Dona Flor (Juliana Paes) é uma mulher fogosa, casada com o cafajeste Vadinho (Marcelo Faria). O relacionamento tem lá seus problemas, mas eles se dão bem na cama. Como nem tudo são flores (literalmente), a vida de excessos de Vadinho o leva a uma morte precoce. Flor, então, casa-se com outro sujeito, o respeitador Teodoro (Leandro Hassum). No entanto, insatisfeita sexualmente na nova relação, ela acaba sendo atormentada por visões do fantasma de seu primeiro marido.

A trama do longa Dona Flor e Seus Dois Maridos, inspirada no clássico de Jorge Amado, tem todos os elementos de uma boa comédia de costumes. Situada na Bahia, a história fala sobre uma mulher em conflito entre o casamento adequado e as necessidades da carne, sempre com pitadas de bom humor. O problema é que, sem a prosa gostosa e brincalhona de Jorge Amado, a versão mais recente do romance nas telas tem cara e jeito de novela.

Escrito e dirigido por Pedro Vasconcelos, conhecido por seu trabalho em minisséries e novelas globais, o filme erra no tom e, principalmente, nas escolhas visuais. Não se trata apenas de passar longe da ingenuidade e da poesia do Dona Flor e Seus Dois Maridos de Bruno Barreto (1976), com Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça – filme recordista de público no cinema brasileiro por mais de três décadas. A releitura da história, em pleno ano de 2017 e em meio a discussões sobre a representatividade feminina na mídia e no entretenimento, consegue tirar da protagonista toda a vontade própria e profundidade.

Dona Flor, nesta versão, não é mais do que uma sedutora apaixonada por um malandro, um homem que sequer consegue ser suficientemente charmoso a ponto de fazer o espectador “perdoar” seu comportamento abusivo. Não há tempo para estabelecer nenhum dos relacionamentos e o público é obrigado a acreditar que ela ama Vadinho do nada, simplesmente porque sim. Um “amor” do qual a personagem teoricamente precisa para “ser inteira”. Quando, finalmente, ela se livra do primeiro embuste, a motivação para que Flor se case pela segunda vez é a mesma: nenhuma em especial.

As viradas bruscas entre drama e comédia, acompanhadas por um excesso de planos próximos e de inexplicáveis enquadramentos em dutch angle (ou “ângulo holandês”, no qual a câmera é colocada em posição inclinada), servem apenas para deixar o espectador cansado e desnorteado. É nesses exageros estilísticos e de interpretação que se perde boa parte da comicidade. Além disso, um punhado de inserções de narração em off da protagonista aparece em momentos aleatórios, sem coerência alguma.

Outro aspecto que incomoda no filme é a trilha musical, repleta de canções já usadas inúmeras vezes na televisão. Em todas as cenas, a música entra de maneira invasiva e não dá um minuto de descanso ao espectador. Os efeitos sonoros novelescos também não ajudam em nada (vide sons de “disco furado” recorrentes em momentos supostamente engraçados, usados de maneira tão desnecessária que chegam a irritar).

Irrita também a objetificação da personagem de Juliana Paes. Em determinada cena, a câmera paira sobre os peitos da atriz, colocando-os em evidência no quadro, e os realizadores não parecem querer perder nenhuma oportunidade de ressaltar o corpo dela. É Vadinho quem passa a maior parte da história nu (já que o fantasma aparece “como veio ao mundo”), mas sua nudez é usada para efeito cômico, enquanto a dela busca sempre o puro erotismo.

Esse olhar simplista sobre a protagonista acaba limitando Dona Flor à mera representação da mulher safada, que não consegue controlar o próprio corpo. Ela resiste às investidas do espírito do ex-marido, porque se considera uma pessoa séria, mas ele insiste um pouco e, por fim, ela cede. Típico estereótipo da “gostosa sem vergonha”, não é mesmo?

Sem a devida sutileza, todos os personagens se transformam em caricaturas rasas e sem graça. Boa parte do longa se passa entre a ladainha de Vadinho (“quero te comer”) e o conflito de Flor (“não posso trair meu atual marido”). Se eles já estão se agarrando enquanto esse vai e vem acontece, qual a dúvida sobre o desfecho? O que deveria ser o desenvolvimento da história e dos próprios personagens se torna um punhado de esquetes repetitivas, previsíveis e constrangedoras.

Já que o filme não aborda as complexidades da obra original, especialmente a dicotomia tão brasileira entre a alegria e a seriedade, o prazer e o compromisso, o trabalho e a malandragem, poderia pelo menos ter dado à protagonista algum sangue nas veias. Enquanto um marido batia nela, extorquia seu dinheiro e a traía com várias outras (e ainda achava um absurdo ter que conquistá-la de novo depois de morto), o outro era um almofadinha que tratava a mulher como uma propriedade ou uma empregada ao seu dispor só porque lhe dava alguma segurança financeira. Com dois maridos como esses, Dona Flor estaria melhor mesmo é sozinha.

 

Dona Flor e Seus Dois Maridos

Ano: 2017
Direção: Pedro Vasconcelos
Roteiro: Pedro Vasconcelos
Elenco principal: Juliana Paes, Leandro Hassum, Marcelo Faria, Nívea Maria, Ana Paula Bouzas, Cassiano Carneiro, Duda Ribeiro, Fabio Lago
Gênero: ​Comédia, Drama
Nacionalidade: Brasil

Avaliação Geral: 2