Em tempos de grandes franquias e universos cinematográficos transmidiáticos que transbordam suas histórias por filmes, séries, livros e hq’s é cada vez mais raro encontrar uma produção que, mesmo imersa nesse quebra-cabeças narrativo, faça sentido sozinha. Via de regra, os títulos são tão interdependentes que obrigam o espectador a consumir todos os produtos para entender a história. Com Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore, novo capítulo do Wizarding World, mundo criado a partir da série de livros de Harry Potter, não é diferente.

Verdade seja dita, questões que se acentuam neste filme estão presentes desde que David Yates assumiu a direção das adaptações de Harry Potter, sendo A Ordem da Fênix sua primeira empreitada no mundo mágico criado por J.K. Rowling. Dessa forma, o excesso de plots e personagens rasos, além de uma história maior a partir da qual outras tantas se desenrolam não é novidade. Contudo, Os Segredos de Dumbledore possui acertos e erros particulares.

Como o próprio título indica, a produção é focada nos mistérios que envolvem não apenas Alvo Dumbledore, o conhecido diretor de Hogwarts, como também outros membros de sua família. Aliado a isso, temos uma missão secreta conduzida por Newt e Teseu Scamander, Jacob Kowalski, Lally Hicks e Yusuf Kama para conter as tentativas de Gerardo Grindelwald, renomado bruxo das trevas, de assumir o controle da comunidade bruxa e declarar guerra aos trouxas (aqueles desprovidos de magia).

Diferente dos filme antecessores, onde o protagonismo era focado em Newt, neste novo capítulo a história é centrada em Alvo Dumbledore, bem como em sua relação com Grindelwald. Após a confirmação expressa de que os bruxos tiveram um envolvimento amoroso, algo que tem mais impacto no mundo real do que no filme, vemos como Dumbledore e Grindelwald vão se estabelecendo como polos de forças opostas. Incapacitados de duelarem entre si por um pacto de sangue os ex amantes usam de seus campeões, a saber Newt e Credence, para frustrarem os planos um do outro.

Nesse sentido, Dumbledore se aproxima do bruxo que conhecemos na série Harry Potter e ganha ares de Mestre dos Magos ao pedir que personagens (e o público) confiem nele sem saber exatamente no que estão se metendo, enviando pessoas em quests perigosas e lançando questionamentos que não possuem uma resposta objetiva. Ao mesmo tempo, Grindelwald, muito bem interpretado por Mads Mikkelsen, é atestado como vilão desde sua primeira cena ao matar a criatura mais pura da Terra. Politicamente, ele é uma solução populista para o mundo da magia. Essa decisão começa assertiva por usar como base o contexto histórico pré 2GM, mas o feitiço sai pela culatra quando no meio do caminho mira sua crítica ao ex-presidente norte-americano, Donald Trump.

Os demais personagens carecem de mais encantamentos e profundidade psicológica. Jacob é o alívio cômico que continua funcionando. Queenie é a leitora de mentes que passou para o lado das trevas. Teseu é o herói de ação que parece não ser afetado pela morte de sua noiva. Lally é a professora poderosa e sagaz que consegue sair de apuros usando a inteligência. Por último temos Newt, que continua fazendo dancinhas engraçadas e se relacionando com os bichos, mas que pouco evolui quando olhamos o todo. No geral, o excessivo número de plots e indivíduos prejudica o andamento da trama, uma vez que muitas das aventuras vividas não alteram em nada a postura dos envolvidos nem avança o enredo.

O resultado são figuras dramáticas que começam e terminam a aventura sem nenhuma mudança, recebem finais insatisfatórios e não parecem afetados pelas consequências de seus atos. Ainda que essa questão seja mais bem resolvida do que em Os Crimes de Grindelwald, a dependência vai se tornando cada vez maior entre os filmes, fazendo com que o arco dos personagens só seja percebido e finalizado quando consideramos a série como um todo.

Narrativamente Os Segredos de Dumbledore também desanda na poção. Os animais fantásticos se tornam cada vez mais acessórios e aparecem em dois momentos: cenas que enchem os olhos mas vazias de importância ou como ferramentas que solucionam problemas de roteiro.  Além disso, os segredos que dão nome ao filme são previsíveis e mal desenvolvidos, com um quê de Casos de Família. O que realmente entretém o público é a maneira como a trama principal é conduzida, com reviravoltas, cenas de ação e magia bem executadas.

Com o roteiro assinado por J.K. Rowling e Steve Kloves, a obra tenta amarrar as pontas soltas deixadas no filme anterior e apresenta um proto-final caso a franquia desande de vez. Ainda que alterne bem drama e comédia e aborde temas conhecidos dos fãs do Wizarding World como intolerância, crítica política e preconceitos, Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore pratica uma exposição demasiada e se baseia demais em coincidências para funcionar. Caso o roteiro fosse um livro, ou mesmo uma série, de certo o resultado seria bem mais proveitoso.

Apesar de tantas deficiências, o filme se mantém na média e é mais positivo que as aventuras anteriores, seja pelo saudosismo de visitar lugares queridos como Hogwarts e Hogsmead, seja pelos acordes do tema de Edwiges bem integrados na trilha de James Newton Howard. Em suma, Os Segredos de Dumbledore funciona melhor se as expectativas estiverem baixas e se não tentarmos fazer todas as conexões possíveis com o universo do qual faz parte. Como aventura, consegue arrancar risadas e encanta visualmente, mas permanece com uma narrativa que, de tão movimentada, se torna capenga. Ah sim, também aparece o Brasil e Maria Fernanda Cândido, sempre majestosa. Mas ambos duram tanto tempo no filme, quanto nesta crítica. Poucos segundos, se considerarmos o todo.

Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore

 

Ano: 2022
Direção: David Yates
Roteiro: J.K. Rowling, Steve Kloves
Elenco principal: Jude Law, Mads Mikkelsen, Eddie Redmayne, Ezra Miller, Alison Sudol, Callum Turner, Richard Coyle, Dan Fogler
Gênero: ​Aventura, Fantasia
Nacionalidade: EUA, Reino Unido

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