Por Breno Bringel

Pouca gente se lembra, mas o Brasil já ganhou “por tabela” um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Em 1959, a coprodução Brasil/França/Itália intitulada Orfeu Negro – Orfeu do Carnaval, dirigida pelo francês Marcel Camus, foi agraciada com o tão almejado prêmio.

O filme que, na época, ganhou também o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e a Palma de Ouro no Festival de Cannes, Cinemascope - Orfeu Negro pôsteradapta a peça “Orfeu da Conceição” de Vinícius de Moraes para a tela grande que, por sua vez, adapta o mito grego do amor não concretizado de Orfeu e Eurídice.

Desse modo, o roteiro escrito pelo próprio Camus em colaboração com o francês Jacques Viot, narra a fatídica história de amor, ambientando-a nos morros cariocas dos anos de 1950, em pleno carnaval, quando Eurídice (Marpessa Dawn) viaja ao Rio de Janeiro para visitar a prima Serafina (Léa Garcia), e fugir da “morte”, que lhe persegue. Eurídice, então, ao se perder na euforia da cidade, por acaso conhece Orfeu, um conhecido músico do morro e condutor de um bonde, que mora na mesma favela de sua prima.

Apesar de dirigido por um francês e, por conta disso, a Academia de Artes de Ciências Cinematográficas considerar a França como o país representante do filme, Orfeu Negro imprime na tela toda a alegria do povo brasileiro e como o carnaval transforma a vida do país.

Explicitando vários clichês sobre o Brasil, mas que, apesar de serem clichês  não deixam de ser verdades, como por exemplo, a personagem que afirma não ter dinheiro para comprar comida porque a sua fantasia de carnaval foi muito cara, Camus, ao optar por planos longos e sem cortes nas cenas envolvendo as comemorações, traz uma vivacidade pouco usual no cinema atual, sobretudo pelo uso de figurantes reais fantasiados, pois, como é de se imaginar, era impensado para a época o uso de figurantes digitais.

Assim, Camus nos apresenta algo como uma grande ópera carnavalesca com a encenação dos atores coreografada, de acordo com a constante música, que figura quase como um personagem, sempre presente ao fundo; mesmo quando outras canções se sobrepõem nunca deixamos de ouvir os sambas típicos dessa festa.

Com músicas compostas por Tom Jobim e Luís Bonfá o longa, que até hoje é lembrado por sua marcante trilha sonora, foi responsável por levar também a bossa nova brasileira para terras estrangeiras, fazendo com que este estilo musical intrinsecamente brasileiro se alastrasse mundo afora.

Em relação ao elenco temos uma constante homogeneidade. Sem grandes nomes da época, mas com interpretações marcantes, o grupo de atores de Orfeu Negro apresenta algumas curiosidades, como o fato da intérprete de Eurídice, a atriz Marpessa Dawn, ser norte-americana radicada na França, e vários integrantes do elenco serem brasileiros, como Lourdes de Oliveira, que interpreta a personagem Mira, noiva de Orfeu, Léa Garcia, e Breno Mello, que interpreta o personagem-título.

Cinemascope - Orfeu Negro

O mais curioso com relação ao elenco é que, com exceção de Léa Garcia, que conseguiu construir e sustentar seu nome, sobretudo na TV brasileira, os demais atores do longa, tanto os brasileiros quanto os estrangeiros, não prosperaram em suas respectivas carreiras. Muitos, inclusive, fizeram apenas um ou dois trabalhos após o filme, desaparecendo, assim, da vida pública depois desse período.

Com uma bela fotografia, que se aproveita das paisagens naturais e dos pontos turísticos da cidade maravilhosa, e com um final tragicamente triste inspirado, mais uma vez, na mítica história grega, Orfeu Negro, apesar de ser um filme que não conseguiu resistir bem ao tempo, deve ser visto como um registro histórico e cultural brasileiro dos mais importantes na Sétima Arte.

VOCÊ NÃO SABIA QUE…

– Breno Mello, que interpreta Orfeu, era ex-jogador do Fluminense, e foi descoberto por um assistente de Camus, ao livrar um pedestre de um assalto na Praia do Flamengo;

– Vinicius de Moraes não teria gostado da versão cinematográfica de sua obra, a peça “Orfeu da Conceição”, tendo ficado aborrecido, principalmente, porque nenhuma das músicas originais da peça haviam sido aproveitadas no filme;

– Marpessa Dawn faleceu em Paris, onde morava, em 25 de agosto de 2008, pouco mais de um mês após a morte de Breno Mello, em 24 de julho do mesmo ano;

– Ademar da Silva, creditado no filme como o intérprete da “morte”, é, na realidade, Adhemar Ferreira da Silva, primeiro atleta brasileiro bicampeão olímpico. Ele atuou também na peça que deu origem ao filme.

– A peça “Orfeu da Conceição” serviu de inspiração também para o filme Orfeu, de 1999, dirigido por Cacá Diegues, com Toni Garrido no papel título e Patrícia França interpretando Eurídice.

– Marpessa Dawn e outros atores estrangeiros foram dublados para o português na edição de som final do filme.

Veja o vídeo: