Camocim é o retrato do clima eleitoral de 2014, ou melhor, da polarização que até hoje vivemos. O diretor Quentin Delaroche dá uma aula de propaganda política, mas mais do que isso mostra a força de uma mulher, a verdadeira face de quem estava e muitas vezes está por trás da figura masculina: uma figura feminina empoderada e lutadora. Assim como Historiografia, de Amanda Pó, esta obra traz uma redefinição do olhar sobre a mulher na sociedade.

Uma pequena cidade no interior do Pernambuco, Camocim de São Félix é o que parece até ser uma charge da política brasileira. A população se divide em duas vias: os vermelhos e os azuis. César Lucena, protagonista da obra, é do partido azul. A história segue a trajetória de César e sua equipe na tentativa de ser eleito a um cargo na Prefeitura da cidade.

As simples estratégias midiáticas e de propaganda são feitas na tentativa de viabilizar a imagem do político – como gravar um vídeo para as redes sociais ou um jingle. A construção narrativa consegue criar heróis e toda a tensão necessária para a solidez da estrutura da história. Mesmo em uma cidade com uma média de 18.000 habitantes, o realizador construiu muito bem uma verdadeira jornada do herói, com o guardião, momentos exóticos e um vilão oculto, porém, presente na vida do protagonista.

O filme traz uma reflexão sobre a política atual, como o desencorajar de parte da população que acha que nada vai mudar, votando assim em branco/nulo, as estratégias não muito leais para ganhar e a construção imagética de um político frente à sociedade. Durante a obra, a personagem Mayara passa de assessora do político ou protetora do protagonista para a personagem principal. O longa mostra seus sentimentos, seu desespero, a sua luta de corpo e alma para conseguir viabilizar o que assim como ela diz “nossos projetos”. O que mais nos conecta com Mayara é sua força de vontade e sua luta constante, sua humanidade. Ela não descansa, diferente do próprio candidato que à todo momento recebe “puxões de orelha” de sua assessora. Para quem tem sede por mudança e justiça, é contagiante ver a batalha da personagem para conseguir o que quer.

Quentin Delaroche trabalha muito bem os símbolos, ícones e a construção metafórica da obra. Em especial um plano em que Mayara está sentada num altar de uma igreja evangélica com o escrito Jesus em cima de sua cabeça, enquanto o candidato a vereador está pintando as paredes do local. O filme traz muitas imagens bem construídas e poéticas, o azul e o vermelho contagia a tela brigando com os tons marrons e escuros para contar a história. A homossexualidade de Mayara é um dos temas que ficam nas entrelinhas e não são abordados diretamente, o diretor deixa rastros e algumas cenas explícitas como a que ela está discretamente abraçada com sua companheira no bar. De qualquer forma, Camocim é a força dessa mulher, o seu olhar estratégico e dedicado para com a política, a sua força transcendendo a arte.

Algumas cenas do filme são exóticas assim como a situação política atual do Brasil, em que um personagem despreparado, sem planejamento e cheio de problemas é considerado por grande parte um herói. Especificamente a cena do Trio Elétrico, que completa o retrato do Brasil, a luta de um país latino-americano cheio de problemáticas, mas que ao mesmo tempo tem muita cor e festa. A obra estreou em grandes Festivais como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Festival de Brasília, Tiradentes e Janela Internacional de Cinema do Recife e deveria sem dúvidas chegar a maior parte da população como um exercício de auto-crítica e análise de comportamento.

Camocim

Camocim

Ano: 2018
Direção: Quentin Delaroche
Roteiro: Fellipe Fernandes, Quentin Delaroche
Elenco principal: Mayara Gomes, César Lucena
Gênero: ​Documentário
Nacionalidade: Brasil

Avaliação Geral: 4