Há pouco mais de três anos, em 10 de março de 2016, a franquia de filmes da saga Divergente teve seu (provável) último capítulo lançado nas salas de cinemas do Brasil. Chamado de A Série Divergente: Convergente, o longa-metragem foi o terceiro da saga cinematográfica baseada na trilogia de livros (Divergente, Insurgente e Convergente) da escritora Verônica Roth. Três livros, três filmes, história contada e encerrada, certo? Não. Empolgada com o relativo sucesso comercial do primeiro filme da franquia, lá em 2014, a produtora Summit/Lionsgate anunciou a divisão do último livro em dois longa-metragens, seguindo a fórmula de outras adaptações infanto-juvenis em alta na época como Harry Potter e A Saga Crepúsculo.
E o que deveria ter sido mais um lucrativo case hollywoodiano transformou-se em um dos maiores desastres recentes do cinema.
Em Divergente, o primeiro filme da franquia, a jovem Beatrice Prior (Shailene Woodley) vive em uma Chicago isolada e pós-apocalíptica que divide sua população em cinco facções: Erudição, Audácia, Abnegação, Franqueza e Amizade, cada uma formada por um grupo de pessoas com ideais semelhantes e responsável por um setor diferente da cidade. Após passar pelo teste que indicaria a qual facção deveria pertencer, Beatrice é classificada como uma Divergente, não se encaixando em nenhuma delas por algum motivo misterioso.
Na onda das aventuras distópicas adolescentes que lotavam as salas de cinema no início da década, Divergente foi lançado em 2014 cercado de expectativas. Com uma sólida base de fãs oriunda dos livros; estrelado pela ótima Shailene Woodley, acompanhada por coadjuvantes de peso como Ashley Judd e Kate Winslet; e uma produção orçada em 85 milhões de dólares, o sonho de seus produtores era de que a saga seguisse o mesmo caminho da franquia Jogos Vorazes, na época já com dois filmes lançados e aclamada por público e crítica.
Em março daquele ano, Divergente estreou com respeitáveis 54 milhões de dólares na bilheteria americana e uma recepção apenas morna nas avaliações dos críticos. Um começo razoável, mas longe de ser empolgante. E menos de um mês após sua estreia, o anúncio fatídico: Convergente, último livro da saga, seria dividido em dois filmes, a serem lançados em 2016 e 2017.
A notícia da ramificação dividiu opiniões. Ao longo dos três livros, a história criada por Verônica Roth, apesar de instigante, se desenrola em uma trama de conspirações e experimentos científicos de poucas novidades e que nunca atinge um nível de complexidade como a missão voluntária de Katniss em Panem, por exemplo. Existiria material bom o suficiente para a produção de mais um filme ou saga estaria cometendo o mesmo erro de esticar demais uma história como a adaptação de O Hobbit, por exemplo?
Miles Teller, intérprete do personagem Peter e um dos principais atores do filme, foi bastante sincero quanto ao seu envolvimento naquilo tudo. Em uma surpreendente declaração apenas alguns meses após a estreia de Divergente e bem no meio das gravações do segundo filme, que seria lançado no ano seguinte, Teller afirmou à W Magazine que só estava participando da franquia por motivos financeiros e que seu papel na história não era interessante. Logo em seguida, falou que não era bem assim e que “valorizava seu personagem na trama”. Mas todo mundo entendeu o recado.
Apostando alto no sucesso da franquia, a Summit/Lionsgate não poupou esforços em tentar fazer de A Saga Divergente: Insurgente um dos filmes mais aguardados de 2015. Com um orçamento de cerca de 110 milhões de dólares e a chegada de novos nomes de peso como Naomi Watts e Octavia Spencer ao já estelar elenco da produção, a sequência de Divergente tinha tudo para decolar. A campanha de marketing foi intensificada e até um impressionante teaser do filme durante o Super Bowl foi divulgado para aumentar o hype sobre a produção. Mas dinheiro e propaganda não são capazes de salvar um filme sem personalidade.
Lançado em março de 2015, Insurgente obteve não apenas uma recepção ainda menos calorosa da crítica, como um desempenho de bilheteria inferior ao primeiro capítulo, faturando um total de 130 milhões nos EUA. O retorno financeiro não foi considerado ruim, mas ainda no segundo filme, com mais dois pela frente, o roteiro adaptado da saga já dava sinais de fadiga e de não saber como conduzir uma trama confusa e repleta de personagens superficiais. Sem criatividade, sem rumo, sem grande interesse do público, mas também sem ser uma grande porcaria e ainda rendendo alguns milhões de dólares, Insurgente foi considerado um espetáculo irrelevante e marcou o fim da paciência dos espectadores com a trama.
Sob ares de desconfiança, enquanto Insurgente saía de cartaz sem grande alarde, a produção do terceiro filme começou já em maio de 2015. Jeff Daniels e Bill Skarsgard se juntaram ao elenco para as gravações e mais 110 milhões de dólares foram investidos pela Summit/Lionsgate no novo longa-metragem. O resultado foi pior do que o esperado. Em março de 2016, A Série Divergente: Convergente estreou com uma queda de 44% em relação a bilheteria de abertura de Insurgente e uma péssima recepção da crítica, que destacou a flagrante pobreza do roteiro e o desperdício de ótimos atores. Com o fracasso retumbante do filme, problemas de bastidores foram expostos e questionamentos sobre como recuperar a desgastada franquia para seu episódio final começaram e não tiveram fim.
Antes mesmo do lançamento de Convergente, Robert Schwentke, diretor do segundo e terceiro filmes, anunciou que não iria dirigir o último capítulo da saga, alegando cansaço e desejo de ficar mais próximo da família. Boatos de que Schwentke e a protagonista Shailene Woodley tiveram desavenças no set de filmagem começaram a circular. Ao The Hollywood Reporter, uma fonte da produção informou que a atriz estava insatisfeita não só com o diretor, mas com a qualidade dos textos e a rapidez com que cada filme era desenvolvido.
Cerca de uma semana após o decepcionante final de semana de abertura do filme, a Lionsgate confirmou que o orçamento de A Saga Divergente: Ascendente, último filme da franquia, seria significativamente reduzido em razão do fracasso do último lançamento. Sem um roteiro final pronto e com um corte financeiro justo no que deveria ser o clímax da trama, os produtores de Divergente pareciam perdidos sobre como salvar a franquia. Em 20 de julho de 2016, o resultado: o último filme da saga Divergente seria exibido diretamente na TV, sem passar pelos cinemas.
O anúncio foi o primeiro de uma série de especulações e desinformações sobre a produção que escancararam a falta de planejamento da Summit/Lionsgate sobre o material. Shailene Woodley, à época divulgando seu novo filme Snowden, declarou que ficou sabendo da decisão enquanto estava em um avião e que precisava se informar sobre o que estava acontecendo. Nenhum integrante do elenco parecia saber ao certo sobre o futuro de Divergente ou mesmo se iria participar do novo filme “rebaixado” para a televisão. Até que em fevereiro de 2017, após meses sem qualquer novidade sobre o status do longa-metragem, Woodley confirmou que estava fora da franquia.
O trauma da atriz com a produção dos filmes foi tão grande que Woodley, hoje uma das protagonistas da ótima série da HBO Big Little Lies, declarou considerar abandonar a carreira: “O último filme foi difícil para todo mundo e pensei que precisava de novas experiências humanas fora dessa indústria para me apaixonar pela atuação de novo”, declarou a atriz ao Net-A-Porter.
Com o declarado desinteresse de quase todo o elenco de Divergente em fazer um filme para a TV, os planos de encerrar a franquia foram esfriando e meses se passaram sem qualquer previsão de novidades. O canal Starz chegou a anunciar em 2017 que estava desenvolvendo uma série sobre a saga, mas, em dezembro de 2018, enfim, o Buzzfeed reportou o que já era esperado: a franquia Divergente estava cancelada.
O encerramento precoce de franquias de filmes não são incomuns em uma indústria como a de Hollwood, que injeta centenas de milhões de dólares em produções e, logicamente, exige um retorno financeiro. Relembrando alguns fracassos recentes, inclusive voltadas para o mesmo público que Divergente, sagas como Os Instrumentos Mortais, A Bússola de Ouro, Eragon e Percy Jackson iniciaram trajetórias no cinemas, mas nunca chegaram nem perto de contarem suas histórias completas.
O que torna o cancelamento de Divergente um vexame é o fato da franquia produzir três filmes de altíssimo orçamento, forte divulgação, e abandonar a história justamente em seu capítulo final. A situação se torna ainda mais grave ao lembrarmos que, não fosse a gananciosa decisão da produtora Summit/Lionsgate em dividir o último livro em duas partes, o terceiro filme, exibido há três anos, poderia ter apresentado toda a narrativa de Tris Prior e encerrado a franquia de forma digna. Independente da qualidade do longa-metragem ou da aprovação da crítica, o desfecho da trama seria o mínimo que espectadores que pagaram ingressos e acompanharam a adaptação cinematográfica desde o início, em 2014, mereciam.
O fracasso de Divergente foi um embaraçoso castigo à predominância do lucro sobre a arte e serviu ainda como a pá de cal em um subgênero cinematográfico que, desde o fim de Jogos Vorazes, não demonstra mais interesse da audiência. Ao fim de tudo, os três filmes da saga Divergente renderam cerca de 765 milhões de dólares e reuniram um timaço de atores como Kate Winslet, Jeff Daniels, Naomi Watts, Octavia Spencer, Zoë Kravitz, Ansel Elgort, Miles Teller e Shailene Woodley. Mas graças a seus produtores, será lembrada como a história que quase acabou.