Adaptação da peça de Fernando Ceylão, que também assina o roteiro do filme, Como é Cruel Viver Assim, dirigido por Julia Rezende (Meu Passado Me Condena), é uma desgovernada e malsucedida tentativa de transformar uma dramédia nonsense em um objeto cult – que desse conta de articular drama urbano, ação, comédia, reordenando as várias peças de um quebra-cabeça –, assim como fez, com sagacidade, 2 Coelhos (2012).
A trama se concentra, sobretudo, em quatro personagens sem muita perspectiva de vida, mas com um plano em comum: sequestrar um ricaço e viver da grana do resgate. O problema é que nenhum deles tem habilidade suficiente para levar o plano adiante sem causar estrago e confusão.
Contando com um elenco de primeira, como Fabiula Nascimento, Milhem Cortaz e Otávio Augusto, o longa oferece atuações caricatas, como a de Paulo Miklos, vivendo pela enésima vez o ‘cara-marginal-malvado’, adicionando aqui uma abordagem cômica que não provoca nem medo e nem riso. O destaque fica por conta de Regina, vivida por Débora Lamm. Dúbia, extravagante, manipuladora, esta personagem é a única que sobressai. Convincente desde sua primeira aparição, ela imprime a noção real do perigo e da falta de escrúpulos, denotando o que seria capaz para alcançar seus objetivos gananciosos, aliando tudo isso à momentos de humor escrachado.
Lançando mão de uma fotografia saturada e vivaz, mesmo quando se apoia nas cores mais frias, a sensação é de sufocamento, não só porque a trama é ambientada no Rio de Janeiro (e convenhamos, não é fácil sobreviver àquele calor!), mas principalmente pela situação na qual estão presos, sem uma janela convidativa ou próspera para o futuro. Com o uso de uma montagem ágil, câmera na mão e enquadramentos que reforçam a noção de isolamento e desespero dos envolvidos, como super closes ou planos em que estão pequenos, posicionados no canto do quadro, às vezes até “oprimidos” pelas bordas do quadro, por exemplo.
Sem conseguir articular os gêneros que abraça de maneira eficaz, o roteiro é um dos deslizes mais evidentes do longa, repleto de gags, cuja função dramática não fica clara. O mais impressionante é ver como comportamentos abusivos e agressivos, todos eles contra mulheres, é claro, são inseridos de maneira leviana, romântica até. Vide as constantes tentativas de Vladimir para humilhar Clivia, do começo ao fim (literalmente), isso só para citar o casal protagonista. Tal problemática de gênero é comumente vista nos filmes globais que a diretora Júlia Rezende está acostumada a trabalhar.
Como é Cruel Viver Assim não exerce uma faísca de empatia por seus personagens-losers. Sendo assim, é quase impossível torcer por suas jornadas.
*Crítica publicada como parte da cobertura do 1° Festival Internacional de Mulheres no Cinema.