Um subgênero que compõe grande parte da filmografia das comédias é a paródia: releituras cômicas de outras obras ou gêneros tidos como “sérios”. Se tivemos um momento de ouro desse tipo de comédia, foi nos anos 80, como obras como Apertem os Cintos… O Piloto Sumiu, Top Secret e Corra que a Polícia Vem Aí, que logo descambou para a pura reprodução barata e tosca dos Todo Mundo em Pânico da vida.

Portanto, é surpreendente assistir a uma obra que ao mesmo tempo brinca com elementos clássicos do terror/thriller, lembrando o conceito de paródia e sátira, como alcança com um roteiro absurdo e, justamente por isso, engraçado um frescor tão raro nas comédias atuais. Assim, A Noite do Jogo se trata de uma bem-vinda comédia de humor negro que extrapola o máximo de suas situações de forma sagaz e eficiente.

Já se iniciando em um campeonato de trívia em um pub, onde o casal protagonista Max (Bateman) e Annie (McAdams) se conhece e, quando os dois notam que dividem o mesmo espírito competitivo e paixão por jogos, logo se apaixonam, o que se dá em uma sequência inesperadamente engenhosa que envolve raccords de transição como o momento em que os dois estão se beijando no metrô e a queda deles combina com os dados caindo na mesa ou o ventilador do teto se dá para um desenho de ventilador em um quadro de um jogo, dando um dinamismo do que seria uma montagem batida de como o relacionamento cresceu.

Já casados e tentando ter um bebê, Annie e Max recebem toda semana um grupo de amigos para terem uma noite de jogos. Quando o irmão de Max, Brooks (Chandler), surge depois de um longo tempo e causando frustração em Max, já que sempre teve certa inveja do sucesso financeiro de seu irmão, convida todos para uma noite de jogos em sua mansão alugada, mas com um diferencial: uma festa de mistério de assassinato com toques bem mais realistas. Obviamente, o jogo não sai como planejado, o que leva todos os jogadores a situações bastante inesperadas.

Talvez se tratando do primeiro trabalho de destaque do roteirista Mark Perez e dos diretores John Francis Daley e Jonathan Goldstein, o que impressiona neste filme é uma agilidade bastante contagiante que guia a história de maneira frenética e que prende a atenção de seu público.

Embora boa parte do humor aqui dependa dos diálogos entre personagens e tiradas verbalizadas (que ao menos boa parte aqui funciona bem), a dupla de diretores consegue injetar algumas sutilezas de maneira visual, como na preparação de uma festa em que há um plano detalhe de um molho de tomate sendo jogado em uma tigela, o que se assemelha a sangue sendo jogado, já conjecturando uma atmosfera que obedecerá durante toda a projeção, que é usar muito mais da sugestão da violência e agressão em si, com elementos ordinários e cotidianos, mas que no contexto do filme ganham contornos violentos.

Assim, por mais óbvia que seja a piada de trazer algum personagem segurando uma faca de maneira assustadora, mas com outra intenção muito mais inocente, aqui se encaixa bem por denotar sempre essa dinâmica do filme de usar da violência absurda com o falso ou a encenação. Aliás, o que torna tudo mais cômico aqui é o fato do roteiro esperto de Perez dar ao espectador mais informações que os próprios personagens, o que faz com que eles ajam de maneira ridícula em situações perigosas, mas sem perderem alguma credibilidade.

O que torna A Noite do Jogo uma comédia tão eficiente é a forma como abraça sem receio algum a natureza surreal e maluca de seus personagens e do contexto, e que parecem serem elevados a potência máxima. Vivendo em um universo e lógica própria, Max e Annie são um casal condizente não apenas entre si, quanto a tudo aquilo que passam e jamais soando caricaturais a ponto de não sentirmos empatia por eles. Algo que se deve ao talento dos atores que os interpretam.

Enquanto Jason Bateman encontra em Max a vazão para sua persona que combina normalidade que parece sempre deslocada nas situações mais extremas possíveis e assim reagindo com uma expressão de espanto e incredulidade (algo característico em seu Michael Bluth da série Arrested Development), como um incidente que envolve um cachorro e sangue vemos a oportunidade de Rachel McAdams esbanjar seu dom para o timing cômico (algo já comprovado pela sua icônica Regina George de Meninas Malvadas) e o momento em que ela pergunta “o que os racistas dizem sobre não encontrar a bala” é impagável.

Ainda com dois atores muito engraçados individualmente, Bateman e McAdams conseguem estabelecer uma química muito natural, o que cria uma simpatia muito maior por eles e pelos riscos que passam, fazendo com o que os momentos em que se ajudam (como quando Max passa a fazer mímica em uma hora crítica para Annie) sejam vistos com naturalidade.

Não só os dois, o elenco de apoio também dá gás a algumas piadas, como a estupidez do personagem de Billy Magnussen que é sempre ressaltada pela experiência e sensatez da personagem de Sharon Horgan. Porém, o destaque é para Jesse Plemons, que faz do seu policial Gary alguém absolutamente desconfortável por causar um misto entre pavor puro e absoluto dó. Já os personagens de Lamorne Morris e Kylie Bunbury, por mais que representem uma digressão dispensável para a história, ainda assim conseguem divertir em alguns momentos.

Além de um roteiro funcional em causar humor, os diretores aqui conseguem ser bem sucedidos até mesmo em sequências de ação, como em um inesperado plano-sequência envolvendo os personagens fugindo e jogando um objeto de um lado para o outro, o que dá vivacidade do que poderia ser um momento arrastado e apostando em firulas como câmeras acopladas em objetos, como a porta de um carro ou quando a câmera parece seguir o movimento de uma fechadura se quebrando.

Sendo atentos a ponto de usarem também do som para criarem graça, como o barulho de um brinquedo de borracha que Max morde em um instante tenso ou da quebra de expectativa de um ataque surpresa de Max vindo de um grito desajeitado, é louvável ver um filme que tem consciência das possibilidades que o cinema dispõe para a comédia e que são ignoradas por boa parte desse gênero em troca do humor fácil vindo de personagens contando piadas.

Também se beneficiando de um humor que parte do desconforto, como quando decidem arrastar ao máximo a incomodidade de uma conversa entre Max e Annie com Gary ou quando estendem por um longuíssimo período o movimento que Ryan faz com o dinheiro sobre a mesa para subornar alguém, o filme até deixa escapar momentos piegas, mas por serem breves ou serem interrompidos subitamente por algum elemento surpreso, não comprometem a obra e até mesmo dão uma leveza bem-vinda.

Coerente ao trazer uma rima visual dos olhares entre Annie e Max no começo e no final do filme e trazendo plot twists que passam a serem tão absurdos que me fizeram lembrar de um dos melhores episódios da maravilhosa série Community (Conspiracy Theories and Interior Design), A Noite do Jogo impressiona pela energia que os diretores obtém das sequências de ação e do irreverente roteiro, que ao saber levar todo aquele absurdo até o seu limite e utilizar de elementos do gênero suspense e horror para lapidar seu humor negro, concebe uma comédia esperta, divertida e ágil

A Noite do Jogo

Ano: 2018
Direção: John Francis Daley, Jonathan Goldstein
Roteiro: Mark Perez
Elenco principal: Jason Bateman, Rachel McAdams, Kyle Chandler, Sharon Horgan, Billy Magnussen, Lamorne Morris, Kylie Bunbury, Jesse Plemons
Gênero: ​Comédia, Thriller
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: 4,0