A imprevisibilidade da vida é um tema que já foi abordado inúmeras vezes no cinema, assim como narrativas onde um fato impacta a existência de várias pessoas em pontos distintos do globo. Babel e Crash: No limite são bons exemplos. Agora, chega aos cinemas A Vida em Si, que junta essas duas ideias e as executa de maneira romantizada.
Dirigido e roteirizado por Dan Fogelman, produtor da série This is US, o longa apresenta ao público a história de Abby (Olivia Wilde) e Will (Oscar Isaac), um casal de nova-iorquinos que está prestes a ter um bebê. Contudo, a dupla passa por um evento inesperado que gera consequências e reverberações na vida de outras tantas pessoas. De maneira episódica, o filme mostra como a vida de Irwin (Mandy Patinkin), Dylan (Olivia Cooke), Saccione (Antonio Banderas), Javier (Sergio Peris-Mencheta), Isabel (Laia Costa) e Rodrigo (Àlex Monner) foi alterada por conta desta única ocorrência.
Separado em capítulos, a produção é organizada por meio de flashbacks e histórias cruzadas. Ao longo de quase duas horas, assistimos às conexões feitas entre os personagens, em grande parte ocasionadas pelo incidente incitante envolvendo Abby e Will. Ainda que não existam grandes surpresas aí, uma vez que a fórmula não é nova, a narrativa consegue causar certo impacto no público. Dominado por uma narração quase constante, o filme apresenta o background das figuras dramáticas de forma excessivamente expositiva. Mas essa questão não chega a incomodar, visto que o narrador interage ativamente com os eventos que descreve e a passagem de tempo é feita com apuro estético.
A forma com que as tramas se interligam e a descrição de cada história dá a sensação de que estamos assistindo a uma versão moderna das Mil e Uma Noites narrada talvez por Amelie Poulin. Entretanto, o sentimento é passageiro pois falta ao título o carisma dos clássicos citados. Fogelman sabe conduzir as emoções do público com maestria em This is Us, mas aqui pesa a mão no tom dramático e acaba criando um filme que se esforça demais para arrancar lágrimas do público. A resposta natural dos fãs da série (onde é difícil assistir um episódio inteiro de olhos secos), se repete apenas no final de A Vida em Si, mas a muito custo. Ao invés de soar natural, as cenas mais tocantes ganham ares de folhetins açucarados.
Em grande parte isso é ocasionado pela pouca química entre os personagens. Apesar de um elenco estrelado, apenas Mandy Patinkin se destaca nas rápidas cenas em que conversa com a neta. Seu olhar paternal é tão cheio de carinho que consegue tocar o público, mas além dele, os demais atores desenvolvem seus papéis dentro do esperado. Como existe uma certa abundância de figuras, algumas delas soam subdesenvolvidas, em especial a barulhenta Shari Dickstein (Isabel Durant).
Honrando a cartilha dos filmes pseudo-reflexivos, A Vida em Si trabalha com máximas genéricas, construídas especialmente para que o o espectador se sinta inspirado ao ouvi-las. Todos os personagens precisam lidar com perdas e seus atos são resultado das tragédias de sua história. Porém, a mensagem positiva por trás de cada plot é que devemos ser a soma de todos os amores que vivemos e não das dores que nos trouxeram até aqui. Nossa existência deve orgulhar os entes queridos que se foram e nós, assim como Abby, Will e companhia, devemos aceitar as viradas inesperadas e conexões imprevisíveis da vida.
Num momento mais inspirado, a personagem de Olivia Wilde fala sobre a narração de histórias e o fato de não existir um narrador imparcial. Ao relatar um conto, a pessoa instintivamente acrescenta nele sua visão de mundo e isso impede que qualquer reprodução de fatos seja parcial. De maneira metalinguística, o filme conta ao público que as tramas ali apresentadas possuem uma forte camada de subjetividade. Com isso em mente, cabe ao espectador decidir se o romantismo e o drama presentes no título causam impactos profundos em suas vidas ou se não passam de um pastiche esquecível.