Por Rafael Ferreira
Onde Vivem Os Monstros é uma adaptação de um livro infantil escrito por Maurice Sendak (morto em maio de 2012, vítima de um AVC), vencedor do Prêmio Hans Christian Andersen dois anos seguidos; as oito páginas do livro, muito mais ilustrativas do que textuais, foram adaptadas para um filme de uma hora e quarenta minutos de duração, dirigido por Spike Jonze. E o que o diretor de videoclipes e de filmes como Quero Ser John Malkovich e Adaptação poderia fazer com um dos livros mais queridos da literatura infanto-juvenil? A resposta mais modesta seria: um excelente filme.
Mas espere um minuto, no verso do DVD diz que não é recomendado para menores de 10 anos, e por que no material promocional aparecem estes monstros com expressões tristes? Onde está a alegria, cores vibrantes e otimismo? Não deveria ser um filme infantil? O que está errado?
Nada está errado, caro leitor. Acontece que Spike Jonze fez o filme mais voltado para o público adulto e engana-se quem pensa que isto incomoda o autor da obra original, pelo contrário, Sendak foi consultado com freqüência pelos roteiristas e é um dos produtores da obra cinematográfica. Diferente dos filmes atuais baseados em obras infantis que tentam uma abordagem mais sombria e com bastante ação para parecerem mais adultos, Onde Vivem Os Monstros atinge esta maturidade focando naquilo que todo filme deveria focar, nos sentimentos e nos personagens, e só o que ele pede em troca é que você acredite naquele mundo, como você acreditou quando era criança, e assista a um filme sobre um menino que entra em sua própria psique, cria um universo e personagens para aprender a lidar com seus problemas pessoais internos. Ou então você pode assistir a um filme sobre um menino que vai para uma terra de monstros, se torna rei deles, e depois volta para casa, mas a opção anterior é mais interessante.
No filme, Max é um menino solitário, quase não o vemos brincar com crianças da sua idade, sua irmã o ama, mas para manter as aparências com os novos amigos acaba não demonstrando este amor, sua mãe também o ama, mas tenta ter uma vida própria com o novo namorado. Max acaba ficando sozinho com seus pensamentos, e a sua forma de lidar com estas situações é ir para um mundo, livre de regras, livre de tristeza, e com novos amigos que o proclamam rei.
Inicialmente este novo mundo é tão bom que Max decide ficar, provavelmente para sempre. E neste ponto do filme as pessoas começam a ficar confusas: “Isto é real?”. Bem, caro leitor, é exatamente neste ponto que o filme se destaca dos demais, não porque precisa ser explicado, mas porque precisa ser sentido, e para senti-lo procure se lembrar de quando você era criança, sempre havia aquele momento que queríamos estar sozinhos, quando encontrávamos com uma frustração, depois de ser vítima de bullying na escola, ou depois de ser chamado de feio(a) por outras crianças, ou quando não éramos escolhidos para jogar bola, sempre queríamos ficar sozinhos depois de passar por estes reveses, sozinhos com nossos pensamentos, e usar a imaginação para vencer estes obstáculos; na imaginação de uma criança ela pode revidar e se vingar do bullying, ser admirada pela sua beleza física, ou ser o super atleta que marca o gol da vitória, mas mesmo que estes cenários criados estejam na imaginação da criança, não significa que a emoção sentida ao imaginá-la não seja real, esta é a forma que a criança lida com seus problemas, ela apenas não sabe que é isso o que está fazendo. Quando crescemos, levamos esta habilidade conosco durante toda a vida; refletimos; falamos sozinhos em nossos pensamentos; imaginamos como nossa vida seria depois de tomar certas decisões, etc. Apenas temos consciência de que precisamos voltar para o mundo real.
As emoções de Max combinadas com sua imaginação se tornam tão reais que parecem sólidas, e até podem acertar sua cabeça com uma pedra. O uso de atores fantasiados ao invés de personagens criados em CGI, permite uma melhor inserção naquele mundo, acreditamos que Carol, KW, Douglas e companhia realmente existam, porque os vemos interagir com Max, e por falar nos personagens, o filme não deixa claro se cada um deles representa alguém em seu universo real, KW às vezes parece ser a irmã que prefere seus novos amigos, o Boi parece ser o pai ausente, Judith e Ira parecem ser sua mãe e o novo namorado, mas uma coisa é certa, são representações físicas de seus sentimentos.
Diferente de outros filmes que trazem uma mensagem clara de otimismo no final, Onde Vivem Os Monstros prefere que você construa tal mensagem, sabemos que houve um amadurecimento em Max, brilhantemente representado quando este entra na barriga de KW, simbolizando o ventre da baleia, uma referência ao Herói De Mil Faces de Joseph Campbell, onde o herói entra e é revivificado pela lembrança de quem é para nascer de novo.
É curioso ver a reação das pessoas ao assisti-lo pela primeira vez, em geral a reação é: “O que eu acabei de ver?”. Talvez as pessoas esperem um filme que possa ser entendido, explicado com palavras, mas Onde Vivem Os Monstros é uma experiência que precisa ser sentida.
Veja o trailer: