Por Rafael Ferreira
Antes de iniciar o filme, certifique-se de que sua TV seja Full HD, no mínimo 42 polegadas, e que seu Home Theater funcione bem, para poder desfrutar adequadamente deste filme que propicia imagens belíssimas e uma trilha sonora excelente.
O terceiro longa-metragem de Darren Aronofsky (Cisne Negro) divide opiniões, tanto da crítica quanto do público, vaiado na première no Venice Film Festival, mas aplaudido de pé na segunda noite de exibição. Felizmente o filme vem sendo redescoberto e recebendo aos poucos a atenção que merece graças ao mercado de homevídeo o que, por definição, classifica-o como “cult”. Vale lembrar que a história foi publicada como uma graphic novel em 2005 antes de se tornar filme, como uma alternativa encontrada pelo diretor para salvar seu projeto após falhar em sua primeira tentativa de filmá-lo.
Uma das coisas que pode ter contribuído para a má recepção do público seja a narrativa não-linear, confusa talvez na primeira vez que assistimos, mas difícil imaginar o filme com outra estrutura. Confesso que precisei assistir três vezes durante três finais de semana seguidos para uma melhor compreensão do filme. Muitas questões são levantadas enquanto assistimos, tal como “o que é real e o que não é?”, ou “o que aconteceu neste final?”
Durante o filme, acompanhamos três histórias em diferentes períodos – passado (chamaremos de Linha A), presente (chamaremos de Linha B), e futuro (chamaremos de Linha C) – nestas três linhas de ação acompanhamos Hugh Jackman interpretando, no passado, um conquistador espanhol (Tomas) a mando da Rainha Isabel, numa jornada pela América Central a procura da árvore que segundo lendas traria vida eterna; no presente, um neurocientista (Tom Creo) se esforçando para encontrar a cura para uma doença terminal presente em sua esposa, Izzi; e no futuro, um viajante espacial, possivelmente o último homem (chamaremos ele de Tom do futuro), indo em direção uma estrela morta para tentar “ressuscitar” uma árvore.
Como o próprio título sugere, A Fonte Da Vida é sobre a busca pela vida eterna como matéria e, por outro lado, é sobre uma jornada espiritual para aceitar a morte não como o fim da vida, mas uma transformação para outro estado – “Morte é um caminho para o sublime”. Enquanto os três personagens de Jackman temem e rejeitam a morte, a personagem de Rachel Weisz (Izzi) a acolhe sem medo, inspirada por um guia maia que plantara uma semente no túmulo de seu pai, para que ele pudesse se tornar parte da árvore, parte do fruto que alimenta um pássaro e, assim, parte do pássaro como uma continuidade para sua vida. Inspirada também pela lenda maia do Primeiro Pai, que se sacrificou para criar o mundo, esta ideia de continuidade após a morte também é expressa no pedido de Izzi para Tom escrever o último capítulo de seu livro, que este recusa por não “saber como termina”.
O livro que Izzi escreve também causa dúvida entre o espectador, pois a narrativa desta linha dramática às vezes se funde com a Linha B e às vezes com a Linha C. Afinal, Tomas é um antepassado de Tom? A árvore na pirâmide maia realmente é a mesma que Tom menciona enquanto cria o composto para salvar a vida de Donovan? Talvez este seja o grande atrativo do filme, foi o que me levou a revê-lo seguidas vezes: tentar compreender ou decifrar tais questionamentos. Durante o filme, diversas pistas nos são dadas para montarmos este quebra-cabeça, e as peças dão margem a várias interpretações.
Sobre a pergunta feita no segundo parágrafo deste texto, “o que é real e o que não é?”, aponto uma pista: Tom e Izzi sobre o telhado observando estrelas pelo telescópio, quando questionada sobre seu livro, “pensei que a história se passava na Espanha”, ao que ela responde “começa lá [Espanha], termina lá [aponta para Xibalba]”; por outro lado, Tom do futuro possui a mesma tatuagem de aliança que o Dr. Tom Creo faz em si mesmo, sugerindo que os dois são a mesma pessoa, além de utilizarem a mesma pena para fazerem a tatuagem, e guardarem as mesmas memórias de sua esposa morrendo e convidando-o para caminhar sobre a primeira neve da temporada que, por sua vez, levanta outra dúvida se ele foi ou não, pois há duas alternativas para isto.
Outra peça do quebra-cabeça que aponto é quando Tom vê um senhor de idade em seu leito de morte no hospital que, a princípio, pode parecer aleatório, mas a revisão de todas as peças (e ler a história em quadrinho) pode sugerir uma interpretação diferente, que toda a narrativa está na mente deste senhor, mostrando o filme como uma jornada interna, a Linha B seria o que ele desejaria ter feito quando sua esposa estava doente, e a Linha C seria uma representação do que o aguarda após a morte. A aliança é outro elemento que liga os três personagens, Tom Creo a perde quando se recusa a passar um tempo com Izzi, após a morte dela, ele tatua uma aliança em seu dedo para manter sua esposa sempre com ele. Para Tomas, a aliança é a esperança de concretizar seu amor pela Rainha Isabel e também a perde quando é tomado pela ganância, e só é encontrada quando Tom do Futuro “alcança o sublime” e aceita a morte. E os olhos mais atentos perceberão mais uma pista no vestido da Rainha Isabel, na cabeceira da cama que Izzi dorme, e na colcha que ela cobre, todos têm o desenho de uma árvore.
Além destas pistas, outras que podem ajudar na compreensão do filme são os simbolismos visuais que, em minha opinião, enriquecem a obra de Aronofsky, tais como: um plano da boca de Hugh Jackman comendo uma raiz como se estivesse recebendo a hóstia, uma metáfora da vida eterna de Jesus Cristo, que sacrificou sua própria vida pelo bem da humanidade; a textura da seiva que sai da árvore, que lembra o sêmen, que representa a criação da vida, além disso, Aronofsky utiliza formas geométricas como temas recorrentes separando cada linha dramática, o passado com formas triangulares, o presente quadrado, e o futuro circular.
Apontei para você, leitor, onde procurar as peças principais, porém, o quebra-cabeça montado ainda pode parecer confuso. “Afinal, o que aconteceu neste final?” então vou ajudá-lo a enxergar do meu ponto de vista. Bem, já conhecemos o tema principal do filme, conhecemos a lenda maia da continuidade da vida, sabemos que as histórias no filme são cíclicas, passado, presente e futuro estão ligados, basta solucionar a equação:
Caminho para o sublime + Sacrifício = Criação de vida.
E lembre também da história maia, no qual o primeiro pai se sacrificou pela criação do mundo.
Em conclusão, Darren Aronofsky criou um filme extremamente bonito, visualmente e narrativamente, incrivelmente rico em simbolismos, e que aborda um tema capaz de gerar uma boa discussão, por isso sugiro que assista acompanhado. A interpretação do filme é um reflexo da crença do espectador, no divino ou no científico, ou numa junção dos dois.
Confira o trailer: