Por Katia Kreutz
O amadurecimento de um garoto por meio de descobertas musicais não é novidade no cinema (vide Quase Famosos). Para o diretor irlandês John Carney, essa também não é a primeira vez que o protagonista de seu filme é um compositor lutando por seu lugar ao sol. Tanto em Apenas Uma Vez (2007), quanto em Mesmo Se Nada Der Certo (2013), Carney explorou temas como as dificuldades da criação artística e a busca, na música, por inspiração para a vida.
No caso de Sing Street: Música e Sonho (2016), o cineasta se inspirou em sua própria adolescência em Dublin, por volta de 1985. Em uma espécie de fábula colorida e musical, os subúrbios da capital irlandesa ganham vida e uma boa dose de magia. O jovem Conor (o ótimo novato Ferdia Walsh-Peelo) é quase um alter-ego do diretor, um poeta romântico fadado a viver em uma realidade dura.
A história começa quando os pais de Conor (interpretados por Aiden Gillen, de Game of Thrones, e Maria Doyle Kennedy, de Orphan Black), tentam contornar a crise familiar e os problemas financeiros transferindo o adolescente de uma escola privada para uma pública. Nesse novo ambiente, não muito amigável, ele tem dificuldades para se adaptar à rigidez da educação católica e também sofre bullying. Em meio a tudo isso, apaixonado por uma garota mais velha, a aspirante a modelo Raphina (Lucy Boynton), Conor decide impressioná-la montando uma banda.
Nasce então Sing Street. Fazem parte do inusitado grupinho o “empresário” Darren (Ben Carolan), o tecladista Ngig (Percy Chamburuka) e o versátil músico Eamon (Mark McKenna), que ajuda a transformar as letras de Conor em composições. Com alguns instrumentos, uma câmera amadora, um pouco de maquiagem e roupas extravagantes, os garotos gravam seu primeiro clipe em um beco de Dublin.
Com a ajuda do irmão mais velho, Brendan (Jack Reynor), Conor descobre o que há de melhor no cenário musical da época e se anima a escrever suas próprias canções. Como vocalista da pequena banda de estilo “futurista”, tentando encontrar sua identidade, ele acaba imitando diversos dos artistas que o influenciam – passando pelo rock, pop e punk – até encontrar, eventualmente, sua voz. É uma jornada de autodescoberta típica da adolescência, com a qual é impossível não se identificar, já que todos já passamos (em algum momento) por essa complicada fase de adquirir confiança em nós mesmos.
A necessidade de buscar algo além do que o mundo oferece e correr atrás dos sonhos, mesmo que isso seja difícil, é recorrente em Sing Street. Um dos temas mais presentes no filme é exatamente a busca pela felicidade em meio à tristeza. Quando classifica o estilo da sua banda como de happy-sad (alegre-triste), Conor explica: “Quer dizer que eu estou nesse buraco de merda, cheio de idiotas e assediadores e valentões, mas vou lidar com isso, ok? A vida é simplesmente assim. Vou tentar aceitar e seguir em frente, e fazer arte.”
Em um período no qual a depressão econômica levou muitos irlandeses a migrarem para a Inglaterra, encontrar mágica e romance em uma realidade decadente só poderia mesmo ser alcançado por meio da música. E boas referências musicais não faltam nesse filme: The Cure, Spandau Ballet, Depeche Mode, Duran Duran, The Edge, Hall & Oates, The Jam. Mas a surpresa fica por conta da trilha sonora original, com faixas tão boas que é quase difícil acreditar que teriam sido criadas por um grupo de garotos. As composições, aliás, são do próprio diretor, em conjunto com o veterano músico escocês Gary Clark.
O sucesso ou não da banda acaba sendo menos importante do que a trajetória de amadurecimento pela qual passa o protagonista. Em uma das cenas mais belas do filme, Conor imagina a gravação de um videoclipe de uma maneira bem diferente do que acaba acontecendo na verdade, mas o cineasta prefere mostrar o que estava na imaginação do garoto, porque muitas vezes o sonho é muito mais real para o sonhador. O otimismo de Sing Street e sua busca por um raio de esperança em meio à tempestade faz com que esses jovens possam escapar de um mundo que não lhes dá muitas chances, mesmo que essa válvula de escape seja apenas durante os poucos minutos de uma canção pop. Enquanto eles estão tocando, podem ser os heróis que gostariam de se tornar.
Essa fantasia misturada à melancolia faz com que as músicas do filme continuem ecoando muito depois de a história terminar. Conor acaba entendendo que fazer arte é se arriscar a ser ridicularizado. No entanto, é um risco que vale a pena correr. Em sua descoberta do primeiro amor, mas também das primeiras decepções da vida adulta, ele aprende que a tristeza é justamente o que torna os momentos alegres ainda mais intensos.