Por Guilherme Franco
Arábia é lindo.
O filme de Affonso Uchoa (A Vizinhança do Tigre) e João Dumans (co-roteirista de A Cidade onde Envelheço) traz a subjetividade de um homem, pobre, perdido e sozinho. A primeira cena é de um garoto andando de bicicleta numa estrada do lado de um penhasco. A aflição misturada a poeticidade da cena geram um sentimento peculiar, único e que representa boa parte do filme, com sua sinceridade e simplicidade.
O protagonista em nenhum momento tenta se colocar como superior ou mostrar algo a mais do que é, transparente e comum. A história do operário interpretada por Aristides de Souza é a de muitos trabalhadores que estão por aí, vivendo com um rumo sem direção certa na busca de que, como todos nós, um dia tudo ficará em plenitude. A narrativa decide dar destaque ao trabalhador, indireta e discretamente quem toma lugar de André, o menino da bicicleta no começo do filme que um dia achou o caderno desse funcionária da fábrica, é Cristiano (Aristides).
A atuação de Aristides, que ganhou o Prêmio de Melhor Ator no Festival de Brasília neste ano, é ao mesmo tempo incômoda e tocante, por se tratar de um ator amador pode parecer que ele é meio sem jeito ou algo do tipo, mas tudo vai de encontro a seu personagem Cristiano e a toda a construção do filme. Também de uma realizadora mineira, pode-se lembrar de “Baronesa”, obra-prima de Juliana Antunes, que inclusive faz assistência de direção em Arábia. Nessa última tem-se uma visão mais política e urgente de uma sociedade vítima de violência diária, já no filme da dupla mineira, a escolha foi por uma crônica do cotidiano recheada de emoções ressentidas.
Affonso e João constroem um outro retrato de Ouro Preto, a famosa cidade brasileira do turismo histórico e do carnaval. Tudo é sereno e calmo, mas somos cada vez mais discretamente afogados pelos sentimentos de Cristiano, que ainda tem um resquício da figura de um machão tímido, mas em Arábia ele se abre, entrega de corpo aberto suas dores e lutas a quem lê seu caderno. Mesmo com todas as incertezas emocionais, o filme é consciente de si, das dores de seus personagens, de um protagonista que abre o livro de um episódio marcante de sua vida não somente para André, mas para todos nós que estamos assistindo. Aqui somos emocionados, mesmo com a figura já cansado de um homem heterossexual em destaque, a obra consegue tocar e transmitir sinceramente sua dor.
A obra é vencedora dos prêmios de Melhor Filme, Ator, Montagem, Trilha Sonora e Júri da Crítica no 50˚ Festival de Brasília, além de ser exibido em grandes Festivais Internacionais como Rotterdam (Holanda), BAFICI (Argentina) e IndieLisboa (Portugal). Um dos pontos de maiores destaques é a fotografia de Leonardo Feliciano (“Branco Sai, Preto Fica”, “Marina não vai à praia” [indicação brasileira de curta-metragem ao Oscar 2016). O fotógrafo captou o sentimento de Cristiano e refletiu nos dourados e alaranjados do filme, mas também nos marrons e cinzas. Com isso, a obra ganha uma outra camada de sensações, encantando e conectando o espectador ao filme.
Mais uma vez: Arábia é lindo. O segundo filme dos diretores mineiros encanta e transmite sentimentos masculinos assim como Moonlight permitiu no ano passado uma nova visão do estereótipo de homem. Arábia não tem medo de falar ou tocar quem assiste com as sensações de seu protagonista. Arábia é um diálogo aberto e sincero sobre como somos, vivemos e sentimos, como nos expressamos e não nos expressamos.