Por Ana Carolina Diederichsen
Estamos dentro de uma casa repleta de janelas e paredes de vidro com vista para o mar. Com a câmera parada, em uma longa sequência, é possível avistar ao longe um homem desembarcando de um táxi. Tranquilamente ele entra na casa, e fecha todas as cortinas. Não contente, ele retira de suas malas imensos panos pretos e sobrepõe às cortinas. O comportamento obsessivo causa certo estranhamento, mas o choque se dá mesmo quando, depois de cobrir todas as janelas, ele retira um lindo cãozinho de uma de suas malas. O mais curioso é que ele demonstra muito carinho pelo animal. Então é inevitável se perguntar: por que diacho ele guardou o cachorro numa mala? Quem teria um comportamento tão cruel com um animal que nitidamente (e reciprocamente) é adorado por ele? Nos próximos minutos já temos nossa resposta.
Por engano, o cachorro acaba ligando a televisão num noticiário que fala sobre a proibição de cachorros em ambientes públicos, sob a pena de morte para o animal (uma lei iraniana que até então desconhecia). O estranhamento inicial se converte em alívio. Agora faz sentido ocultar as janelas para proteger o precioso melhor amigo do homem. Aos poucos o homem vai entrando numa rotina e começa a escrever um roteiro, sempre interagindo com o cão. No meio da noite, ao abrir a porta para trocar a areia de necessidades do cachorro, um casal de irmãos entra na casa. Nervosos e temendo a policia que está em seu no encalço, o obrigam a acolhê-los. O irmão sai e deixa a mulher aos cuidados do homem, mas não sem antes informá-lo de suas tendências suicidas.
Tendo isso em mente, ele volta a escrever, mas a mulher parece tentar impedi-lo, roubando, a todo momento, sua atenção. As situações são postas de maneira a romper a lógica tradicional. Personagens somem e reaparecem, confrontam-se entre si e divagam. A mulher, sempre impetuosa, retira os panos das janelas e quebra os vidros, expondo a si mesma, ao homem e ao cão. Outro personagem surge e parece tentar corrigir, esconder e consertar a confusão. O filme vai evoluindo de maneira intrigante e surpreendente. Usa da metalinguagem, mas vai além. Brinca com alguns aspectos da criação e perverte a realidade. Permite leituras distintas e deixa a cargo do espectador a decisão sobre a qual delas vai se apegar. Ou aquele homem se refugiou naquela casa e encontrou uma mulher ousada e em fuga, ou aquela casa é uma metáfora para ilustrar a reclusão confusa a que o cineasta foi submetido.
Para entender ainda melhor o filme, precisamos falar um pouco da história do diretor (que aparece no filme, interpretando a si mesmo) Jafar Panahi. Cineasta premiado em diversos festivais com uma carreira bastante sólida, teve seus filmes proibidos dentro do Irã. Em função de seus retratos realistas e críticos através de seus filmes, foi preso e proibido de filmar, escrever ou dar entrevistas. Além disso, foi condenado à prisão domiciliar por 20 anos. Cortinas Fechadas foi, então, rodado escondido e ilegalmente distribuído, exatamente como o nome e a trama sugerem, às escuras.
Para esta espectadora que vos fala, a casa de cortinas fechadas é a alegoria de um refugio. Nele, o diretor acolhe seus personagens, histórias e cachorros proibidos para tentar continuar existindo sem ser consumido pela insanidade. Isso, até que o lado mais selvagem dele se revela na figura da mulher e decide arrancar as cortinas que o exilam e se expor, ciente dos riscos que isso acarreta. Ele optou por enfrentar a repressão, lançar um filme proibido para não anular tudo aquilo que o constitui e que vive, latente, dentro dele. Esse é um daqueles filmes com várias camadas. O longa se sustenta sozinho, sem necessidade de pesquisas aprofundadas, mas conhecendo o contexto no qual foi feito, se enche de riqueza. De um bom filme, ele passa a ser uma preciosidade. Corajoso. De um jeito ou de outro, é um filme obrigatório para os amantes da sétima arte. Resta ainda um questionamento que pode render horas de discussão num boteco: se os personagens representam todas as diversas facetas de si mesmo, cada qual revelando uma parte importante de sua personalidade, quem é o cachorro nessa história? Aquele que é o bem mais precioso e querido de todos, que deve ser protegido a todo custo? A liberdade, o desejo, a inspiração, ou quem sabe, o próprio cinema…
Ano: 2013
Diretor: Jafar Panahi e Kambuzia Partovi
Roteiro: Jafar Panahi
Elenco Principal: Kambuzia Partovi, Maryam Moqadam, Jafar Panahi.
Gênero: Drama
Nacionalidade: Irã
Assista o trailer: