Por Rafael Ferreira
Quando o assunto é filmes de terror recentes, um nome não pode faltar na conversa: A Bruxa de Blair (1999). Responsável por popularizar o subgênero “found footage” – uma espécie de falso documentário onde os protagonistas filmam/são filmados enquanto testemunham acontecimentos surpreendentes, por vezes sobrenaturais. Não é spoiler dizer que nesses filmes os personagens morrem e deixam apenas as filmagens como “prova” do que aconteceu, pois todos os filmes são assim, uma característica que desmotiva a assistir outros filmes do subgênero como Atividade Paranormal (2007), que já até perdi as contas de quantos são.
Pessoalmente, quando assisti A Bruxa de Blair aos 14 anos, passei quatro noites sem dormir, e isso nunca havia acontecido antes, nem mesmo quando assisti O Exorcista (1973) de madrugada, sozinho, aos sete anos. Com o sucesso do primeiro filme, o estúdio que o comprara para distribuição – Artisan – anunciou uma seqüência a ser lançada no ano seguinte, e o resultado não agradou aos fãs do seu antecessor, nem o público em geral, e freqüentemente é colocado na lista das piores seqüências. Dezesseis anos depois, outro estúdio – Lionsgate – anunciou numa Comic Con o trailer de um novo filme da franquia, ou talvez um reboot, aparentemente este foi feito pensando no público de hoje, que divide a atenção entre a tela do cinema e a tela do celular, que acha que um filme de terror é feito de jump scare, e acostumado ao final previsível clichê das crias que A Bruxa de Blair originou ao longo desses dezesseis anos.
O texto que segue é um estudo sobre o fenômeno que foi A Bruxa de Blair, e o seu sucessor, Bruxa de Blair 2, O Livro das Sombras (2000), que… apesar do que o público e a crítica achou na época do seu lançamento, será que é tão ruim assim?
Para quem acompanha o cinema de horror já deve ter percebido como este é marcado por certas fases, por vezes elas são reflexo do Zeitgeist, ou da própria sociedade. Um dos filmes de terror mais populares dos anos 90 era Pânico (1996), que intencionalmente apontava os clichês dos slasher movies enquanto os repetia. O sucesso deste foi tamanho que durante um tempo, a maioria os filmes de terror seguiam a mesma fórmula, chegando ao ponto de se tornar repetitivo, os poucos filmes que não seguiam esta tradição eram exceções à regra, A Bruxa de Blair foi um destes.
Antes de ser anunciado como um filme, rumores já circulavam. Nos anos 90, quando a internet ainda era bebê, a maioria dos sites hospedados eram relacionados à pornografia ou ao sobrenatural (uau! Nunca achei que fosse escrever as palavras “bebê”, “pornografia” e “sobrenatural” na mesma frase), de alguma forma você chegava ao site oficial (que não está mais ativo), e nele você encontrava um relatório completo sobre uma vila que de tempos em tempos era marcada por alguma tragédia devastadora.
Segundo o site, e viralizado pela internet, a cidade de Blair foi fundada em 1734, meio século depois uma senhora chamada Elly Kedward (chegada em Baltimore em 1769) aliciava crianças, algumas delas reportaram as ações de Kedward para seus pais, o que fez com que ela fosse banida da cidade durante um inverno rigoroso, ela foi vendada e amarrada a uma árvore para morrer. No ano seguinte, quase metade das crianças da vila desapareceram misteriosamente. Devastados e convencidos de que a culpa disto tudo fosse Kedward, os moradores abandonaram a cidade e a deixaram assim por 38 anos (1824), até ser povoada novamente e finalmente batizada Burkittsville.
No ano seguinte à fundação da cidade, houve um incidente envolvendo uma garota de 10 anos chamada Eileen Treacle, que brincava na água rasa do riacho Tappy East e se afogou, 12 testemunhas afirmam terem visto uma mão fantasmagórica puxá-la para dentro d’água. Tentativas de achar o corpo nas águas rasas foram frustradas, a água se tornara oleosa, impotável, e cheia de figuras de gravetos flutuando, até mesmo a pesca cessara na região. Novamente a culpa caiu sobre Elly Kedward.
Em 1886, uma garota chamada Robin Weaver avistou uma mulher flutuando na floresta, que a pegou pela mão e a levou para uma casa na floresta, deixou-a no porão e disse que voltaria. Após muitas horas, a garota conseguiu fugir de volta para a cidade por uma janela. Enquanto isso, a cidade havia organizado uma equipe de busca para procurá-la, eles desapareceram. Quando a equipe de busca não havia retornado, outra foi enviada para procurá-los, e acabaram encontrando-os com os rostos estripados no local que recebeu o apelido de Pedra do Caixão, as vítimas tinham símbolos pagãos marcados em seus corpos, e foram amarrados um ao outro formando um pentagrama. A equipe voltou à cidade para pedir ajuda, e ao voltar os corpos haviam desaparecido sem deixar vestígios.
Nos anos 1940, um eremita, Rustin Parr, foi responsável pelo desaparecimento de oito crianças. No tribunal ele disse que uma mulher fantasma o mandou matá-las. Uma criança conseguira escapar com vida, Kyle Brody testemunhou contra Parr, que foi condenado e enforcado em novembro de 1941. Revoltados, os moradores foram à casa de Parr e a derrubaram.
E, por último, nesta linha do tempo estão os eventos que desencadearam o filme com informações a respeito do desaparecimento dos três estudantes de cinema.
Com esta divulgação dos eventos, a polêmica estava lançada, todos estavam curiosos para acompanhar as últimas horas da vida dos três estudantes de cinema, Heather Donahue (diretora), Joshua Leonard (cinegrafista), e Mike Williams (técnico de som), que juntos pretendiam filmar um documentário sobre a lendária bruxa. As opiniões foram divididas, algumas pessoas não conseguiram assistir ao filme por terem cinetose (sentir náusea com o movimento errático da câmera), outras simplesmente achavam que “não acontece nada! Não dá pra ver nada!”, e outras simplesmente se borraram de medo. Para este grupo, a “câmera na mão” conferia veracidade, uma vez que o amadorismo, o balançar da câmera, a péssima qualidade de vídeo, eram exclusivos dos filmes caseiros que um amigo fazia no quintal de casa, e até então estavam disponíveis apenas em VHS por meios alternativos, jamais numa sala de cinema, era como se estivéssemos assistindo às filmagens de alguns amigos de um amigo meu, e que por algum motivo se perderam na floresta, e isso se comprovava pelo fato de serem rostos desconhecidos. Acreditando se tratar de um caso real, sua imersão era inevitável, estávamos suscetíveis às reações das três pessoas que víamos na tela, ríamos das bobeirinhas que eles faziam e diziam, sentíamos medo quando eles sentiam, ficávamos tensos quando algo dava errado, devo dizer que assistir A Bruxa de Blair antes da era digital, e do boom dos filmes found footage foi uma experiência inigualável.
Outro elemento que contribui para a imersão é o uso da câmera subjetiva – vários filmes de terror utilizam este elemento, Tubarão (1975) nos dá o ponto de vista do tubarão assassino, Sexta-Feira 13 (1980) nos mostra o que o assassino vê – o que nos coloca na pele de quem estiver filmando, é agonizante ouvir um ruído estranho, querer se virar para ver o que é, mas não poder, e mais assustador ainda é entrar naquela casa ao terceiro ato do filme, vários de nós se recusariam, mas Mike e Heather entram, e nos forçam a entrar com eles, e o terror é ainda maior quando Heather desce as escadas, pois uma parte de nós quer saber o que há lá em baixo, e outra parte quer sair de lá o mais rápido possível.
A gravação do documentário começa muito bem, algumas entrevistas nos informam o que precisamos saber de antemão, antes de adentrarmos na floresta de Black Hills. Alguns entrevistados acreditam, outros não, alguns contam as coisas estranhas que testemunharam, temos um presságio ruim quando uma criança espontaneamente sente aversão ao ouvir a mãe falar sobre a bruxa, outros entrevistados relembram o caso do Rustin Parr, antecipando o que acontece com um dos jovens cineastas ao final do filme. Até mesmo as passagens no cemitério de Burkittsville e na Pedra do Caixão mostram o caráter sério do filme que pretendiam fazer ao mesmo tempo que nos informam sobre os incidentes ocorridos, até este ponto sem chegar a nenhuma conclusão a respeito da bruxa, quem acredita continuará acreditando, e quem não acredita ainda não mudará de opinião.
A estranheza começa quando os jovens cineastas chegam a um suposto cemitério, mas não um cemitério comum, os túmulos são representados por montes de pedra espalhadas pelo chão, e até mesmo em cima de uma árvore. Enquanto Heather conta o número de túmulos, um total de sete, me vem à cabeça que este é o mesmo número de vítimas que Rustin Parr fizera. Coincidência? Neste momento, Heather se lembra de algo que uma das entrevistadas falou off camera, “algo sobre Esaú e um monte de pedras”, o que poderia ser? Bem, existem três possibilidades:
Gênesis 31: 45 Assim, Jacó pegou uma pedra e a colocou de pé como coluna. 46 Jacó disse então aos seus irmãos: “Apanhem pedras!” E eles apanharam pedras e as amontoaram. Depois comeram ali sobre o monte de pedras. 47 Labão o chamou de Jegar-Saaduta, mas Jacó o chamou de Galeede. 48 Então Labão disse: “Este monte de pedras é hoje testemunha entre mim e você.” É por isso que foi chamado de Galeede 49 e de Torre de Vigia, pois ele disse: “Que Jeová vigie a mim e a você quando estivermos fora da vista um do outro. 50 Se você maltratar as minhas filhas e começar a tomar esposas além das minhas filhas, mesmo que não haja ninguém que veja isso, lembre-se de que Deus será testemunha entre mim e você.” 51 Labão disse ainda a Jacó: “Aqui está o monte de pedras, e aqui está a coluna que erigi entre mim e você. 52 Este monte de pedras é testemunha, e a coluna é algo que dá testemunho, de que eu não passarei deste monte de pedras para prejudicar você e de que você não passará deste monte de pedras e desta coluna para me prejudicar.
Ou pode ser:
Ecclesiastes 10:9 Quem extrai pedras, com elas pode se ferir, e quem racha toras se expõe ao perigo.
Ou pode ser:
Ezequiel 25:17 O caminho do justo está cercado por todos os lados pelas iniqüidades dos egoístas e…
Brincadeirinha de cinéfilo. Voltemos a falar de A Bruxa de Blair. As pedras então funcionam como um alerta para o trio, por isso que após voltarem ao cemitério à noite e acidentalmente derrubarem uma pedra, eles atravessam o primeiro limiar, a partir de agora, as coisas ficam cada vez piores. Elas simbolizam a morte das sete crianças mortas por Rustin Parr sob influência da bruxa, segundo a história do site, vale lembrar que as três pilhas de pedras que aparecem do lado de fora da barraca assim que eles acordam antecipam a morte dos três.
Outra coisa estranha e intrigante no filme são os bonequinhos de gravetos, que como Mike diz “não pode ser coisa de caipira. Caipira nenhum é tão criativo assim”. Mas o que são essas coisas? Bem, eu diria que cada um daqueles bonecos representa o espírito de alguém morto pela bruxa, talvez preso naquele boneco. Se não for isso, talvez seja um alerta, afinal eles estão em toda parte, sempre que vejo este filme vejo um boneco que não tinha reparado antes, por falar nisso, algo que passa despercebido aos espectadores menos atentos é o fato de que Heather pega um destes bonequinhos para si, não a vemos fazer isso, mas Josh menciona enquanto dá o seu discurso de motivação: “Ela deixou algumas coisinhas, você pegou uma, ela correu atrás da gente. Não tem ninguém aqui pra te ajudar!”
E por falar em “deixar algumas coisinhas”, o que poderia ser a gosma que Josh encontra nas suas coisas após passar a noite fora da barraca, fugindo do que parece ser um monte de crianças? Num caso anterior aos eventos do filme, o afogamento de Eileen Treacle, o rio ficou impotável por causa de uma substância oleosa, possivelmente a mesma que estava nas coisas de Josh. O fato de que essa substância está apenas na sua mochila, pode significar que ele foi “tocado pela bruxa”, não é à toa que é o próprio quem desaparece no meio da noite. Bem, não fica claro se Josh saiu por conta própria, ou foi levado, mas seja qual for a versão que você escolher, não muda o fato de que ele está em perigo, pois no dia seguinte Heather encontra um pacote contendo os dentes do rapaz. Como eu sei que são dele? Porque os mesmos estão embrulhados num pano xadrez da camisa de Josh, a mesma camisa pode ser vista dentro da misteriosa casa.
Esta casa não é apenas misteriosa por ser uma casa abandonada no meio da floresta, ela pertencia a Rustin Parr, o assassino de criança nos anos 1940, mencionado nas entrevistas com o povo de Burkittsville, o estranho sobre este fato é que a casa permanece “intacta”, quando segundo o site, ou o documentário usado para promover este filme, ela fora derrubada pela multidão revoltada na época do incidente. A estranheza da casa está também no seu interior, várias marcas de mãos nas paredes, feitas por crianças, símbolos pagãos, e o porão… – o final de A Bruxa de Blair divide opiniões, há quem ache horrível e anticlimático, e há quem ache um final coeso – afinal, quem ou o quê mata Heather e Mike no porão? E o que Mike está fazendo no canto? Bem, a resposta para a primeira pergunta está aberta para a imaginação de cada um, pode ser Josh possuído pela Bruxa, pode ser a própria Bruxa, pode ser o fantasma de Rustin Parr, pode ser Mary Brown, o que eu acho improvável. Mike está no canto da parede recriando a forma que Rustin Parr matava as crianças. Isto é o suficiente para sabermos que Heather irá morrer primeiro, e logo em seguida será a vez de Mike.
Segundo o canal How It Should Have Ended, este é o final que deveria ser:
Para a minha geração, o que está no filme é o melhor final possível. Mas afinal, o filme é real? Foi vendido dessa forma. E se for… pense em como deve ser terrível para os pais desses três jovens ter os últimos dias da vida de seus filhos exibidas no cinema, e alguém lucrando com isso. Para os que acreditavam, descobrir que tudo isso não passava de uma farsa foi o equivalente a uma criança descobrir que Papai Noel não existe (pelo menos não na Flórida, caso tenha alguma criança lendo). A Bruxa de Blair foi exibido em Sundance, o melhor festival para se exibir um filme independente, pois os investidores estão atentos às novidades, e nesta ocasião os executivos da Artisan compraram o filme para distribuí-lo por US$ 1.1 milhão, foi a partir daí que a campanha de marketing tomou forma, o site (que já existia) foi remodelado e acrescentado mais informações sobre o desaparecimento dos três estudantes de cinema, até mesmo na TV, para que realmente acreditássemos que se tratava de um fato real. E é neste ponto que o público médio (eu, por exemplo) soube a respeito de A Bruxa de Blair, através de uma brilhante campanha de marketing, possivelmente o primeiro filme a usar bem a internet como ferramenta para divulgação.
A Bruxa de Blair revolucionou não apenas a forma de divulgar o filme, mas também a forma de fazer. Até então, a produção de filmes era algo restrita aos privilegiados e aos poucos que arriscavam tudo, hoje em dia para se fazer um filme de terror não é preciso um orçamento bilionário, ou um elenco estelar, apenas a sua criatividade, pessoas dispostas, um cenário, um enredo, e uma câmera simples (pode ser de celular, existem festivais apenas voltados para esta mídia), nem é preciso saber enquadrar bem, A Bruxa de Blair é prova disso. Todos esses fatores influenciaram a geração seguinte de cineastas, difundindo o subgênero dos filmes found footage. Para animar ainda mais aos que têm interesse em seguir este caminho, este filme custou uma bagatela de US$ 60.000 e rendeu US$ 248.639.099 no mundo todo, e uma curiosidade: para não aumentar os custos, uma das câmeras compradas para que Josh e Heather levassem para a floresta, foi devolvida depois do fim das filmagens, a produção foi reembolsada, e a outra câmera vendida no eBay, portanto a regra é “espremer cada centavo”.
O filme em questão sacudiu o público de tal forma que muitos fãs estavam tão convictos de que era real, e que a Bruxa de Blair realmente existia, que eles mandavam cartas de condolências aos pais dos três jovens, e lotavam a cidade de Burkittsville, na busca por uma resposta, ou na esperança de ver algo surpreendente, ou mesmo fazer o seu próprio filme caseiro, exatamente como mostra na introdução de Bruxa de Blair 2, O Livro das Sombras (2000), mas antes de entramos neste assunto, é preciso citar outras coisas que levavam o nome “Bruxa de Blair”. O sucesso de algo assim está longe de ficar restrito apenas a este filme, então não é de se surpreender que fossem feitos vídeo games baseados neste material, livros (fan fiction), e… o mais absurdo de todos, uma action figure desenvolvida pela McFarlane Toys (de Todd McFarlane, criador do personagem Spawn) – WTF… como… por quê? – Sobre os games, vale a pena falar um pouco sobre eles.
Existem três games: Blair Witch Volume 1: Rustin Parr; Blair Witch Volume 2: The Legend of Coffin Rock; Blair Witch Volume 3: The Elly Kedward Tale. Todos lançados entre outubro e novembro de 2000, para PC. Destes, eu joguei apenas o primeiro volume, que na verdade é um crossover entre o universo da Bruxa de Blair com o game Nocturne (que nem era tão popular), os personagens são praticamente os mesmos, o Stranger e a Svetlana fazem uma aparição logo no início, mas a protagonista deste é Elpeth Holliday, que investiga o caso de Rustin Parr, ela encontra com vários personagens do universo de Bruxa de Blair – como Robin Weaver (a menina que foi levada para a casa da bruxa, e fez com que a equipe de busca desaparecesse), Kyle Brody (o único sobrevivente de Rustin Parr), Mary Brown (a mulher estranha que é entrevistada no filme, no game ela é uma garotinha), e Dale Cooper (ops, este personagem é de Twin Peaks, mas ele faz uma aparição neste game, numa lanchonete, dizendo “This must be where pies go when they die”) – e ambientes deste universo – a floresta, a Pedra do Caixão, e a casa de Rustin Parr, que por sinal é idêntica à casa do filme, até mesmo em seu interior, a propósito, uma anomalia no tempo até nos permite presenciar a morte de Heather e Mike no porão. A atmosfera do jogo é eficiente para um game de terror, andar pela floresta realmente te dá um calafrio na espinha, especialmente quando vemos as folhas se levantando e algo invisível vindo em nossa direção; em determinado ponto do jogo, Elspeth se perde na floresta e o mapa se torna inútil.
Pessoalmente, o momento mais marcante do jogo acontece logo na segunda noite, no quarto da pousada, enquanto a personagem se prepara para dormir, a porta do banheiro se fecha e começa a bater, como se uma criatura estivesse presa lá dentro e querendo sair. Ao abrir a porta, a criatura escapa, Elspeth vai atrás, no meio da noite, e para a sua surpresa todos na cidade se tornaram zumbis, e o que vem pela frente é puro survival horror em cenários escuros. Como controlamos uma investigadora, o game te dá esta oportunidade de explorar algumas coisas que no filme são apenas apresentadas, como os bonequinhos de gravetos, que no jogo têm uma explicação (funcionam como um portal), e num certo momento temos de decifrar uma mensagem no alfabeto pagão, os mesmos símbolos que vemos na casa de Rustin Parr durante o filme. Infelizmente o jogo falha ao tentar explicar o fenômeno da Bruxa de Blair, e a sua explicação é tão tosca que merece ser ignorada pelos fãs. Segundo o jogo, Elly Kedward (a bruxa original) foi possuída por um espírito indígena chamado Hec-aitomix, e até Kyle Brody foi “possuído” por este espírito e influenciado Rustin Parr a matar as outras crianças. Concluindo, recomendo o jogo apenas pela sua atmosfera sombria, mas não o encare como algo relacionado à Bruxa de Blair.
Se você procura uma boa paródia de A Bruxa de Blair, que tenha ou não alguma coisa a ver com o filme, e que não seja uma versão pornográfica (sim, isso existe), eu recomendo The Blair Thumb, um daqueles vídeos-paródia criados por Steve Oedekerk (de Kung Pow – O Mestre da Kung-Fu-São).
Agora entramos em solo lamacento ao falarmos de A Bruxa de Blair 2 – O Livro das Sombras, um filme tão mal falado e tão criticado. Neste filme, um grupo de cinco pessoas faz um tour pelas locações do filme anterior, guiadas por um empreendedor local. Eles acampam nas ruínas da casa de Rustin Parr, e ao acordarem na manhã seguinte, eles encontram os equipamentos de filmagens e relatórios completamente destruídos, além de um aborto de uma das integrantes do grupo. Enquanto investigam o que realmente houve na noite anterior, o grupo é acusado de um crime macabro e é impedido de deixar o condado. A partir de então, só lhes resta levar a investigação até o fim.
Enquanto os diretores do filme anterior, Eduardo Sanchez e Daniel Myrick, dedicavam-se a outros projetos, Artisan não queria perder o hype e já estava preparando uma seqüência, já tinham três roteiros em mãos e alguns possíveis candidatos à direção, um deles era Joe Berlinger – diretor de ótimos documentários como O Paraíso Perdido: Assassinatos de Crianças em Robin Hood Hill (1996), e os outros dois documentários dando continuidade a este caso, e Metallica: Some Kind of Monster (2004) – que não achou que os roteiros eram bons o suficiente. O estúdio lhe deu permissão para escrever um novo roteiro, e como as filmagens começariam logo, Berlinger teve apenas 5 semanas para escrever um novo, sua proposta era fugir do gimmick de falso documentário, pois o mesmo não funcionaria tão bem quanto o seu antecessor (irônico), o resultado foi um filme com um comentário social sobre como a mídia pode mudar a nossa percepção.
Novamente, os atores escolhidos eram desconhecidos, e usavam seus verdadeiros nomes, cada um representa um arquétipo da “realidade” e a sua reação com relação ao filme original. Erica (Erica Leerhsen) representa a comunidade Wicca, frustrada sobre como o filme retratou a bruxaria como algo maligno; Kim (Kim Director) representa a visão externa, alguém que tem alguma ligação com o ocultismo e cética sobre a veracidade do filme; Stephen (Stephen Barker Turner) e Tristen (Tristen Skyler) ambos representam os intelectuais, que gostam de debater a veracidade do filme, querem pesquisar tudo a respeito; e Jeff (Jeffrey Donovan), representando o empreendedor que visa lucrar com as circunstâncias.
Como disse anteriormente, A Bruxa de Blair foi um fenômeno que levou multidões à cidade de Burkittsville, e é exatamente desta forma que esta seqüência inicia, também de forma documental, apresentando os pontos de vista negativos (por parte de moradores, e da autoridade local), e os pontos de vista positivos (de quem toma proveito disso, não só o Jeff, mas também aquela senhora que vende pedras do próprio jardim) e, é claro, o ponto de vista dos turistas que só querem ter uma experiência. A meu ver, uma boa contextualização tanto espacial quanto temporal, além de apresentar o tema central do filme, a histeria coletiva.
Histeria coletiva ou histeria em massa é um distúrbio psicológico que se manifesta num grupo de pessoas – mais passíveis de acontecer em grupos fechados, como uma escola, igreja, hospital, etc. – ao mesmo tempo, onde todas têm uma queixa psíquica, que por sua vez as afetam de tal modo que passam a desenvolver sintomas físicos ou agir de forma histérica. Uma pessoa num restaurante diz estar sentindo cheiro de gás de cozinha, talvez por engano, automaticamente a pessoa na mesa ao lado também diz estar sentindo o mesmo cheiro, em seguida a pessoa na outra mesa desmaia, em poucos minutos o pânico toma conta, todos saem correndo, pessoas são pisoteadas, os paramédicos e bombeiros são chamados, mas no final das contas não havia absolutamente nada. Um dos casos mais famosos aconteceu em 30 de outubro de 1938, quando Orson Welles (diretor de Cidadão Kane) narrou a Guerra dos Mundos numa estação de rádio. Na ocasião, alguns ouvintes não sabiam que se tratava de uma obra de ficção, outros não acompanharam desde o início, acreditaram que aquilo se tratava de uma notícia verdadeira e que a Terra estava sendo invadida por seres de outro planeta. Outros dois exemplos disso que podemos relacionar à Bruxa de Blair são: o julgamento das bruxas de Salém e o bug do milênio, que se manifestou em 1999. Além desses, cito casos recentes: os palhaços assustadores, que surgiram a partir de um ensaio fotográfico na Inglaterra; e o Slenderman, que surgiu a partir de um concurso de Photoshop. O que me surpreende é o fato de que Hollywood ainda não tenha explorado sua imagem. Tudo isto foi dito para mostrar o poder da sugestão, principalmente quando é difundida pelos meios de comunicação de massa, tão poderoso que pode ser tão eficiente quanto a realidade e tão contagiosa como uma gripe.
“Vídeo não mente, mas o filme sim”, diz Jeff colocando o seu antecessor como algo falso, conferindo a verdade apenas para o vídeo. É neste, ou melhor, nas fitas de vídeo recuperadas nos escombros da fundação da casa de Rustin Parr, que o grupo encontrará a verdade sobre o que acontecera na noite anterior, da qual não se lembram de absolutamente nada. Enquanto assistem e montam o quebra-cabeça, questões são levantadas: estariam eles sofrendo de histeria coletiva, ou a Bruxa de Blair é real e possuiu Tristen para levá-los à discórdia?
Joe Berlinger apenas levanta a questão sobre a existência da bruxa em seu roteiro, uma questão que deveria ficar aberta a interpretações, cabendo ao público decidir, porém, o estúdio Artisan achou que não era isto o que o público gostaria de ver e propôs uma série de mudanças no filme, o diretor foi forçado a filmar cenas adicionais para agradar o estúdio. As cenas de Jeff no manicômio foram impostas pelo estúdio, que achava que o filme precisava ter um vilão físico, alguém que o público pudesse dirigir o seu ódio, alguém para levar a culpa pelo que acontece com o grupo.
O filme teria um início bem mais leve, como no original, os créditos iniciais deveriam vir acompanhados da música “Witchcraft” de Frank Sinatra, mas o estúdio achou que “Disposable Teens” do Marilyn Manson tinha mais apelo com os jovens; a linha narrativa deveria ser linear, e não em flashback. As cenas de interrogatório que aparecem logo no início e durante o filme já revelam um pouco do final, já sabemos de antemão que Jeff, Stephen e Kim serão presos, interrogados e irão sobreviver, um bom exemplo de montagem problemática. Assim como as cenas de interrogatório, durante a introdução também vemos flashes de cenas de assassinato, cenas de violência gratuita e sem propósito, que não têm relação com nada, até mesmo porque não foi apresentado nada nos primeiros cinco minutos para que possamos fazer qualquer associação.
O filme que Berlinger queria fazer seria menos violento, tudo o que envolve o assassinato dos turistas que vieram de Berlin e China, incluindo a acusação dos protagonistas, foi imposto ao diretor; Berlinger teve muitas desavenças com o estúdio pela montagem, ele chegou a brigar para que uma das cenas não fosse cortada, quando Tristen é levada de maca pelo hospital, seu ventre sangrando é posicionado no centro do enquadramento, o estúdio considerou esta imagem muito gráfica, o que não é nada comparado às cenas do assassinato dos turistas de Berlin que foram impostas ao diretor. O final clichê, confuso, e anticlimático também é de responsabilidade do estúdio, acreditando ser o que o público queria ver, Berlinger terminaria o filme antes, sem as cenas do interrogatório. Outra mudança do estúdio, à qual não há justificativa é o subtítulo “O Livro das Sombras”, em que momento do filme tal livro é mencionado?
Pode não parecer, mas houve uma boa intenção do diretor ao fazer este filme, tanto que ele utilizou várias referências a verdadeiros clássicos do gênero: Erica dançando nua em volta de uma árvore é uma homenagem ao filme Uma Noite Alucinante 2 (1981); Kim comendo uma coruja morta homenageia A Noite dos Mortos-Vivos (1968); os cães fazem referência ao filme A Profecia (1976); e as fitas sendo reproduzidas de trás para frente é algo tirado de O Exorcista (1973). Todas estas referências servem para mostrar o quanto o grupo é obcecado e possivelmente manipulado pela mídia, como se parte da sua experiência de delírio fossem trechos de filmes de terror clássicos.
Por falar em fazer referências a filmes de terror, muitos fãs se queixaram de que Bruxa de Blair 2 não tem nenhuma ligação com o original ou com o universo da Bruxa de Blair, ao que eu discordo, estas ligações estão apenas mais sutis: ambos filmes começam com entrevistas; em ambos o grupo vai até a floresta para “investigar” ou “documentar” a Bruxa de Blair; algumas locações são as mesmas, como a cidade de Burkittsville, a floresta de Black Hills, e a casa de Rustin Parr, que desta vez está como deveria estar, em ruínas; bonequinhos de graveto por todo lado, assim como no anterior, sempre que vejo este filme, encontro um que não havia reparado anteriormente; Eileen Treacle, a garota que aparece para Tristen no hospital, a quem pertence o túmulo onde Kim se deita para esperar por Jeff, é a menina que foi puxada para dentro d’água por uma mão fantasmagórica; as sete crianças que Rustin Parr matara; o próprio Rustin Parr aparece neste filme, quando Kim sai para buscar cerveja e café na mercearia, ela esbarra num homem consertando um refrigerador, ele diz “eu acabei”, e no momento seguinte já não está mais lá. Além disso, as chaves de fenda ao seu lado estão posicionadas como os icônicos bonequinhos de graveto; Erica encarando o canto como Mike ou as crianças que Rustin Parr matara; e por último, Tristen olha diretamente para a câmera, recriando a icônica cena de Heather se despedindo.
Em conclusão, a intenção do diretor era criar algo diferente do filme anterior, uma parábola sobre os perigos de se cruzar a linha entre ficção e realidade, um tema que está sempre em voga, principalmente na época atual, em que as pessoas acreditam em tudo (ou quase tudo) o que vêem ou lêem, por mais amador que seja, vide diversos vídeos no Youtube, – hoje em dia existem diversos canais no próprio Youtube dedicados a desvendar a veracidade dos vídeos compartilhados na internet – como sociedade, somos vulneráveis a manipulações. Eu admiro a ousadia do diretor Joe Berlinger ao arriscar de verdade e tentar fazer algo completamente diferente, enquanto todos esperavam algo “mais do mesmo”, que é exatamente o que temos atualmente, principalmente com o lançamento de Bruxa de Blair (2016), e centenas de outros filmes found footage que seguem a fórmula criada por A Bruxa de Blair (1999). Eu espero que algum dia seja lançada a versão do diretor de Bruxa de Blair 2 em vídeo, mas mesmo com todos esses problemas, ainda o recomendo, não pelo que ele é, mas pelo que ele poderia ser.
Como um apreciador do gênero desde a infância, torço por um “renascimento” “retorno” ou “vingança” deste. Uma nova vertente que poderia ser explorada para que saiamos da fase do found footage são os dramas de horror, tais como Trabalhar Cansa (2011), O Babadook (2014), e A Bruxa (2016), mas infelizmente não estou tão otimista, e creio que veremos mais remakes e found footage pelos próximos anos.
A Bruxa de Blair é um daqueles filmes que vale a pena ter na sua coleção, um retrato do seu tempo, um dos melhores filmes de terror que já assisti, por deixar o público imerso e se sentir na pele dos protagonistas. Outras recomendações que faço são: Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos (1922); Holocausto Canibal (1980) – este é considerado o precursor do subgênero found footage; O Paraíso Perdido: Assassinatos de Crianças em Robin Hood Hill (1996); A Bruxa (2016); The Last Broadcast (1998) – este também é um found footage, lançado um ano antes de A Bruxa de Blair, mas não teve o mesmo impacto.