Entre agosto e novembro de 2018 na Pinacoteca de São Paulo aconteceu a exposição Mulheres Radicais: arte latino-americana (1960-1985) que trouxe cerca de 280 trabalhos em vídeo, fotografia, pintura e outros suportes de mais ou menos 120 artistas de diferentes nacionalidades que transitavam por períodos semelhantes em seus países, fazendo da sua arte a sua resistência, mas também o descobrimento e invenção dos seus corpos femininos e políticos.

E é com esse pontapé inicial que passamos a acompanhar Stela (Stella Rabello) uma jovem atriz que se vê fascinadas por aquelas mulheres e passa a pesquisar cartas que as artistas trocaram naquela época até que se depara com Ana (Roberta Estrela D’Alva), uma brasileira que em 1968 deixou a sua cidade no sul do Brasil e foi morar na Argentina. Stela começa então uma busca pela vida de Ana passando por Cuba, Argentina, México e Chile. 

Numa mistura entre documentário e ficção e livremente baseado na peça “Há mais futuro que passado” Ana Sem Título (2020), mais novo longa da consagrada diretora Lúcia Murat, nos leva a diferentes países com histórias não só semelhantes às da nossa ditadura, como a outras muito mais duras também.

Integrante do MR-8 a partir de 1968, quando foi instaurado o AI-5 no Brasil, a diretora foi presa pela repressão do regime militar em 1971, onde permaneceu por três anos e meio entre a Vila Militar e o Presídio Talavera Bruce no Rio de Janeiro; Lúcia Murat trás em grande parte da sua obra um resgate desse período ditatorial seja tratando das feridas dos sobreviventes como em Que Bom Te Ver Viva (1989) – onde mistura relatos de mulheres presas durante o regime com um monólogo fascinante de uma presa fictícia interpretada por Irene Ravache, ou das feridas de quem estava longe e nada podia fazer como em Uma Longa Viagem (2011), que conta a história do irmão de Lúcia, Heitor, que foi mandado para a Europa para não se envolver na luta armada como a irmã. 

Ana Sem Título não foge do que se propõe em nenhum momento. Ao criar uma personagem e seguir seus passo por uma América Latina cheia de histórias mas sem muitas pessoas dispostas a escutar, vemos o quanto os lugares visitados afetam Stela, percebemos novamente a importância não só do discurso como das imagens. A preservação da memória, por mais dolorosa que seja, é de extrema importância como lembrete, como aviso do que pode sempre retornar. 

Norah Horna (filha de Kati Horna), Elena Poniatowska, Lotty Rosenfeld, Cristina Kahlo e as  Madres de la Plaza de Mayo são algumas das entrevistadas que aparecem no longa, assim como a própria Lúcia Murat dando alguns depoimentos do que foi para ela viver aquele momento de opressão. 

Numa busca incessante por uma mulher negra, revolucionária, livre e artista em determinado momento a pergunta que não quer calar é feita “Você acha que ela está viva?” e a falta de resposta, seja ela um ressonante sim ou um tímido não, diz muito mais sobre o período ditatorial pelo qual passamos do que gostaríamos de acreditar.

Essa crítica faz parte da cobertura do Cinemascope da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Ana. Sem Título

 

Ano: 2020
Direção: Lúcia Murat
Roteiro: Lúcia Murat e Tatiana Salem Levy
Gênero: ​Drama
Nacionalidade: Brasil, Argentina

Avaliação Geral: 4,5