Tendo como principal expoente o escritor H.P. Lovecraft, o horror cósmico foi originalmente um gênero literário que surgiu a partir de uma mistura de terror e ficção científica influenciado pelo boom tecnológico do final do século XIX (saiba mais a respeito lendo a primeira parte desse texto, clicando aqui).

Um dos inventos do período foi justamente o cinema que trabalha com imagens e não com texto, como na literatura. Visto que os contos de Lovecraft não descreviam perfeitamente as criaturas, mas focava mais nas reações dos personagens a estas, como fazer com que isso funcione visualmente? Não é fácil, mas a seguir, listamos algumas obras cinematográficas que deram certo e traçar algumas possibilidades que as fizeram funcionar.

MONSTROS GOSMENTOS EM ENIGMA DE OUTRO MUNDO (1982)

Grupo de pesquisa encontra algo no mínimo estranho na Antártida em Enigma de Outro Mundo (1982).

A grande filosofia do horror cósmico é a ideia de que, nós humanos, somos insignificantes diante da grandeza e poder do universo. Sendo assim, muitas produções apostam em criaturas das mais gosmentas e aparentemente sem muita lógica, para mostrar que não na verdade, não sabemos de nada.

Dirigido por John Carpenter, também responsável por outros clássicos do horror como Halloween – A Noite do Terror (1978), Enigma de Outro Mundo (1982) é considerado um dos melhores exemplos de horror cósmico e está repleto de criaturas gosmentas. Na produção, um grupo de pesquisa estadunidense acampado na Antártica é atormentado por uma espécie alienígena que faz cópias exatas de humanos e toma o lugar deste sem que os demais percebam. Ao ser descoberto, a espécie toma formas das mais estranhas possíveis e causam o terror no local.

A produção não é uma adaptação direta de nenhum conto de Lovecraft, porém ela traz os principais conceitos de seu trabalho. Uma criatura vinda do espaço que tem habilidades que nenhum ser humano teria e que foge a qualquer explicação racional. Além disso, não há uma forma segura de detectar quem seja o impostor ou qual é a real forma da criatura, visto que ela se manifesta por meio de uma mistura de partes humanas, de crustáceos e insetos.

A criatura é descoberta e se transforma numa forma horripilante em Enigma de Outro Mundo (1982).

O grande “charme” do filme, para além dessa filosofia cósmica, está nos efeitos visuais. Devido à época do lançamento do filme, os efeitos de computação gráfica ainda eram muito precários e a maioria utilizava efeitos práticos. Basta lembrar que é na década de 1980, período que Enigma de Outro Mundo foi lançado, é que  foi o auge de produções como A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13, que utilizavam os mesmos recursos para construir pesadelos ou braços sendo atingidos por facões. No caso da produção de Carpenter, o recurso “dava vida” a criaturas distorcidas, misturadas e peles elásticas que davam o tom do filme. Eram elas que davam a nós espectadores e aos personagens o ponto de virada de estar diante de algo que era muito maior do que poderíamos compreender.

Em 2011 foi lançado A Coisa (The Thing, que seria também o título em inglês do original), que tem cara de remake, mas conta os acontecimentos anteriores ao primeiro. Nele assistimos aos acontecimentos do primeiro acampamento de pesquisa que teve contato com os alienígenas. A equipe descobre uma nave gigante enterrada debaixo do gelo e acaba despertando a coisa. Produção interessante, mas perde muito da tensão que o original tinha que era mais voltado para a ideia de lidar com algo muito maior que a compreensão humana e que o inimigo poderia ser qualquer um. Como ficaram mais acessíveis e evoluídos os efeitos visuais, é utilizado uma quantidade considerável de computação gráfica o que deixa o filme um pouco artificial.

 

O MONSTRO É UMA SENSAÇÃO EM O FAROL (2019)

Robert Pattinson e Willem Dafoe em O Farol (2019)

As criaturas mais diversas, principalmente com características marinhas, são constantes nas produções de horror cósmico. Entretanto, algumas trabalham menos com elas e buscam focar mais em alegorias. Um bom exemplo é O Farol (2019), uma produção super recente de um dos novos diretores queridinhos dos amantes do horror (inclusive eu), Robert Eggers. Diretor que ganhou visibilidade com o lançamento de A Bruxa (2015).

A produção é uma mistura de referências. Para além dos elementos do horror cósmico, O Farol também foi influenciado por um conto não terminado de Edgar Allan Poe, que foi uma das influências do próprio Lovecraft, chamado The Lighthouse. Além de uma tragédia real ocorrida em 1777 no Reino Unido em que uma dupla de faroleiros, ambos chamados Thomas, ficaram ilhados em um farol devido às fortes tempestades. Após o mais velho morrer em um acidente, o mais novo guarda o corpo em um caixão improvisado ao invés de jogar no mar, com medo de ser responsabilizado pela morte. Os fortes ventos fizeram com que o caixão fosse destruído e que o braço do defunto balançasse como se estivesse acenando. Depois disso, os faroleiros deixaram de ser duplas e se tornaram trios.

Sereias e seres marinhos fazem parte do universo de O Farol (2019)

Filmado no formato 4×3 (aquela tela quadrada) e em preto e branco, O Farol remete muito às produções do primeiro cinema. Os efeitos visuais, inclusive, remetem à uma “precariedade” do período, claramente intencional para parecer como se revisitarmos a alguma gravação da época. No filme, o zelador Ephraim Winslow (Robert Pattinson) vai trabalhar em uma ilha como ajudante do faroleiro Thomas Wake (Willem Dafoe) que é cheio das tais “histórias de pescador” envolvendo os perigos mais antigos da terra. O isolamento, misturado com álcool e a busca por saber se os contos do seu chefe são reais, fazem com que o zelador chegue bem próximo de seu limite.

A produção aqui, cheia de sereias, seres com tentáculos de polvo e diversos seres marinhos, fala muito sobre o universo masculino (o farol nada mais é do que um falo gigante). Além disso, o filme ainda brinca com a sanidade dos personagens e com a nossa, distorcendo fatos, a realidade e o tempo. A primeira vez que assisti a esse filme em um determinado momento ficava me perguntando se estava seguindo o fio da meada. Será que perdi alguma coisa no caminho? Algo bem próximo ao que Lovecraft fazia nos aproximando não da figura do monstro, mas das reações dos personagens a esse.

Para além desses dois exemplos, existem outros filmes interessantes que misturam diversos elementos citados aqui. Seres gosmentos e formados com partes de animais marinhos, um medo do desconhecido e a loucura estão em diversos títulos de horror cósmico. No texto seguinte , listamos algumas produções de horror cósmico que, junto com Enigma de Outro Mundo e O Farol, valem fazer uma maratona horripilante.

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