Uma a cada quatro pessoas que estão presas no mundo estão nos Estados Unidos.
Esse é um dos primeiros dados com os quais somos bombardeados logo no início de A 13ª Emenda (2016), documentário premiado da diretora Ava Duvernay e produzido e distribuído pela Netflix. A ideia original da cineasta ao começar a pesquisa para o filme era tratar do tema do encarceramento em massa e como as prisões norte-americanas funcionam como um sistema econômico extremamente lucrativo. Mas, a partir do momento que as entrevistas começaram a acontecer ela percebeu que não poderia tratar desse assunto sem antes rever como a “terra da liberdade” se tornou a terra de 25% da população carcerária do mundo.
Em 1865 sob o comando do então presidente Abraham Lincoln a 13ª Emenda da Constituição entrou em vigor em solo norte-americano e ela dizia que “não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime”; e assim foi criada a maior brecha legal na história.
O filme traça a história da população negra norte-americana desde o final da Guerra Civil, a implementação da 13ª emenda e a ‘libertação’ dos escravos até os dias de hoje com o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), a brutalidade policial e como o sistema foi criado e moldado para que estivesse exatamente como ele está hoje.
(Qualquer semelhança que vemos com a nossa realidade por aqui com certeza não é mera coincidência).
Grande parte da força do documentário está na lista de entrevistados com ativistas abolicionistas do sistema carcerário como a incomparável Angela Davis, Bryan Stevenson, Michelle Alexander, Van Jones e Malkia Cyril; políticos ainda em exercício na época como Cory Booker, e também nomes que nunca imaginamos em um projeto com essa temática como o republicano Newt Gingrich e o liberal Grover Norquist.
ENTRE REPUBLICANOS E DEMOCRATAS, QUEM PERDE É SEMPRE A COMUNIDADE NEGRA
Mas o que realmente faz com que o filme cresça na sua narrativa é a construção do negro, em especial o homem negro, no imaginário de toda a população norte-americana. Como toda uma nação foi direcionada a acreditar que negros são inerentemente agressivos, animais que não conseguem se controlar. E como isso permeou os aspectos socioculturais dentro do país para que todos, fossem eles brancos, negros ou latinos, tivessem a mesma idéia sobre uma minoria supostamente violenta por natureza.
O Nascimento de Uma Nação (1915), dirigido por D.W. Griffith, considerado o primeiro grande filme norte-americano trouxe uma reimaginação do que foi a Guerra Civil americana, retratando os negros como verdadeiros animais e deixando claro o papel que os afrodescendentes teriam dentro do país e, como vemos no documentário, como esse filme influencia o olhar sobre os corpos negros até hoje, deixando escancarada a dificuldade de encarar negros como seres humanos complexos.
O documentário traça uma linha entre a Guerra Civil, a segregação sob a lei Jim Crow, até a guerra às drogas sob os mandatos dos republicanos Richard Nixon nos anos 1970 e Ronald Reagan nos anos 1980. Todas essas políticas foram moldadas e incentivadas a atacar a população negra, criminalizando não só as suas lutas, mas toda a sua existência.
Mas foi sob o mandato do democrata Bill Clinton, nos anos 1990, que se deu início à infraestrutura e à militarização que vemos hoje em todo e qualquer departamento policial norte-americano. Como as leis federais outorgadas por ele como as sentenças mínimas, a necessidade de cumprimento de 85% da pena mas principalmente “3 strikes you’re out” (que dizia que ao cometer o terceiro delito, de qualquer tipo, a pena se torna de prisão perpétua) o sistema carcerário realmente ganha corpos, e em sua maioria, negros.
JUSTIÇA ATRASADA É JUSTIÇA NEGADA
Na época em que A 13ª Emenda foi finalizado existiam 97% de presos que só estavam encarcerados por não terem dinheiro para pagar a fiança e esperar seu julgamento em liberdade. O sistema foi se moldando para que as populações mais fragilizadas, as comunidades negras, latinas, imigrantes, fossem sistematicamente perseguidas e impedidas de gozarem de todos os seus direitos uma vez que foram acusadas de um crime.
A história dos Central Park Five, que a própria Duvernay dirigiu como minissérie para a Netflix com o nome de Olhos Que Condenam (2019), o linchamento de Emmett Till em 1955 por um grupo de supremacistas brancos, o assassinato das 4 quatro garotas negras que estavam dentro da Igreja Batista que membros da KKK atearam fogo em 1963, o assassinato de Trayvon Martin pelas mãos de George Zimmerman em 2012, o assassinato de George Floyd pelas mãos de um policial em 2020. Essas são apenas algumas histórias de como o racismo e a estrutura a qual ele serve existe para ceifar as vidas negras, para manter um estado de perpétua exceção para com a comunidade negra e como absolutamente nada é feito a respeito.
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