Por Joyce Pais

Pra quem passou boa parte da adolescência durante os anos 90 rindo das piadas e esquisitices do paleontólogo Ross Geller do famoso e icônico seriado Friends se surpreende ao ver que ele migrou das telas para os bastidores, ou seja, para o outro lado do processo de produção. Seguindo uma tendência em Hollywood de atores que em determinado ponto da carreira passam a se dedicar à direção, David Schwimmer segue o mesmo caminho dos bem sucedidos George Clooney, Ben Affleck, dentre outros.

Segundo filme de David, (o primeiro foi a comédia Run Fatboy Run), Confiar entra em contato com um assunto largamente debatido e bastante delicado – os perigos da internet.  David Schwimmer trata do tema com seriedade e respeito; o fato de ser membro de uma fundação que presta apoio a vítimas de crimes sexuais, a Rape Foundation, trouxe ao longa maior veracidade, o que seria dificilmente alcançado caso conduzido segundo um viés mais sensacionalista, por exemplo.

Confiar conta a história da jovem Annie Cameron (Liana Liberato) que depois de ganhar do seu pai, Will (Clive Owen), um notebook de presente de aniversário, adentra o mundo virtual pelas salas de bate papo – ferramenta muito popular na rede. Rapidamente passa a dedicar menos tempo às tarefas de sua vida real e cotidiana; as conversas com seus pais na mesa de jantar são cada vez mais rápidas, para que ela possa interagir com Charlie (Chris Henry Coffey), amigo virtual que conheceu em um chat.

As conversas que se iniciaram na internet, com o tempo passam a ser feitas também por celular e não demora pra que Charlie proponha um encontro com a garota. O problema é que no começo Annie acreditava que seu novo “amigo” tinha apenas alguns anos a mais que ela e pessoalmente descobre sua idade real: mais de trinta anos.

Se aproveitando do envolvimento afetivo de Annie e de sua fragilidade psicológica, Charlie a leva para um quarto de hotel e ali, sem muitas palavras, a convence a ter relações sexuais com ele, dando o primeiro passo para a desgraça familiar que vem se abater em seguida.

A partir daí começam duas investigações paralelas para encontrar o pedófilo (que descobre-se já ser procurado por outros crimes sexuais), a do FBI e a do pai de Annie. O desespero de Will reflete diretamente em sua relação com a filha e com a mulher, Lynn (Catherine Keener), colocando em cheque valores enraizados em qualquer estrutura familiar, como a proteção paterna e os limites da privacidade.

No longa, a noção do abuso ganha diversas facetas. Temos a visão de Annie, a do pai, dos que estão ao redor e, portanto, mais distantes da situação. A garota associa sua relação com Charlie e o que aconteceu de maneira natural e inocente, vinculando alguns fatos a sua vida cotidiana, como quando diz que só passou no teste para o time de vôlei do colégio porque Charlie a ajudou dando conselhos. Apesar de ser a maior prejudicada pelo drama todo, sua percepção é bem diferenciada e denuncia como pode funcionar a mente de alguém de sua idade vítima de tal violência, que não se restringe somente ao físico, mas principalmente ao psicológico.

O desenrolar da história e sua resolução caminham lentamente, arrastado, assim como a espera de qualquer um que passe por isso e torça todos os dias para que o pesadelo chegue ao fim. Entrelaçado por altos e baixos, por avanços e regressões na investigação, as perturbações psicológicas dos personagens encontram seu ponto mais nítido na figura do pai que tem alucinações no meio de um coquetel da empresa onde trabalha com anúncios publicitários.

E é aqui que entra uma crítica colocada quase como um sorriso irônico no final de uma frase. Na cena do coquetel, o local foi decorado com imagens da campanha de Will, nas fotos de modelos bem novas seminuas, com roupas provocantes surgem flashes na cabeça de Will e ele começa a enxergar sua filha nos rostos das modelos. Cabe pensar em como nossa sociedade estimula e incita a sensualidade de crianças e jovens como se fossem algo natural, ainda que isso não seja, em hipótese alguma, justificativa para qualquer tipo de violência.

É uma pena que aqui no Brasil o filme não tenha tido muita repercussão e popularidade, mas para os que tiveram a chance de assistir Confiar, o recado de Schwimmer foi dado, fica a reflexão e a ideia de que a evolução tecnológica deve ser encarada não só como uma questão técnica, mas sobretudo social.

 

Cinemascope---Confiar-PosterConfiar (Trust) 

Ano: 2010.

Diretor: David Schwimmer.

Roteiro: Andy Bellin, Robert Festinger.

Elenco Principal: Clive Owen, Catherine Keener, Viola Davis.

Gênero: Drama.

Nacionalidade: EUA.

 

 

 

Veja o trailer:

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Galeria de Fotos: