Filme do Ano. O longa conta a história real de Solomon Northup, violinista livre que foi capturado e escravizado no sul dos Estados Unidos. Ele é relevante não só por relatar uma história real como também por ser uma das poucas obras que aborda o tema do ponto de vista do escravizado. A importância social do tema foi reconhecida pelo governo norte-americano: o livro que originou o filme foi incluído no calendário escolar oficial das escolas públicas.
Várias outras obras abordaram de maneiras diferentes a segregação social nos Estados Unidos e suas implicações. Usei este critério para montar uma lista e, mesmo tendo que deixar de fora o incrivelmente cool Django Livre, a que faço menção aqui, espero que gostem das escolhas!
O Mordomo da Casa Branca
O mais recente filme de Lee Daniels recebeu reconhecimento da crítica mas acabou ficando de fora dos indicados da Academia. O interessante desta produção foi a escolha da narrativa que, mesmo que peque em alguns pontos, consegue reconstruir de maneira eficiente a história do racismo nos Estados Unidos através do ponto de vista de seu protagonista. Cecil Gaines serviu como mordomo na Casa Branca por três décadas e oito governos presidenciais. Um dos seus filhos foi para a Guerra do Vietnã e o outro tornou-se um Pantera Negra. Ele presenciou o debate sobre igualdade racial no dia-a-dia da Casa Branca sem poder se pronunciar. Em um momento, Cecil consegue reconhecer o racismo velado que ele mesmo carregava através da sua postura apática e decide lutar por melhores condições para os negros americanos. A cena final, em que se veste com objetos que ganhou de antigos líderes para ir conhecer Obama é muito bonita.
Adivinhe quem vem para jantar
O filme é um marco no cinema hollywoodiano não só pela presença de Sidney Poitier, como pelo fato de ter sido um dos primeiros a abordar diretamente o preconceito familiar em relações amorosas interraciais. Joey Drayton (Katharine Houghton) choca os seus pais Matt (Sprencer Tracy) e Christina (Katharine Hepburn) ao levar o seu novo namorado para jantar na casa deles, o renomado Dr. John Prentice (Sidney Poitier). O longa acerta em tratar o desconforto experimentado pelos personagens por conta do racismo mas, visto pelos olhos de hoje, alguns questionamentos são válidos. A “aceitação” do Dr. Prentice acontece pela sua profissão, louros acadêmicos e destreza moral, o que mais parece uma espécie de “compensação” claramente preconceituosa num filme que se propõe a falar exatamente o contrário. Inspirou a comédia de sucesso A Família da Noiva, com Aston Kutcher e Bernie Mac.
Histórias Cruzadas
Adaptado do livro homônimo de Kathryn Stockett, conta a jornada de Eughenia Phelan, uma jovem aspirante a escritora conhecida como “Skeeter”. Ela volta a sua cidade natal Jackson, Mississipi, e se choca com o modo como as empregadas domésticas são tratadas. Decide então escrever junto a Aibileen Clark (Viola Davis) um livro que reúne as histórias de vida dessas mulheres, o que provoca um rebuliço. Apesar de agradável e até divertido, causou polêmica quando indicado pro Oscar pelo fato de ter sido necessária a ajuda de uma jovem branca na trama para levar aos negros o pensamento emancipatório e revolucionário. Seria isso mesmo necessário? O histórico de lutas civis mostra que não.
Leia a crítica AQUI.
Soundtrack for a Revolution
O documentário produzido pela HBO não ganhou tradução e nem DVD mas pode ser visto nos canais da TV a cabo. Remonta a partir de depoimentos de sobreviventes da época o cenário de efervescência social dos anos 1960 e as lutas contra a segregação no sul. Ele diferencia-se de outros do gênero por abordar a importância da música no contexto social, já que os participantes do movimento criavam cantos de contestação para encorajar a luta. O foco é exatamente na letra e significado dessas músicas, cantadas durante o longa por artistas como John Legend e Wyclef Jean. Interessante e muito bonito.
A Outra história americana
Derek Vinyard (Edward Norton) é o líder de uma gangue neonazista (com direito a suástica tatuada no peito) que assusta a vizinhança em meio a atos violentos e profecias sobre a superioridade da raça caucasiana. Um dia, após matar um jovem de forma violentíssima, é condenado a prisão. Lá sofre abusos sexuais e psicológicos e é defendido por jovem afrodescendente de quem acaba ficando amigo e o faz se dar conta dos absurdos que cometera. Uma vez solto, volta ao seu bairro com mensagens de paz e igualdade para descobrir que seu irmão mais novo agora comanda a sua antiga gangue. Então, passa a gastar todas as suas energias para tentar parar a onda de ódio que ajudou a dispersar. Impactante e bem feito, conta com a impecável atuação de Edward Norton.
Filme além dos clichês…
Mississipi em Chamas
Devo dizer que escolhi este por razões pessoais. Ele me marcou tanto pela brutalidade que lembro exatamente quando assisti a primeira vez e quando, anos depois, finalmente consegui terminá-lo. A história é a seguinte: em meados dos anos 1960, dois agentes da polícia com personalidades completamente diferentes, interpretados por Willem Dafoe e Gene Hackman, chegam a uma cidadezinha do Mississipi para investigar a morte de três ativistas dos direitos civis e são surpreendidos pela horda de violência e preconceito, que se estende a eles por se envolverem no caso. Os bebedouros separados, a grade que separa os assentos dos ônibus, o balcão dos restaurantes em que só podem sentar homens de pele clara. Este é um filme que explora bem tanto visualmente quanto na narrativa a irracionalidade do racismo. Imperdível!