Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, a juventude que tinha presenciado tantas atrocidades durante o conflito que queria criar um novo mundo e, em busca dele, começa a atuar na cultura mundial.  Na literatura, por exemplo, é lançado o livro O Apanhador no Campo de Centeio (1951), do escritor norte americano J. D. Salinger que mostra um jovem revoltado e muito boca suja, uma novidade para a sociedade da época que viu o livro até como perigoso. O livro teve reflexos em outras áreas e o clássico do cinema com James Dean, Juventude Transviada (1955), por exemplo, tem fortes inspirações na obra. Curiosamente, anos mais tarde, Mark Chapman, o assassino John Lennon, iria apontar O Apanhador no Campo de Centeio,como uma das razões para matar o ex-Beatle.

James Dean no poster de Juventude Transviada (1955), a figura do rebelde sem causa que iria ser influente para o rock e que iria se repetir através dos tempos.

Outro reflexo desse desejo de mudança da juventude foi a criação de um novo estilo musical. Da mistura do country, blues, do jazz e da música negra surge o Rock and Roll. Aliás, existe um grande debate sobre isso, pois, os primeiros grandes músicos eram negros e com o tempo houve certo embranquecimento do gênero e somente artistas brancos são lembrados como fundadores do estilo.

Ao longo da história, o estilo influenciou diversas vertentes da sociedade e da arte. Obviamente o audiovisual também estava nesse percurso e o videoclipe, que futuramente iria influenciar inclusive na forma de fazer filmes, foi um dos subprodutos do gênero. Para comemorar e ilustrar o Dia Mundial do Rock, listamos aqui videoclipes que foram influentes, cada um em sua época, e que ajudam a contar um pouco da história do estilo e sua relação com a história do cinema.

ELVIS PRESLEY – JAILHOUSE ROCK (1957)

Um dos grandes nomes do rock e um dos primeiros é sem dúvida Elvis Presley. O ex-caminhoneiro pegou todo mundo de surpresa ao aparecer rebolando na TV em uma sociedade ainda muito careta que teria mudanças significativas somente nas décadas seguintes com a revolução sexual, a contracultura e o movimento hippie na década de 1960. O cantor influenciaria, inclusive, um jovem aspirante a roqueiro chamado John Lennon a fazer seu próprio som. No cinema, esse momento foi mostrado numa cena do filme Forrest Gump – O Contador de Histórias (1994), em que a dança de Elvis tenha sido inspirada na forma de dançar de Forrest quando possuía um aparelho nas pernas. Mas a Sra. Gump não gostou muito do que viu na TV quando o músico se apresentou. Aliás, essa foi a reação geral.

Das diversas abordagens possíveis sobre o surgimento do videoclipe, a principal delas está atrelada também a Elvis Presley. Começando primeiramente com trechos de filmes da apresentação musical de Bill Haley & The Comets cantando Rock Around The Clock no filme Sementes da Violência (1955). Trechos dos filmes de Elvis também eram exibidos na televisão com performances do artista de algumas das suas músicas. Isso foi usado por outros artistas como o Chuck Berry e Little Richard que tinham performances musicais produzidas para a TV.

Um dos trechos mais famosos é o da canção Jailhouse Rock, do filme protagonizado por Elvis chamado O Prisioneiro do Rock (1957). O trecho é considerado como primeiro videoclipe da história e traz o próprio Elvis em uma performance na prisão. O filme é a segunda parte da chamada “trilogia rebelde” que retrata o músico como um jovem rebelde e transgressor.

 

BEATLES – HEY JUDE (1968)

No início da década de 1960 surge o grupo que ia mudar para sempre a história da música: os Beatles. Formado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, a banda se tornou uma febre mundial e iria ditar tendência nos anos seguintes. Desde o seu primeiro disco Please Please Me (1963) até o seu traumático fim com Let it Be (1970), o conjunto iria influenciar não só a indústria musical, mas na forma como nos relacionamos com os artistas e como ganhar dinheiro com música jovem. Não há uma pessoa que não conheça a capa de Abbey Road (1969) com os quatro atravessando a famosa rua britânica.

Em 1964 o conjunto lança o filme A Hard Day’s Night, que contava como era o dia-a-dia da banda mais famosa do momento. A produção foi responsável por criar uma linguagem que seria, de fato, as características permanentes do videoclipe: mescla de ficção e documentário, relação entre canção e edição, foto-montagem, etc. Além de ser uma peça chave na questão de marketing do conjunto. Até hoje as imagens de fãs enlouquecidas correndo atrás dos quatro pelas ruas é marcante. Nos anos seguintes o conjunto ainda iria lançar Help! (1965) uma paródia dos filmes de espionagem estilo James Bond; The Magical Mystery Tour (1967), considerado o único fracasso dos Beatles não foi muito bem recebido pelo público na época, apesar de trazer canções que até hoje são bastante conhecidas; Yellow Submarine (1969), uma animação psicodélica dos quatro viajando num submarino amarelo e Let it Be (1970), que documentava o fim do conjunto.

Seguindo tendências anteriores, diversos trechos desses filmes se tornaram videoclipes oficiais das músicas do conjunto. Junto a isso, existe a história de que eles eram requisitados para fazer apresentações em muitos lugares do país e do mundo. Como a agenda do grupo era disputadíssima, eles começaram a produzir vídeos deles cantando as suas músicas e distribuírem para emissoras ao redor do mundo. Surgia aí o conceito básico do videoclipe como peça comercial. Um dos vídeos mais famosos do conjunto é Hey Jude que foi gravado no mesmo dia que o da canção Revolution, em setembro de 1968.

 

QUEEN – BOHEMIAN RHAPSODY (1975)

Um dos marcos envolvendo o videoclipe como produto comercial, foi o lançamento do clipe Bohemian Rhapsody, da banda britânica Queen. Lançado em 1975, o vídeo foi executado repetidas vezes e fez com que o disco A Night at the Opera (1975) chegasse ao topo de vendas. Muito diferente do que ocorria até então, quando o principal motor de vendas eram as rádios.

Nesse momento, começa a ocorrer na TV britânica uma disputa entre dois programas televisivos o The Kenny Everett Vídeo Show e o Tops of the Pops, esse último tinha sido o responsável pelo lançamento do clipe do Queen, para quem iria exibir os próximos vídeos musicais de sucesso. Passou então a perceber a necessidade de se criar uma espécie de “FM Televisiva”, um canal que fosse especializado em música e na exibição de vídeos musicais. Foi aí, que surgiu a ideia de criar a Music Television, ou MTV que entraria no ar no dia 1º de agosto de 1981.

A partir daí, culminou de fato a ideia de que o clipe seria um produto capaz de divulgar o trabalho de determinado artista. No cinema, um dos primeiros exemplos a usar essa estratégia, foi o filme Flashdance (1983) em que o diretor Adrian Lyne fez um vídeo de 3 minutos, inspirado no seu novo longa metragem como peça de divulgação do mesmo. Foi aí que nasceu a ideia de promoção de um filme com a venda “casada” com um disco, livro, vídeo, etc.

No filme biográfico do Queen, Bohemian Rhapsody (2018), tem um trecho rápido que fala a respeito da influencia do clipe de Bohemian Rhapsody na criação da MTV. O clipe de I Want Break Free, foi banido da MTV norte americana e de outras emissoras por ser considerado controverso devido a cultura conservadora do país na época. Em uma conversa, o grupo comenta: “Demos vida à MTV. São os EUA. Puros em público, pervertidos no privado.”

BLITZ – VOCÊ NÃO SOUBE ME AMAR (1982)

Em seus primeiros anos de exibição, o programa da TV Globo, Fantástico pertencia à área de shows e reservava um espaço para musicais. Em 1974 foram exibidos trechos dos bastidores de shows da banda Secos e Molhados, ainda em preto e branco. Na época, o formato era conhecido apenas como apresentação musical. No mesmo ano, foi planejado para que o primeiro musical colorido a ser apresentado no programa fosse da música Gita, de Raul Seixas. Porém, como o vídeo incluía diversos efeitos visuais, não foi concluído a tempo da exibição. Em seu lugar foi exibido o chorinho Bom Tempo, interpretado por Sônia Santos.

Na década de 1980 os musicais passaram a ser uma marca forte do Fantástico. Os artistas usavam o programa para divulgar seus trabalhos e tentar entrar nas paradas de sucesso. Nessa década, o rock era o grande som no Brasil. Bandas como Legião Urbana, Titãs, Kid Abelha, entre outras surgiram nesse período. Uma das símbolo da década é a Blitz que apareceu de forma mais forte ao público com o lançamento do clipe de Você não Soube me Amar, em 1º de Agosto de 1982.

“A gente veio com um papo direto, trazia uma poesia de rua para categoria de letra de música. E depois que apareceu o primeiro clipe no Fantástico, aí que uniu tudo. Foi sensacional, estourou mais ainda, as pessoas ficaram muito curiosas e contentes de ter uma representação da juventude com discurso diferente do que estava rolando e aceitaram a banda”. Evandro Mesquita, ator e vocalista da banda em entrevista para o Memória Globo.

Apesar de não ser exatamente do rock o clipe Thriller de Michael Jackson foi lançado em 1983, tanto na MTV (que ainda não havia chegado ao Brasil) como no Fantástico. O vídeo é um marco da história dos videoclipes e traz o clima de terror com a presença de zumbis e lobisomens num curta de 12 minutos de duração.

O estilo ainda iria ter reflexo no cinema com filmes como Bete Balanço (1984) que conta a história de Bete (Débora Bloch) que deixa Minas Gerais e busca ter sucesso como cantora no Rio de Janeiro. A produção faz um panorama do rock no cenário brasileiro e trás a famosa mistura de sexo, drogas e rock’n roll. Nomes da música da época como Cazuza, Barão Vermelho, Lobão e Titãs, fazem participações especiais.

 

NIRVANA – SMELLS LIKE A TEEN SPIRIT (1991)

Na década de 1990, a MTV se torna definitivamente o ponto de referência mundial não só para difundir novos videoclipes, mas também, artistas e tendências da música. Também em 1990 que o canal chega ao Brasil, tendo como primeiro clipe exibido Garota de Ipanema na voz de Marina Lima. Nos anos seguintes diversas bandas acabaram vinculando sua imagem ao canal e essa estética videoclíptica como Skank, Charlie Brown Jr., Pitty, entre outros. Em 1995, é lançado pelo canal o prêmio Vídeo Music Brasil (VMB) inspirado no Vídeo Music Awards (VMA) norte-americano.

Porém, o estilo que iria marcar a década seria o Grunge. Uma mistura de estilos como punk, indie rock e heavy metal vindos do estado americano de Washington, principalmente em Seattle. São bandas como Alice in Chains, Soundgarden, Stone Temple Pilots, Pearl Jam, entre outras. Essas bandas já chegam ao cenário tendo em mente esse percurso de lançar disco e clipes na MTV para promover o novo trabalho e a própria banda. O canal tem um papel quase que definitivo para que as bandas sejam conhecidas e reconhecidas pelo mundo.

No universo de videoclipe dessa época é que diversos nomes do cinema começaram a mostrar seus trabalhos. Como o clipe era uma peça importante para divulgação das bandas, elas davam maior liberdade para que os diretores exercessem sua criatividade. Além do rock, outros gêneros também exploraram esse novo cenário. Surgem aí nomes como David Fincher (Aerosmith – Janie’s Got a Gun), Michel Gondry (Foo Fighters – Everlong) e Spike Jonze (Sonic Youth – 100%). Esses novos nomes trouxeram para o cinema, além de um novo uso dos recursos tecnológicos, um novo estilo de montagem mais rápida, devidamente conhecida como videoclíptica.

Mas, a maior banda desse período foi sem dúvida o Nirvana. Vinda também de Seattle, o grupo teve o ápice da sua carreira com o lançamento do disco Nevermind (1991) que fez com que a banda fosse ouvida por todo o mundo. A capa do disco com um bebê nu tentando pegar uma nota de dólar é reconhecida até hoje. O clipe de Smells Like Teen Spirit, que faz parte do disco, foi o ponto alto na carreira da banda quanto de reconhecimento do canal como influenciador na indústria. Além desse, outros vídeos da banda ficaram bastante populares como Come As You Are e Heart-Shaped Box.

Essa também foi a década dos especiais Acústicos MTV e o lançado pelo Nirvana, MTV Unplugged in New York (1994) é considerado até hoje, um dos de maior sucesso.

 

THE WHITE STRIPES – SEVEN NATION ARMY (2003)

Nesse período a internet começa a se tornar uma forte potência e que faria a MTV perder a força que tinha na década anterior. O Youtube, por exemplo, foi lançado em 2005, iniciavam as plataformas de streaming e as redes sociais vinham com força. Orkut, Facebook, Twitter, entre outras que ficaram pelo caminho, começaram a surgir e mudar o cenário não só o mercado fonográfico, mas a forma como a sociedade se relacionava.

O rock dessa década trás fortes referências ao produzido na década de 1960. O movimento indie deixa de ser um tipo de produção e passa a ter mais relação com um tipo de música. Puxado pelo lançamento do álbum Is This It (2001) do The Strokes, surgiram uma porção de outros conjuntos como Franz Ferdinand e o Kings of Leon. É também a era do Emo Core com bandas como My Chemical Romance e Simple Plan, e as brasileiras Nx Zero e Fresno. Linkin Park e Evanescence são nomes importantes no mainstream mundial.

Com esse início de queda da MTV, alguns artistas já começam a lançar seus trabalhos tanto no canal quanto na internet e as mídias físicas começam a perder força também. Entretanto, fica mais fácil produzir e distribuir o material. Um belo exemplo é o clipe Here it Goes Again, da banda OK Go. Ele teve uma produção super caseira com os integrantes da banda dançando em esteiras elétricas. Lançado em 2006 foi um dos primeiros a ser sucesso no site Youtube.

Uma das bandas que podem simbolizar a década é a The White Stripes. Formada por apenas dois membros Jack White e Mag White, havia um mistério que pairava no ar sobre se os dois seriam um casal de marido e mulher, se eram irmãos ou se não tinham nenhuma relação. Além disso, a banda tinha em seus trajes apenas as cores: vermelho, preto e branco. Era dona também de clipes criativos como Fell In Love With A Girl (dirigido por Michel Gondry) que a dupla é representada em uma animação stop motion usando peças de Lego.

Mas a música / clipe que marca a carreira dos The White Stripes é Seven Nation Army. A música faz parte do álbum Elephant (2003) e seu clipe é quase hipnótico. Uma série de triângulos nas cores da banda aparece na tela em meio dos próprios membros, caveiras marchando no ritmo da música e outras figuras psicodélicas. A música fez tanto sucesso que ganhou diversas versões e até animou torcidas de futebol por todo o mundo.

ARCTIC MONKEYS – DO I WANNA KNOW? (2013)

Bom, agora os anos 2010 já não foram tão favoráveis para o rock que já vinha perdendo sua potência a um tempo. Pelo menos, não como força jovem, de espírito renovador e de protesto como foi antigamente. Esse lugar é ocupado atualmente pelo Rap que parece acolher mais a rebeldia juvenil e a famosa luta contra o sistema.

O rock dos anos 2010 é formado principalmente por jovens que cresceram assistindo a MTV e ouvindo The Strokes. O Arctic Monkeys é o exemplo mais claro disso. No último trabalho do grupo, o álbum Tranquility Base Hotel & Casino (2018), a primeira faixa do disco, Star Treatment, inicia com a frase: “Eu só queria ser um dos Strokes / Agora olha a bagunça que você me fez fazer”.

O clipe Do I Wanna Know? recentemente atingiu o recorde de ter sido reproduzido mais de 1 bilhão de vezes no Youtube. O vídeo é uma animação realizada por David Wilson que traz diversas referencias ao estilo do rock da década de 1960 com topetes estilo Elvis e corridas no estilo do já citado filme Juventude Transviada, e que é bem próximo ao estilo adotado pela banda atualmente.O quinto disco da banda, A.M. (2013), que tem essa música, é atualmente uma das portas de entrada dos jovens que estão chegando no universo do rock.

 

Obviamente esse foi apenas um recorte. Diversos outros grupos, cantores, cantoras e clipes, fizeram com que o estilo chegasse ao patamar que está hoje. Tanto musicalmente, comportamento, quanto no mercado, como vimos brevemente no percurso que falamos aqui.

Frequentemente dito como morto, o rock sempre reinventa a sua forma. Hoje seu lado mais criativo aparece num cenário mais distante do mainstream, com discos produzidos em casa e distribuídos através da internet. Não só nesse estilo, mas no cenário musical como um todo. E, junto disso, novas formas de representar a música em vídeo vão surgindo assim como foi ao longo de sua história. Vida longa ao Rock’n Roll.

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