Por Jenilson Rodrigues

Richard Linklater sabe valorizar um pôr do sol como ninguém. Sabe transpor para a tela emoções através de simples expressões. Consegue levar o espectador para dentro de suas histórias, sem necessariamente fazê-lo se identificar com seus personagens. Tem a habilidade de tirar do lugar comum o cinéfilo viciado em sensações repetitivas como surpresa, ódio, tensão, tristeza, amor, superação, inspiração. É um diretor capaz de iludir e ao mesmo tempo deixar bem claro o lugar do filme e de quem o acompanha.

Em sua nova obra as transformações, sofridas por Mason e sua família, são apresentadas num ritmo próprio, com ou sem emoção, cruamente ou acompanhadas por imagens impressionantes, de forma silenciosa ou embaladas por uma trilha sonora peculiar. Regras não se sobressaem frente a exceções. E vice-versa. Nem o velho questionamento acerca do tempo de duração do longa cabe nesse caso, afinal são doze anos fielmente retratados em pouco menos de três horas.

São 165 minutos para se render a um roteiro que pode causar a ilusória impressão de simplicidade. Tempo suficiente para acompanhar uma trajetória de forma delicada, sem se apegar a nenhum momento em especial e nem mesmo esperar pela grande guinada que ligará todo o fio da trama. A cada instante é possível ir crescendo no espectador o sentimento de que a história existe por si só, evidenciando a força que ela tem e deixando bem claro que não precisa provar nada para ninguém.

Linklater fez uma construção muito parecida com o que aconteceu na trilogia Antes do Amanhecer (1995), Antes do Por do Sol (2004) e Antes da Meia Noite (2013). Em Boyhood foram doze anos acompanhando uma mesma equipe e um mesmo elenco, que por sua vez acabou transformado junto com seus personagens, causando a impressão de algo que vai além de uma representação. Ethan Hawke retorna a mais um longa do diretor, como o pai de Mason, num papel semelhante ao personagem Jesse, um sujeito de personalidade forte, loquaz, meio irresponsável e com aptidão artística, ligada dessa vez à música.

A cena do pai de Mason cruzando a estrada na sua minivan – com o filho ao lado já com 15 anos e a atual esposa no banco de trás com o bebê – se deixando ultrapassar com facilidade, parece denotar a mudança na sua conduta causada pelo tempo. Ele já não possuía mais o modelo possante veloz que dizia muito sobre ele há alguns anos antes, mas que passara a ser objeto de desejo do filho. É como se esse momento representasse a desaceleração natural da vida que culmina com a troca de papéis e de interesses.

E é exatamente na estrada rumo ao que está por vir que a experiência de Boyhood vai ganhando tons interessantes num equilíbrio entre boas canções e paisagens de encher os olhos. É possível acompanhar desde uma pedalada ligeira na bike do pequeno Mason no parque ao som de The Hives, até uma viagem tranquila ao campo com a família, desacelerando com Band on The Run sendo executada ao fundo. A sensação, porém, é sempre a de que tais instantes não dependem destes recursos e que eles apenas complementam e fazem parte realmente da história, sem desviar o foco, se tornarem maiores ou destoar de toda a trama.

As metamorfoses – retratadas de forma equilibrada – na trajetória de Mason e sua família não passam nem perto da curva da monotonia. Elas aparentemente demonstram que a vida não funciona no mesmo ritmo para todos, e que essa constância que parece irritar alguns diante da tela, pode estar mais próxima de cada um do que se imagina. O próprio Mason em determinado momento conclui: “Parece que sempre é o agora”. E ao sair do cinema ao som de Deep Blue, do Arcade Fire, alguns versos podem ficar martelando na mente por algum tempo, enquanto se aguarda a próxima viagem de Linklater:

“Here, in my place and time
And here in my own skin
I can finally begin
Let the century pass me by
Standing under the night sky
Tomorrow means nothing.

Cinemascope - Boyhood posterBoyhood – Da infância a juventude (Boyhood)

Ano: 2014

Direção: Richard Linklater

Roteiro: Richard Linklater

Elenco Principal: Ellar Coltrane, Ethan Hawke, Lorelei Linklater, Patricia Arquette.

Gênero:Drama

Nacionalidade: EUA

 

 

 

 

Veja o trailer:

 

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