Por Lucas Torigoe
ATENÇÃO: A CRÍTICA CONTÉM SPOILERS!!!
Para quem viu e reviu Frantz, sua primeira imagem é reveladora: numa apresentação do cenário inicial do filme temos uma aparente foto de época, em preto e branco, sobreposta à moldura de uma natureza colorida, formada por árvores e folhas; no letreiro: “1919, Quedlinburgo”. Estamos na Alemanha, logo após a Primeira Guerra Mundial, e o filme não demora a apresentar seus – poucos – personagens centrais. Anna (Paula Beer) é a viúva de Frantz (Anton von Lucke), que agora vive com os pais dele, o Doutor Hoffmeister (Ernst Stötzner) e Magda (Marie Gruber).
Anna visita rotineiramente o túmulo de Frantz, e Quedlinburgo segue o seu rumo com o ressentimento e o luto pelos saldos da guerra. Um dia, a protagonista encontra um estranho em visita à seu marido, colocando a ela e ao espectador a pergunta: quem será ele? Está colocada a trama. Frantz, de François Ozon, não é um filme sobre o morto em si, mas a respeito dos vivos que aqui restaram, a lembrar dele.
O fato do novo visitante ser Adrien (Pierre Niney), um francês, apenas complica a situação, que se resolve somente na metade do filme, transcorrida ao longo de uma hora. Adrien se apresenta como um amigo de Frantz, mas visivelmente guarda segredos sobre a sua verdadeira relação com o falecido. Ao rememorá-lo numa tarde no Louvre, em frente aos Hoffmeister’s e Anna, o mundo se torna colorido, e assim ele fica quando Anna e Adrien saem à passeio, ou quando tocam juntos uma peça de Chopin. A coloração do filme, apresentada na cena inicial, revela-se então não como um adereço estético, mas uma estratégia de representação do estado de espírito dos personagens, que respira alegria nesses momentos de lembrança.
Frantz foge de soluções fáceis e de alguns clichês contemporâneos de roteiro. Por exemplo, podíamos intuir que Adrien era o amante de Frantz em sua época de estudante. Porém, ao fim do primeiro bloco do filme, Adrien revela à Anna que na verdade havia matado o seu marido em meio a uma batalha, e que veio à Alemanha em busca de perdão, que não consegue. O filme poderia ter acabado aqui, para a tristeza dos espectadores que sairíam com uma história completada, mas insatisfatória. Porém, Frantz ainda tem uma trajetória a desenvolver: a de Anna. Após uma tentativa falha de suicídio, ela cogita finalmente se casar com Kreutz (Johann von Bülow), mas se vê apaixonada por Adrien. Assim, esconde a verdade para os Hoffmeister, e viaja para Paris em sua busca.
Visitando o Louvre, Anna descobre que o quadro preferido de Adrien é na verdade O suicídio, de Monet, e assim teme por sua vida. Na cena principal do filme, Anna finalmente o reencontra na França, e ambos parecem estar à começar um novo romance. Ao perdoar Adrien, temos o seguinte diálogo:
Adrien: Sabe Anna, na minha volta da Alemanha, eu gostaria de ter morrido.
Anna: Eu também. Não queria sofrer mais, nem ser infeliz, mas eu era egoísta.
Adrien: Sim, também temos que viver pelos demais.
Se podemos encontrar uma “mensagem” no filme, talvez seja esta. E por este princípio, podemos faltar com a verdade, mentir e usar a imaginação ou a memória para tornar as coisas melhores, mais coloridas para os outros. É assim que Adrien e Anna confortam os Hoffmeister, por exemplo, salvando-os da dureza da trama – e de sua recusa a cumprir as expectativas padrões dos finais felizes. Ao descobrir que Adrien está noivado de Fanny (Alice de Lencquesaing), Anna parece ter o destino selado, visto que o suicídio é um tema recorrente no filme. Mas, ao contemplar o quadro de Monet uma última vez, Anna colore a cena, afirrmando que o vê, pois lhe dá vontade de viver.
Frantz é uma delicada história sem pressa de se desvelar, versando sobre as dificuldades de se perdoar e de superar o luto. Se ampliarmos o escopo da análise, podemos afirmar que este tema não se aplica apenas aos personagens em si, mas ao próprio contexto do pós-guerra, cenário do filme. Como pano de fundo, temos um nacionalismo feroz de alemães e franceses, que dificulta o perdão e acirra as diferenças entre Anna e Adrien. Nacionalismo este que acometia ao Doutor Hoffmeister, mas que aos poucos vai se dissipando conforme cresce sua empatia por Adrien, o suposto amigo de seu falecido filho.
Podemos nos perguntar se um Hitler vingaria numa terra de Hoffmeister’s, se pudéssemos ter encontrado mais deles na Alemanha do pós-guerra. Assim, Frantz também é um filme que se posiciona perante a sua época, crivada pela volta dos nacionalismos e protecionismos de cunho conservador e reacionário.
Ano: 2016
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon, Philippe Piazzo
Elenco principal: Pierre Niney, Paula Beer, Ernst Stötzner
Gênero: Drama, História, Guerra
Nacionalidade: França, Alemanha
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