Uma das noções mais errôneas com relação ao cinema é acreditar que filmes são entretenimento que deve satisfazer o espectador, seja com sequências de ação, momentos de humor ou um romance onde o casal protagonista termina junto. Claro que também se trata disso, mas assim como qualquer outra arte, há aquelas obras que existem para provocar e causar uma série de outros sentimentos que não necessariamente estão ligados a diversão.
O exemplo mais recente disso é mãe! do Aronosfky, cuja polêmica se partiu da atmosfera turbulenta e cenas gráficas de violência, tornando-o um filme absolutamente incomodativo, mas não menos excepcional. Portanto, filmes não precisam ser experiências leves para terem seu mérito e este Bom Comportamento se encaixa aqui. Constantemente nesta obra dos irmãos Safdie me peguei desconcertado, perturbado e enojado com tudo que estava vendo na tela, pelas atitudes e ações dos personagens e pelos ambientes decadentes e sujos, mas pelos irmãos diretores imprimirem com tanta vivacidade isso, se torna um filme meritório.
A premissa parte quando os irmãos Connie (Pattinson) e Nick (Safdie, sim, um dos diretores) Nikas, depois de um fracassado roubo a um banco que resulta na prisão de Nick, faz com que Connie passe por uma verdadeira epopeia numa única noite para conseguir tirá-lo da cadeia, digno de um Depois de Horas de Martin Scorsese (uma clara referência dos diretores nesse filme e que cujo nome consta como o primeiro nos agradecimentos).
Iniciando a projeção com uma linguagem que se tornará recorrente durante o filme todo, em um close fechadíssimo no rosto de Nick e do psiquiatra que tenta obter informações dele, é palpável o crescente desconforto que aquela conversa vai levando, além de nos informar da vulnerabilidade emocional e dificuldade intelectual sofrida por Nick e que faz Connie prezar pelo seu bem-estar.
Frequentemente usando planos fechados, que nos obrigam a encarar e ver todas as figuras que vão surgindo na tela. É eficiente em desnortear o espectador, não dando “respiro”, configurando em uma atmosfera claustrofóbica e angustiante. E mesmo em planos mais abertos, que são presentes nas sequências de perseguição, o tom documental adotado cria um caos visual absoluto, que não permite entendermos bem o que está acontecendo.
Nesse ponto, pode-se questionar a intencionalidade disso ou encarar como uma possível incompetência dos diretores em não conseguir criar uma sequência coerente e entendível. Na realidade, tanto faz, já que a partir do momento que aquilo está na obra, é aquilo que deve ser levado em conta e não interpretações extra filmes dos criadores, e, acidentalmente ou não, toda a estética anárquica e esquisita de Bom Comportamento exprime com exatidão a condição e o meio daqueles personagens, justamente por se tratar de figuras estranhas, maliciosas e moralmente corrompidas.
Connie parece ter apenas uma relação genuína e de respeito com seu irmão Nick, que ele tanto busca salvar, já que ele mantém um relacionamento “amoroso” (fica um tanto incerto do que se trata) com uma mulher mais velha (Jason Leigh, que aparece bem pouco, mas de forma marcante) apenas por motivos financeiros. E que o que se mais assemelha com uma “amiga” para ele é uma menina de 16 anos (Webster) que ele não hesita em beijar e sugerir uma relação sexual, apenas para desviar a atenção dela quando um noticiário sobre a procura dele aparece na televisão.
Se até mesmo o protagonista da obra se trata de um sujeito moralmente repugnante, o mundo de Bom Comportamento é retratado o tempo todo de uma maneira crua e sem nenhum pudor. Seja no ambiente imundo e escuro da casa de Crystal ou na desordem visual de um parque de diversões, os irmãos Safdie não tem parcimônia em mostrar o submundo das drogas e do crime de uma forma visceral e assustadora, sem nenhum tipo de glamourização.
Novamente, isso é refletido nos grãos que saltitam em ambientes escuros ou em alguns reflexos de luminárias que surgem na lente mesmo, que o que poderia ser visto como falta de cuidado por parte do diretor de fotografia, acaba sendo uma decisão acertada de Sean Price Williams, resultando em uma estética peculiar e condizente com o estado de espírito daquele universo.
O que torna Bom Comportamento mais fascinante (mas não mais tragável) é a ótima atuação de Robert Pattinson, que o afasta definitivamente do ator inexpressivo que explodiu com a franquia Crepúsculo, cuja inexpressividade em alguns momentos foi bem aproveitada dependendo do contexto (como em Cosmópolis, do Cronenberg). Aqui, Pattinson faz de Connie um rapaz que, mesmo pelas atitudes reprováveis, é sagaz em encontrar soluções inteligentes nas situações mais absurdas e cujas roupas amassadas e o cabelo desgrenhado, mais sua constante expressão de perigo e fugacidade espelha sua exaustão crescente.
Enquanto Benny Safdie torna Nick a figura mais inofensiva da trama pelo seu olhar disperso e fala vagarosa, Jennifer Jason Leigh, em poucos minutos, expõe a instabilidade emocional de Corey, seja pela carência que demonstra claramente diante de Connie ou sua infantilidade por viver igual uma criança diante da mãe controladora. O momento que reveza entre Connie tentando falar com seu irmão e Corey pagando algo com o cartão é sufocante e incômodo pelo desequilíbrio psicológico de todos os personagens.
Não apenas a passagem mencionada, como qualquer tipo de diálogo e entendimento que Connie tenta estabelecer com alguém é desconcertante pela bagunça sonora, a montagem frenética que por vezes não respeita o eixo e a agitada câmera na mão moldam a atmosfera inquieta e tensa do filme.
O roteiro de Josh Safdie e Ronald Bronstein, além de depender de personagens desprezíveis, usam de artifícios e viradas absurdas e irreais, que conseguem, sim, pela linguagem insana adotada pelos diretores ser aceitável e tolerada. Porém, são aparentes algumas barrigas no roteiro, como a excessiva duração da espera de Connie na casa de Crystal ou a explicação de um certo personagen de sua saga para chegar até ali, que serve para introduzir um elemento importante da trama, cujo desenredo não condiz com a relevância que depositamos nele durante a projeção.
Com um desfecho desalentador e esquisito, como quase todo o filme, Bom Comportamento é incômodo, excêntrico, inquietante e muitas vezes beira ao insuportável, mas por justamente aliar estética e linguagem ideais para retratar esse mundo de forma turbulenta, revela que os irmãos Safdie parecem terem consciência da obra difícil que criaram e por ser tão hábil em nos perturbar, ela alcança seu êxito.