De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), somente no Brasil aproximadamente 2 milhões de pessoas apresentam algum grau do Transtorno do Espectro Autista, ou Autismo, como é mais conhecido. Ainda assim, não é tão comum como se espera ver esse tema sendo abordado no cinema, especialmente em âmbito nacional. Quando o é, nos deparamos com algumas romantizações e estereotipamentos do transtorno que, apesar de renderem belas histórias, não retratam com muita fidelidade o dia a dia de quem convive com o Autismo.
Alguns longas famosos como em Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador, de Lasse Hallstrom, que rendeu a Leonardo DiCaprio uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1994, Rain Man, de Barry Levinson, que deu a Dustin Hoffman o Oscar de Melhor Ator em 1988, contribuíram para desenhar certa imagem sobre quem está em algum nível do TEA. Porém, assim como aparece em uma das falas iniciais de Em um mundo interior, nenhum autista é igual ao outro. Assim como nenhuma família e nenhuma realidade também. E é partindo desse princípio que a narrativa se constrói.
Dirigido por Flavio Frederico e Mariana Pamplona, que por dois anos acompanharam a rotina de sete famílias em diferentes regiões do Brasil, o filme participou da seleção oficial do É Tudo Verdade de 2017. Durante sua pouco mais de uma hora, o espectador é apresentado às histórias de Enzo, Julia, Roberto, Igor, Isabela, Mathias e Eric. Com idades entre 3 e 18 anos e diferentes graus e intensidades do transtornos, eles vão aos poucos mostrando suas conquistas, dificuldades e a rotinas. Porém, o aprofundamento em cada história varia e é daí que vem um dos problemas da obra.
Com o objetivo de abordar especialmente a questão da inclusão, os diretores deixam com as crianças câmeras para que registrem o seu dia a dia. Recurso interessante e que rende cenas poéticas, porém, pouco aproveitado. Alguns dos retratados não chegaram a utilizar o aparelho, o que pode justificar sua fraca inserção, no entanto, o assunto aparece espaçado durante a narrativa, quase esquecido. Tal sensação se mantém com algumas das histórias que parecem ser apresentadas, mas deixadas de lado conforme o roteiro avança.
É clara – e bastante positiva – a intenção da dupla de não transformar essas vidas em algo dramático ou exageradamente sensível, o que por um lado é muito bom, pois, apresenta essas pessoas como seres humanos, com vidas que vão além do autismo, apesar dele ser parte delas. Porém, é esse mesmo modo de conduzir que faz com que o documentário possa, com muita facilidade, se passar por uma reportagem televisiva que foi reorganizada para uma versão longa. O que de ruim não tem nada, mas impede um aprofundamento que seria muito interessante de se ver.
Mesmo com essas questões, Em um mundo interior é uma obra necessária e importante. Atual, ela traz as diferentes terapias e atividades que podem possibilitar uma melhor inclusão do autista, mas que em muitos casos são inacessíveis. O filme mostra também como é importante não segregar, mas sim fazer com que a sociedade aprenda a acolher quem não se enquadra em seus padrões e aceitar, como um de seus personagens diz, que autismo (e não somente ele) não é uma doença, mas uma forma de estar no mundo. Mesmo que seja no seu próprio interior.