Por Wallacy Silva

Chuck Tatum (Kirk Douglas) já foi despedido de 11 jornais. Chega à pequena cidade de Albuquerque e, sem dinheiro, vai direto ao jornal local em busca de um emprego. As primeiras cenas apresentam muito bem o protagonista – ele mostra um domínio impressionante de retórica, ironiza o quadro na parede da redação (um pequeno bordado com a frase “Diga a Verdade”) e conta sua história (as partes que lhe convém) para o dono da publicação. Ele não fala diretamente o que quer – ser contratado por 50 dólares por semana – mas chega com uma proposta de ganho semanal de 200 dólares. “Sou um jornalista de 250 dólares por semana, mas posso trabalhar pra você por 50”, diz o personagem, que trabalhou em jornais de grande circulação em cidades como Nova York e Chicago. Esse tipo de inversão é um dispositivo comum no discurso jornalístico e é apenas o menor e mais inofensivo meio do qual se utiliza Tatum para atingir seus objetivos.

Acostumado com os grandes centros, não demora muito para que o jornalista fique entediado em Albuquerque, já que não há nenhum grande acontecimento ali para ser coberto. Mas ele descobre um caso para se tornar seu “grande furo”: um rapaz, Leo Minosa (Richard Benedict), que ficou preso em uma mina depois de um desabamento. Tatum entra na mina, conversa com Minosa, escreve uma matéria e começa a transformar o episódio em caso de comoção nacional. Como se não bastasse, consegue deter a exclusividade de acesso à mina – ou seja, à informação. Para que ele voltasse a ter visibilidade e trabalhasse de novo em um jornal de ponta o ideal seria que o caso Minosa durasse o máximo possível, e o jornalista passa a tentar adiar o resgate da vítima, colocando em risco a vida do mineiro.

O interessante é observar que, apesar de focar na questão da ética no jornalismo, o filme acaba abordando o tema em uma esfera bem mais ampla, em todos os setores da sociedade. Note como os personagens ao redor de Tatum se corrompem, seja por dinheiro, influências, sentimentos, informações… seja pela força. O Xerife da região, por exemplo, vai disputar as eleições, e acaba aceitando as condições do jornalista em troca de visibilidade. A mulher da vítima, Lorraine Minosa (Jan Sterling) tem gratidão pelo marido, mas não gosta tanto dele, e se empolga ao ver que aumentaram as vendas da pequena lojinha da família no meio do nada, além de também ganhar dinheiro cobrando as visitas do público ao local da tragédia. Lorraine ainda acaba se apaixonando por Tatum, e ele se irrita por ela não fazer o papel de “esposa que sofre”, o esperado pela mídia, chegando a agredi-la fisicamente. Até o próprio Leo Minosa se anima inicialmente com a situação, e chega a posar sorridente para fotografias ao saber que pode ser capa de jornal.

Billy Wilder literalmente armou o circo que a imprensa gosta, e com o passar dos dias o local em que se encontra o soterrado é cercado de curiosos, pessoas vendendo lanches e tralhas, e até uma roda-gigante! Pois bem, é aí que o ciclo da falta de ética encontra o seu final: se existe até hoje uma parcela de programas, colunas, sites, matérias e jornalistas que sobrevivem da cobertura de tragédias, de sensacionalismo e de especulações, é porque tem gente que consome! Nem o público escapa de ser corrompido, de corroborar de alguma forma situações como essa que acompanhamos no longa-metragem. Mais do que um filme sobre a imprensa, A Montanha dos Sete Abutres é um filme sobre pessoas, ética e caráter e por isso se mantém tão atual. E como toda boa obra de arte, não deve envelhecer jamais.

VOCÊ NÃO SABIA QUE…

– A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole) foi um fracasso de público e de crítica. O estúdio, sem autorização do diretor, mudou o nome do longa para “The Big Carnival”, na tentativa de melhorar a reputação do filme e evitar prejuízos. Não adiantou.

– Este foi o primeiro trabalho de Billy Wilder como diretor, roteirista e produtor, quebrando sua sequência de trabalhos com o oscarizado roteirista Charles Brackett. A dupla foi responsável por filmes como Farrapo Humano e Crepúsculo dos Deuses.

– Moradores da cidade de Gallup, no Novo México, foram contratados como figurantes. Eles recebiam um adicional se pudessem levar um carro para o set.

– Ray Evans e Jay Livingston compuseram a música “We’re Coming, Leo”, que é interpretada por uma banda em meio ao carnaval criado ao redor da tragédia. A letra traz uma mensagem otimista e de esperança em relação ao resgate de Leo Minosa.

Veja o trailer:

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