Em entrevista recente à revista Rolling Stone, o líder da banda U2, Bono Vox, deu a seguinte declaração:
“[…] Quando eu tinha 16 anos, sentia muita raiva. Você precisa encontrar um lugar para isso e para guitarras, seja com uma bateria eletrônica ou não – tanto faz. Assim que algo se torna preservado, acabou. Você pode até preservar em formol. No fim, o que é o rock? A raiva está no coração dele. O ótimo rock tende a ter isso, e é por isso que o The Who foi uma banda tão boa. Ou o Pearl Jam. O Eddie [Vedder] tem essa raiva.”
Concordo inteiramente com o que Bono disse. Também tive esse sentimento quando mais novo e ainda o sinto um pouco. Mas, infelizmente, o rock não possui mais a mesma potência de provocar discussões e incomodar igual antigamente. Acho que, atualmente, salvo algumas exceções, o estilo entrou numa onda “artística”. Preocupado mais com seu acabamento, em seu formato, do que propriamente tocar em alguma ferida aberta na sociedade. Esses discursos inflamados e de protesto, têm surgido apenas nos palcos e acompanhados de antigos sucessos do gênero. Como no caso do próprio Bono em suas apresentações ou mesmo no de Roger Waters, ex-Pink Floyd, em suas passagens aqui no Brasil no período de eleição. Esse viés de protesto hoje é coberto mais fortemente, pelo Rap que vem tendo mais notoriedade não só no Brasil, mas no mundo. A nós roqueiros restou recorrer a discos passados para sentir essa potência e fazer protesto.
Visto isso, uma das bandas clássica do rock ganhou uma cinebiografia que tenta resgatar esse espírito roqueiro: o Queen. O filme ganha o título de Bohemian Rhapsody (2018), tirado de uma das músicas/clipes mais famosas da banda, e conta a história desde a sua formação até a sua apresentação histórica no Live Aid em 1985. Show promovido para arrecadar fundos para os famintos da Etiópia. Uma curiosidade é que a data da realização desse show, 13 de Julho, teve a participação de grandes nomes da música como Bob Dylan e The Who, ficou conhecida hoje como o Dia Mundial do Rock.
O que Bohemian Rhapsody traz de volta é toda essa potência que o mesmo tinha. Isso focando principalmente no líder da banda Freddie Mercury (interpretado por Rami Malek). Tendo o vocalista como protagonista, a história varia entre momentos de sua vida pessoal com o surgimento de grandes clássicos do grupo como Love of My Life, que tem uma passagem histórica aqui no Brasil no Rock in Rio, e We Will Rock You. Temos na tela ilustrado todas as histórias que geralmente compõem a biografia de grandes bandas de rock. A conturbada tarefa de trabalhar em conjunto, decisões quanto aos rumos artísticos e financeiros da banda, as polêmicas envolvendo a vida privada de seus membros e, principalmente, os exageros, dramas e excentricidades de Freddie Mercury.
As partes mais emocionantes do filme são, sem dúvida, as das apresentações ao vivo do conjunto. Essas são intercaladas entre momentos em que as músicas estão sendo construídas, quais instrumentos irão entrar em qual momento, com a apresentação no show com a multidão já tendo a letra na ponta da língua. Nessas cenas, conseguimos perceber o quão grande a banda foi e ainda é. Muita da emoção do que sentimos vem da própria música. Por uma carga que ela traz para além do que estamos vendo na tela. Aliás, recomendo assistir numa sala que tenha um sistema de som digno. Esse filme merece uma dose extra de cuidado em sua apreciação.
É incrível como os atores ficaram muito parecidos com os membros da banda. Dependendo da posição em que eles foram filmados, parecia que estávamos vendo os próprios se apresentarem. Eu fiquei meio dividido quanto à atuação de Rami Malek como Freddie. Ao mesmo tempo em que fiquei impressionado com como ele conseguiu reproduzir como o cantor se portava nos palcos, quando ele estava fora deles essa movimentação parecia o limitar um pouco. Ele não parecia estar muito a vontade encarnando o líder do Queen. Os demais, apesar de termos menos referências dos originais, pareciam ser mais leves em cena, mais a vontade atuando.
O que falta aqui talvez seria um foco mais incisivo sobre um tema propriamente. No sentido de que ele não se decide se será um filme sobre a carreira do grupo ou os dramas pessoais de Freddie Mercury. O que nos deixa sem uma referência muito clara de qual seria a “moral da história”. Outros filmes como, por exemplo, Control: A História de Ian Curtis (2007), consegue focar na vida do vocalista do Joy Division, Ian Curtis, seus dramas e problemas psicológicos, ao mesmo tempo que mostrar a carreira do grupo sem perder o foco. Em Bohemian Rhapsody isso não fica bem claro. Acaba que se torna “apenas” um contar de fatos. A emoção vem de entender como foi concebido os sucessos do grupo, mais a potência que as próprias músicas já carregam, como já disse anteriormente.
A cereja do bolo é sem dúvida a apresentação do grupo no Live Aid. O diretor Bryan Singer (que você deve se lembrar por dirigir X-Men) refilmou a apresentação. Só que, em vez de se limitar aos mesmos enquadramentos, ele faz a câmera passar por lugares que nunca imaginávamos. Ela sobrevoa o estádio, chega próximo aos rostos da platéia e até aos dedos de Mercury no seu teclado. Esse momento é de arrepiar. Parece que Singer colocou o máximo de energia para nos proporcionar os melhores ângulos da apresentação e termos uma experiência única junto aos roqueiros.
Espero que esse filme consiga tocar o coração dos jovens que estão chegando agora ao universo do rock e redescubram sua potência de expressão artística e alívio de sentimentos ruins como a raiva. Acho que Freddie ficaria feliz se sua biografia ajudasse nesse movimento. Ao menos a mim, que já estou no estilo a um tempo, ficou a vontade de assistir o filme novamente e sentir o arrepio que correu meu corpo enquanto o via se apresentar. Vida longa ao rock!