O sub-gênero coming of age está bem distante de ser novo. Há tempos se produzem obras concentradas na passagem da adolescência para a vida adulta. Desde obras mais introspectivas e sérias (como o caso recente de Lady Bird ou mais antigo como Clube dos Cinco) até as mais irreverentes e debochadas (como Curtindo a Vida Adoidado), que é onde se encaixa Fora de Série, essa sensacional comédia

Primeiro longa-metragem dirigido por Olivia Wilde (sim, a atriz) e roteirizado por quatro mulheres, isso diz muito sobre a perspectiva que o filme assume. Se trata de uma comédia adolescente que fala de receios típicos do gênero, como a primeira transa ou temor da vida pós colégio. Mas tudo sob um olhar feminista e com uma noção muito plena do tipo de humor e raciocínio dos millenials.

Fora de Série gira em torno de Molly (Feldstein) e Amy (Dever), duas amigas bastante inteligentes e responsáveis, que passaram toda a vida escolar estudando. Quando Molly percebe que boa parte de seus colegas, que ficaram curtindo festas mais do que estudando também vão para universidades de renome, ela se sente injustiçada e decide junto com Amy curtir a grande festa da vida delas.

Uma premissa bastante batida e óbvia (o que chegou a ser comparada com Superbad – É Hoje, por exemplo), mas que só serve de transporte para as inúmeras piadas e gags que o filme vai construir. Já iniciando com uma cômica narração “motivacional” de Maya Rudolph, em poucos segundos Wilde dá o tom que a obra terá. Depois, são sequências e mais sequências hilárias.

Muito aqui funciona pelo trabalho maravilhoso de Beanie Feldstein (que já tinha se destacado em obra semelhante em Lady Bird) e Kaitlyn Dever. Sabendo dosar a personalidade “nerd”, mas sem jamais cair num estereótipo tolo (que o filme usa alguns, mas posteriormente os desconstrói), dando uma personalidade muito realista e amável. A química que as duas apresentam na tela é perfeita e irretocável, transparecendo uma amizade inestimável de anos em apenas alguns minutos de projeção.

Tudo se alia bem ao fato de Wilder também acertar precisamente nos momentos mais dramáticos e meditativos. A cena em que Amy mergulha na piscina encapsula bem o sentimento de deslumbramento e descoberta da personagem naquele universo novo de flertes e namoro. É algo que imagino uma Sofia Coppola filmando, isso se ela decidisse fazer uma comédia com piadas que envolvem se masturbar com bichinhos de pelúcia.

Sim, e é esse o grande feito de Fora de Série: seu humor absolutamente sujo e escrachado. Sem jamais apelar para um politicamente incorreto com propósitos de ofender apenas, o filme é exemplar em fazer um humor chocante e que contemple minorias. São piadas e gags que giram em torno do universo de duas garotas e sob o ponto de vista de mulheres, algo que traz muito frescor nesse sub-gênero geralmente tomado por personagens e histórias muito machistas.

Mesmo sequências em que não levem a história necessariamente para frente, são irrepreensíveis por serem engraçadas demais, como a cena surreal onde Molly e Amy “viram” bonecas. O roteiro opta por absurdos inimagináveis que são muito bem-vindos por conta, novamente, da graça absurda, como tudo envolvendo Gigi (vivida com carisma por Billie Lourd).

Até mesmo no humor visual e físico a cineasta consegue atingir, como o final da sequência das bonecas (a forma como as duas saem da casa é cômica demais). Ou mesmo ao mostrar o resultado de uma freada no carro que resulta nas duas meninas sujas de uma suspeita substância em pó.

Trazendo até mesmo uma sofisticação estética, como o uso do efeito vertigo em momentos de choque, Wilde tem um cuidado muito forte na direção de atores, ao exibir um elenco que parece muito bem entrosado e que ressignifica personagens que, inicialmente clichês, em poucos minutos vemos seres com complexidades e desejos.

Ao se aproximar do final, a obra envolve de uma maneira tão direta e liberta, que cria momentos tocantes que logo são passíveis de serem debochados pela jocosidade de tudo. Sabendo atingir todos os tons que ambiciona, Fora de Série é deliciosamente divertido e envolvente, com direção, roteiro e elenco apuradíssimos. É um frescor sem tamanho ver uma comédia tão assumida e indecorosa mostrando uma visão feminista que agora ganha seu merecido espaço na comédia.

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