Em 2008 um estudante de cinema do Rio de Janeiro chamado Matheus Souza, lançou seu primeiro longa: Apenas o Fim. O roteiro inusitado, contava a história de um casal formado por um nerd e uma bela garota, que a primeira vista é “muita areia para o caminhãozinho” do moço. Em seu último dia de relacionamento, a moça dá a notícia que precisa terminar com o rapaz por que ela vai embora para um lugar indefinido. O filme se desenrola, então, nos últimos momentos do casal e uma tentativa desesperada do Nerd de entender os motivos da separação e que destino a moça terá. Na época que assisti, fiquei encantado por ser um filme que foge, principalmente, dos padrões atuais do cinema nacional que chega ao grande público, que se abriga, em sua maioria, em adaptações de programas da TV.

Passado alguns anos, o diretor lança seu segundo longa, com um nome tão comprido quanto a faixa de um disco indie: Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida (2013). No filme, Clara, interpretada por Clarisse Falcão, está matriculada no faculdade de medicina, mas não tem muita certeza se é isso mesmo que ela quer para a sua vida. Acaba sempre matando aula e vagueando pelas redondezas da faculdade. Numa dessas, ela conhece Guilherme, que trabalha no boliche de seu pai, e acabam fazendo amizade. Juntos, eles vão tentar encontrar alguma profissão que se encaixe no perfil da moça, conversando com diferentes pessoas de diferentes áreas e fazendo experimentos possíveis para resolver essa questão.

O primeiro ponto que chama atenção aqui é uma visão interessante do diretor, que parece entender bem a sua geração (que também é a minha). Nós, atualmente, sofremos pelo excesso de possibilidades. Se nossos pais tinham as suas limitadas, como herdar a oficina do pai ou trabalhar na fábrica da cidade, o nosso leque vai desde essas profissões mais tradicionais, até se tornar um youtuber e ganhar dinheiro enchendo uma banheira de Nutella. Isso se torna um agravante por não termos nenhuma certeza concreta de que aquilo nos traria felicidade, que é um termo bem recente em se tratando do quesito profissão. Dificilmente nossos pais escolheram o futuro profissional pensando nisso. Certamente o objetivo era arranjar um emprego que desse condições de comprar uma casa e criar os filhos. Hoje nós temos a possibilidade, além das mais tradicionais, não casar, amigar, não ter filhos, ter um relacionamento aberto, poli amor, trabalhar de casa, ser budista, ateu e até pedir comida pelo aplicativo. Tanta liberdade de escolha acaba sendo assustador, até aterrorizante, a ponto de que a personagem Clara não consegue se mover, nem fisicamente.

Talvez uma”limitação” do filme é restringir essas “tormentas” somente à uma classe média e branca, que tem mais liberdade de escolha. Um ambiente que é possível que os filhos fiquem por conta de estudar o curso que quiserem. Enquanto que o grosso da população não tem tais condições. A maioria precisa encarar uma jornada dupla de trabalho e faculdade para manter os estudos e a escolha de um curso tem de ser muito bem pensada por os custos serem muito altos. O que não podemos é diminuir o sofrimento dos protagonistas que, mesmo essa aparência de ser “fácil”, também tem seus desafios e dificuldades próprias. Afinal, também não deve ser fácil ter o pai cobrando boas notas o tempo todo. Uma pressão que pode desnortear os filhos como é retratado no longa.

No seu primeiro filme, Matheus mostra claramente ter em sua obra grande influência de filmes estilo Woody Allen em que o diálogo é o grande destaque. Porém, em Apenas o Fim, isso fica um pouco cansativo, as conversas se prolongam demais. O que é totalmente compreensível, visto que este é o primeiro trabalho do diretor e algumas coisas sempre precisam ser lapidadas. Em, Eu não Faço a Menor Ideia, ele parece entender tal ponto e diminui um pouco esse volume de diálogos e investe em mais momentos visuais. Trabalha mais a questão de trabalhar cenas, em nos mostrar o que está acontecendo do que usar metáforas disfarçadas em forma de diálogo. Elas ainda surgem, mas em menor quantidade. O que ele usa bastante é a trilha sonora como camada para determinadas situações. Transforma algumas cenas em videoclipe, que traz uma riqueza ao filme.

Uma das minhas cenas favoritas é a que Clara abre o verbo com seu pai. Em vez de Matheus filmar o estilo clássico de corte entre rosto da pessoa 1, corte para pessoa 2, ele foca apenas em Clara. Ouvimos apenas a voz do pai. É um destaque para prestarmos atenção na forma que a atriz se expressa, o que ela estava sentindo. É uma forma de valorizar o trabalho da atriz em um momento tão importante e decisivo do filme. Apesar de ela não conseguir alcançar uma excelência nesse momento, ela se esforça bem e, ainda assim, a cena fica bonita. Chega a ser um momento catártico tanto para a personagem quanto para nós espectadores.

Talvez ainda falte alguma lapidação, algumas coisas ainda não estão muito bem trabalhadas no decorrer do filme, mas a tentativa já é o suficiente. Toda vez que vejo um filme desses, eu já dou uma estrelinha a mais logo no trailer. Pois, apesar de alguns probleminhas visíveis, é um filme feito por total dedicação. Que não é feito tentando ganhar um grande público e altas bilheterias. Obviamente que qualquer realizador gostaria que seu filme chegasse nesse patamar, mas, ao invés de seguir uma formula pré estabelecida, que já foi testada e garantidora de altos lucros, o filme aposta num cenário novo e uma expressão pessoal. Em uma visão de mundo particular do diretor e de sua geração. Que surjam mais trabalhos assim e que Matheus esteja ainda melhor em seus próximos trabalhos.

Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida

 

Ano: 2013
Direção: Matheus Souza
Roteiro: Matheus Souza
Elenco principal: Clarisse Falcão, Rodrigo Pandolfo, Nelson Freitas, Bianca Byington, Leandro Hassum
Gênero: ​Comédia, Drama
Nacionalidade: Brasil

Avaliação Geral: