Por Wallacy Silva
Metafórico. Talvez esse seja o melhor adjetivo para definir o “novo” trabalho de Marcos Jorge em parceria com Fernando Severo, Corpos Celestes. Novo entre aspas porque o filme foi filmado em 2006, finalizado em 2009/2010 e só agora chegou ao circuito comercial. As reflexões sobre as relações humanas, a filosofia e a astronomia defrontam-se e tornam o filme tão instigante quanto a infinitude e os mistérios do universo.
O filme é dividido em duas partes. Na primeira, estamos em 1969, ano em que o homem pisou pela primeira vez na Lua. O pequeno Chiquinho (Rodrigo Cornelsen), curioso, começa uma amizade com um estranho habitante da cidade, taxado como louco, o americano Richard (Anter Rohit). O estrangeiro passa a ensinar ao menino tudo sobre os planetas, as estrelas e o universo. Richard está em constante crise e comete suicídio, deixando como herança para Chiquinho seu velho telescópio, a paixão pela astronomia e a oportunidade de estudar fora do país.
Na segunda parte, nos deparamos com o conceituado professor Francisco (Dalton Vigh), que leciona astronomia em uma universidade. Chiquinho, agora adulto, está fadado a ficar como o amigo de infância Richard, solitário e antissocial. Mas aparece em sua vida Diana (Carolina Holanda) para tirar o professor completamente de sua órbita. A misteriosa e linda jovem, além de despertar sentimentos dos mais diversos mais diversos em Francisco, também provoca-o e questiona-o acerca da forma como ele vive e da ciência para a qual ele dedicou toda a vida. Quem também trava contato com Francisco é Greg (Jeff Beech), filho de Richard, que em busca de informações sobre o pai acaba por reforçar os laços inquebráveis que o professor tem com o próprio passado.
Como destacado no início do texto, é necessária muita atenção com as metáforas e mensagens ocultas que estão no filme. Nomes, falas aparentemente sem importância, ações e reações, um caminhão que passa na estrada, um sonho, um quadro, tudo possui um significado a mais do que aquele esperado. Os embates filosóficos ficam por conta de Diana. Francisco, em uma de suas aulas, explica a imensidão do universo através de uma metáfora. Se o universo fosse uma catedral, nossa cadeia de galáxias seria pouco menos que três grãos de areia. “Vale a pena dedicar a vida a três grãos de areia?”, questiona Diana. As relações entre o mundo da astronomia, do infinito, do imensurável, com o mundo dos “mortais”, do finito, são debatidas nos diálogos dos dois.
A produção artística teve um grande desafio e deu conta do recado. Do mais comum, o ambiente simplório da cidade em que vive Chiquinho, ao mais transcendente, as estrelas, seja nas cenas ao ar livre ou dentro de um planetário, o filme impressiona com belas imagens. O trabalho de Kátia Coelho foi premiado em 2009 no Festival de Gramado, melhor fotografia. O diretor de arte é Daniel Marques.
Em uma cena muito interessante, no melhor estilo Janela Indiscreta, o garoto Chiquinho, mexendo no telescópio de Richard, volta-o para a terra ao invés de para o céu, e vê o seu pai (Zeca Cenovicz) com algumas prostitutas. Crescido, Francisco é muito diferente de qualquer personagem do cinema ou da literatura com o qual ele possa ser comparado, se valendo do egoísmo ou da introspecção. O que passa com Francisco é que, diferentemente de Chiquinho, ele já não se interessa pelo mundo ao seu redor, mas olha somente para o céu. Os seres humanos têm sua insignificância destacada, são “pouco mais que nada, pouco menos que pó” diante do universo, conforme a fala do próprio professor. Mas o que o protagonista não imaginava é que ele poderia se deparar com um universo em que nós, uns diante dos outros, somos muito mais que isso.
Ano: 2010.
Diretor: Marcos Jorge e Fernando Severo
Roteiro: Carlos Eduardo de Magalhães, Mário Lopes, Fernando Severo e Marcos Jorge.
Elenco Principal: Dalton Vigh, Carolina Holanda, Rodrigo Cornelsen, Antar Rohit, Alexandre Nero, Jeff Beech, Zeca Cenovicz.
Gênero: Drama.
Nacionalidade: Brasil.
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