Por Luciana Ramos
Há aqueles que adorem filmes com participação de animais por acharem que eles acrescentam graça; outros já não veem a necessidade dos mesmos na trama. O que importa é que são incontáveis as produções cinematográficas que os utilizam em nível menor, como o cachorrinho da família, ou maior, com a trama dedicada só a eles, como em Babe, o porquinho Atrapalhado. Todos eles contém nos créditos o aviso: “nenhum animal foi ferido durante as gravações/filmagens”. Esta pequena nota é na verdade a garantia liberada pela AHA (American Humane Association) de que estes seres não sofreram abusos, uma espécie de ISO 9001 sem a qual o filme não pode ser comercializado. Porém, recentemente vieram à tona vários casos que contradizem isso, deixando a Organização em maus lençóis e levantando questões éticas sobre produções deste tipo.
Durante muito tempo, animais foram sacrificados em Hollywood em prol da arte. Como exemplo tem-se a morte de aproximadamente cem cavalos durante as filmagens de Ben Hur, clássico de William Wyler. Em 1980, a AHA foi criada com o intuito de parar qualquer tipo de maus tratos e, desde então, possui a autorização por lei de revisar roteiros, monitorar as cenas que contenham animais e até realizar prisões, se necessário. No entanto, o vazamento da notícia de que um tigre-bengala quase morreu em As aventuras de Pi deu início a uma série de outras similares, o que acarretou uma crise de credibilidade na Associação.
A majestosa obra de Ang Lee usou, para a maior parte das cenas, computação gráfica para criar o tigre-bengala que interage com o protagonista. Ainda assim, foi contratado um animal adestrado de nome King para estudos de movimentos e algumas cenas com planos mais fechados. Eis que em um dia de trabalho, ele começou a se afogar no tanque de água onde eram rodadas as sequências e teve que ser laçado e puxado para a borda por seu adestrador. King felizmente sobreviveu mas isso nem sempre acontece: em O Hobbit: uma jornada inesperada, primeiro longa da nova trilogia de Peter Jackson, nada menos que 27 animais morreram por desidratação e, de novo, afogamento.
Outros casos similares incluem um esquilo que foi fatalmente esmagado em Armações do Amor, catorze cavalos “inutilizados” em As crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian, dois mortos nas gravações de Flicka e um outro que também faleceu em Cavalo de Guerra.
O mais recente envolve o indicado ao Oscar deste ano, O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese. Uma chimpanzé de nome Chance foi “contratada” para “atuar” de patins ao lado de Leonardo DiCaprio (sim, existem contratos, incluindo horas de trabalhos e descrição dos papéis, assinados pelos treinadores e donos destes animais). A macaca comprovadamente sofreu danos psicológicos brutais de adestramento e encontrava-se em estado de choque depois do término, o que resultou em uma petição online organizada pela PETA para garantir que o ator Leonardo DiCaprio, conhecido por seu perfil humanitário, seja proibido de atuar com símios novamente.
Em todos estes longas, a notinha do “nenhum animal foi ferido” está lá. Então surge a pergunta: o que seria necessário para punir as produtoras? O que leva a ineficiência da AHA? De um lado, a associação justifica os casos com a desculpa de que todos aconteceram nos bastidores, com as câmeras desligadas e os seus funcionários só presenciam e fiscalizam a filmagem em si e observou o número restrito de colaboradores diante da imensidão de Hollywood. Do outro, uma questão crítica: os seus recursos vem de uma empresa ligada a instituição dos produtores de Hollywood, a Alliance of Motion Pictures and Television Producers, o que leva a um conflito de interesses: como aplicar multas e suspender as gravações de quem paga o seu salário?
Ainda que tenham realizado boas ações, como uma campanha de sucesso de adoção durante a divulgação de Marley e eu, o fato é que a AHA não está cumprindo o seu papel e vários animais estão sofrendo danos severos ou sendo mortos em produções hollywoodianas. As denúncias e o aumento considerável da pressão popular por um modo de produção mais consciente são o estopim para mudança e resta-nos esperar pelo dia que não seja mais necessário pôr em risco a vida de seres indefesos para a construção de uma obra cinematográfica de qualidade.
As informações do artigo foram baseadas no post do The Hollywood Reporter que pode ser lido AQUI.