Levando à máxima a questão do “Cinema não é sobre o que é e sim como ele é sobre o que é”, a premissa simplória de A Caótica Vida de Nada Kadic não parece tratar de nada muito novo, mas é um retrato muito doce da relação de uma mãe com sua filha.
Nada é uma mãe solteira que trabalha e tem uma filha, a agitada Hava. Tentando conciliar seu trabalho com os cuidados especiais que deve a Hava, já que médicos a diagnosticaram com transtorno do espectro autista. Ao se ver sem dinheiro para continuar cuidando de Hava, Nada passa por questionamentos na sua vida, decidindo realizar uma viagem a sua cidade natal.
Dirigido pela estreante Marta Hernaiz Pidal, a cineasta é ambiciosa o suficiente para experimentar e ousar em linguagens, como ao mesclar na montagem o som de Nada apertando o teclado do computador, tentando fazer um vídeo reproduzir com ela colocando alumínio nos longos cabelos ruivos.
Empregando planos subjetivos que nos colocam no olhar particular de Hava e que também reflete sua hiperatividade, às vezes saltando os olhos para diversos lugares, em outros observando algo fixamente. É encantador notar a obsessão de Hava por poças e como parece um ímã que mantem a garota ali.
Em muitos momentos o filme remete ao clássico de 1975, Jeanne Dielman de Chantal Akerman, ao adotar em muitos momentos uma câmera estática em longos planos no pequeno apartamento de Nada e que serve para criarmos uma familiarização com seu universo ao observamos os objetos que compõe a casa e a bagunça que Hava causa no dia-a-dia.
Para alguém estreante em longas, Pidal é muito inteligente no uso da mise-em-scène, como no constante ato de Hava simplesmente escapar do quadro do filme, o que ressoa mais ainda a hiperatividade da criança, que parece escapar até mesmo do espectador.
Porém, mesmo com todos esses empecilhos, Nada é uma mãe absolutamente paciente, carinhosa e tem um afeto gigantesco por Hava. É nítido, claro, os momentos em que ela está cansada pelas dificuldades de lidar com sua filha, mas mesmo assim continua sendo uma mãe muito dedicada e esforçada.
Na metade final do filme, quando se passa na estrada, vemos uma relação ainda mais íntimas não apenas de Nada com Hava, mas com o vazio de Nada com seu passado (materializado aqui com o vazio espacial dos planos), vista em paisagens bucólicas e vazias que contrastam com os espaços apertados e cheio de objetos na cidade.
Abordando com franqueza e doçura essa relação das personagens, que é auxiliada pelo trabalho competente das atrizes, A Caótica Vida de Nada Kadic é uma belíssima estreia da diretora Marta Hernaiz Pidal e que promete ser um nome relevante no futuro.
Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo