Por Sttela Vasco
O que acontece quando os principais personagens do imaginário infantil são reunidos em um filme? Em A Origem dos Guardiões (Rise of the Guardians), dirigido por Peter Ramsey, o Coelho da Páscoa, o Papai Noel, a Fada do Dente e o Sandman – o “homem de areia”, mais conhecido nas culturas norte-americana e europeia – se unem em prol de um bem maior: salvar as crianças do Breu, uma figura moderna do Bicho Papão que pretende transformar o universo infantil em um grande pesadelo. Para isso, os guardiões contam com a ajuda do mais novo – e solitário – membro do grupo, Jack Frost e, a partir daí, a história se desenrola.
Essa animação, baseada na obra homônima de William Joyce, pode soar ingênua à primeira vista, beirando ao risco de ser mais um longa feito para a época do Natal. Essa impressão, no entanto, se dissolve logo nos minutos iniciais do filme. A Origem dos Guardiões é, apesar de voltado primordialmente ao público infantil, uma história de tal complexidade e profundidade que é difícil não se identificar, mesmo não sendo mais criança. O estilo adotado para representar essas figuras mitológicas – um Papai Noel que não é exatamente um velhinho doce, uma Fada do Dente vaidosa, um Coelho da Páscoa marrento – e a forma como a relação entre eles é estabelecida dão um tom diferente à história. O grande diferencial, porém, são as mensagens passadas pelo filme, e a maneira como elas são entregues ao espectador.
A Origem dos Guardiões não se trata apenas de salvar o mundo de uma grande ameaça, mas sim das relações e conflitos humanos. Jack Frost, o protagonista, é um garoto solitário que não se lembra de seu passado e se sente infeliz devido ao fato de que é invisível para as crianças. Jack não é o típico herói, que vai aparecer na hora certa e salvar tudo, não. Ele, a princípio, rejeita essa missão e só a aceita por ver nela uma chance de saber mais sobre o seu próprio passado. Assim como os outros personagens, ele tem defeitos. Sua personalidade é complexa e o seu humor influencia muito em suas ações. Talvez aí esteja o grande diferencial dessa animação: ao contrário do conhecido no popular, essas figuras têm defeitos, não são boas a todo o tempo e, o mais interessante, são assustadoramente humanas.
Não se impressione se, ao terminar de assistir, você perceber que essa é uma animação muito mais para adultos do que para as crianças em si. As mensagens e a profundidade com que elas são passadas fazem com que o longa vá muito além de entreter e contar uma história bonita. Aliás, esse não se trata de um filme exatamente feliz. Mesmo em seus momentos de glória, quando o bem vence o mal, há um tom melancólico no ar e ele não está presente à toa. A narrativa se passa aos olhos de Jack e ele tem esse traço presente em sua personalidade. A mescla entre o mito e o ser humano que ele foi – que é fácil de ser sentida quando conhecemos um pouco mais sobre sua vida passada – fazem com que o espectador se identifique com ele, além de se emocionar. O humor – por vezes ácido – fica a cargo da relação de amor e ódio entre o Jack e o Coelho da Páscoa, que vivem em disputa. Nesses momentos, mesmo com o humor, é possível perceber a vulnerabilidade de Jack em relação aos seus pontos fracos e essa é a sua real missão na história: superar suas próprias falhas e evoluir, algo extremamente humano.
Um ponto interessante no longa é a alusão a fábulas famosas. Várias vezes é possível perceber, por exemplo, o clássico A Tartaruga e o Coelho ou até mesmo Alice no País das Maravilhas em algumas das cenas. Todo o universo dos contos, aliás, é pincelado pelo filme de maneira sutil e inteligente. Mas esse não é o foco principal do longa. A Origem dos Guardiões, ao sair do modo tradicional de narrar contos infantis, debate também o fim precoce da infância, a descrença cada vez maior nessas figuras – uma das principais preocupações dos guardiões – e as questões que compõe o ser humano, esteja ele no começo ou no fim de sua vida. Uma história para entreter quem quiser ser entretido, mas para proporcionar algumas reflexões àqueles que estiverem dispostos a pensar um pouco mais.
Veja o trailer: