Por Domitila Gonzalez e Joyce Pais


Sob muitos holofotes chega às telas de cinema do Brasil a mais recente obra do diretor Darren Aronofsky. Conhecido mundialmente por Réquiem Para um Sonho, o expoente de sua carreira, pelo menos até antes de Cisne Negro, o cineasta imprime em seu trabalho não só suas características mas, principalmente, o fascínio pelas fraquezas e imperfeições humanas. Esta é a essência deste que está cotado como um dos possíveis ganhadores do Oscar 2011 na categoria melhor filme.Tendo como protagonista na pele de Nina a atriz do momento Natalie Portman, em Cisne Negro somos presenteados com duas “Natalies” bem distintas: uma frágil e perfeccionista, e outra perigosa. Filha de uma frustrada bailarina que foi obrigada a abandonar a carreira por conta de uma gravidez não planejada, Nina lida diariamente com a pressão de si mesma e de sua mãe que constantemente a infantiliza, haja visto a rosada decoração do seu quarto, suas bonecas e sua porta que nunca pode estar trancada, estabelecendo assim uma relação que une superprotecionismo e projeção de frustrações pessoais.

Cisne Negro é intenso. Em cada nota, em cada blackout, em cada ângulo de espelho quebrado e gota de suor em close-up. É um filme sobre arte. E um dos mais verdadeiros, tratando de perto a desconstrução do artista para a construção do personagem. Em uma produção como esta, para se alcançar o êxito visto pelo espectador, o diretor repetiu a parceria que fez com Mansell (trilha sonora) em Réquiem Para Um Sonho, e com Matthew Libatique (fotografia), emProtozoa, em 1993.

Natalie Portman construiu seu personagem com exaustivos treinos diários de cinco horas de ballet. Nina construiu a Princesa Odete com uma vida inteira dedicada à dança e quando precisou desconstruir a ideia de perfeição que tinha em prol do Cisne Negro, para a execução de O Lago dos Cisnes de Tchaikovsky, encontrou a sua limitação mais forte: o medo de arriscar.

Acirrar a competição pelo papel torna tudo mais interessante, principalmente em se tratando de Lily (Mila Kunis), fundamental para o desenvolvimento da trama. Lily tinha o que a outra metade não havia descoberto dentro de si: sensualidade, sexualidade, voracidade e ousadia, seguida por uma segurança assustadora de si própria.

É um filme que explora os sentidos, assim como o mais famoso e alardeado do diretor Darren Aronofsky, Réquiem para um sonho. Quem arrepia com o dilatar das pupilas do personagem de Jared Leto sente na pele os poros da frágil bailarina se transformando em poros de cisne.

E as sensações e aflições não param. São sempre relacionadas à pele: os poros já citados, as penas, o corpo mudando, a pele saindo e revelando um dedo sangrento sob a água da torneira. Dar o sangue, para a protagonista do espetáculo, é uma expressão usada em seu sentido literal, como o é para a maioria dos bailarinos. As bolhas e roxos existem e a dor faz parte da rotina, assim como o prazer. Ambas as sensações andam de mãos dadas.

Outros elementos da rotina do ballet estão presentes e carimbam com verossimilhança as cenas do filme. Ensaios e repetições exaustivas, o pianista, a sessão de fisioterapia, a perda de peso, o quebrar e costurar sapatilhas de ponta e a disputa por um papel são elementos que transportam o espectador para o mundo da arte, o mundo de Nina.

O espelho deixa de ser um truque do diretor para virar um componente a mais do elenco, o que pode condenar ou coroar um bailarino. Expor vaidades e defeitos, avessos e direitos. Esse é o papel do espelho, presente em cada mirada desesperada, dando às cenas o toque especial do detalhe, tão necessário.

Os diferentes significados desse elemento tão importante na obra fascinam. Além de suas diversas simbologias recorrentes na produção cinematográfica, há o que o sociólogo francês Edgar Morin chama de “presença de ausência”: é como se houvesse o desgarramento de um duplo, inserido no processo de percepção da nossa própria existência.

Nesse terror psicológico, os espelhos deformam as fronteiras do real e do irreal confundindo-se em uma inter-relação psico-semiótica. Os dois universos, dos quais o primeiro é o limiar para o segundo, não tem pontos de encontro. Quanto mais se olha, mais se aproxima do imaginário, da sublimação. Fixada num ponto, o reflexo anula qualquer tentativa do olhar de comprender o indizível.

Vale salientar a volta de Winona Ryder para um filme de destaque no papel de Beth Macintyre, uma veterana que se viu obrigada a forçar sua aposentadoria para dar espaço a alguém mais jovem, no caso, Nina. Ela atuou como um retrato assustador do futuro que aguardava a promissora bailarina obcecada por seu objetivo.

A figura do coreógrafo/diretor (Vicent Cassel) é tão importante quanto a de Lily para o desenvolvimento da personagem de Portman. Ambos conduzem sua metamorfose para o cisne negro, seja convidando para um drink ou deixando uma lição de casa ousada, mas necessária: masturbe-se, hoje, antes de dormir.

E com este tripé, o público acompanha toda a transformação do filme. Os mais atentos – ou ousados – questionam-se: acompanhamos a morte de Nina, a morte do cisne, como personagem do espetáculo, ou ainda o fim de apenas uma sessão? Afinal, “todas as pessoas morrem uma única vez; já os atores podem morrer todos os dias e aos sábados, domingos e matinês a preços populares (Nelson Rodrigues)”.

 

Cinemascope---Cisne-Negro-PosterCisne Negro (Black Swan)

Ano: 2010.

Diretor: Darren Aronofsky.

Roteiro: Andres Heinz e Mark Heyman, baseado na história de Andres Heinz.

Elenco Principal: Natalie Portman, Barbara Hershey, Winona Ryder.

Gênero: Suspense.

Nacionalidade: EUA.

 

 

 

Veja o trailer:

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