Pawel Pawlikowski é um cineasta fascinado pelo passado. No seu filme anterior, o vencedor do Oscar Ida, ele estuda uma personagem que adentra no seu passado até então desconhecido. Curiosamente, o sentido que o passado se desdobra é inverso em Guerra Fria, seu novo filme que lhe garantiu o prêmio de direção em Cannes do ano passado e a se tornar o representante da Polônia para o Oscar desse ano.
A história se concentra no casal Zula (Kulig) e Wiktor (Kot), dois músicos que se conhecem na Polônia nos anos 1950, quando a Guerra Fria estava para surgir e o comunismo no país a se assolar. A narrativa acompanha o passar dos anos de encontros e desencontros dos dois.
Um dos grandes atrativos do filme se dá nas escolhas estéticas do cineasta polonês que são semelhantes ao de Ida. Numa razão de aspecto menor e mais próxima das películas antigas e em alguns momentos deixar uma grande vazão nos planos e os personagens em cantos, os tornando diminutos, tudo reverbera o passado. Não apenas pela belíssima fotografia em preto-e-branco que elucida a recriação de época brilhante, mas tais elementos servem para deslocar seus personagens, cujas naturezas e destinos parecem incontroláveis.
Misturando uma atração indomável com uma atrição explosiva e até mesmo violenta, a carência de Zula e Wiktor é palpável e mesmo quando se separam e aparecem com outros parceiros, a química entre os dois se manifesta silenciosamente. Os dois intérpretes estão entregues a eles mesmo e a paixão pela música, Zula pela voz e Wiktor pelo piano.
Ao mesmo tempo que a natureza emocional dos personagens molda os caminhos, em paralelo Pawlikowski usa como subtexto para contar os primeiros anos da Guerra Fria e como Stalin tomou o poder como grande autoritário. Percorrendo por diversos países e locais, Zula e Wiktor são acometidos e interrompidos diante da grande crise social e políticas que parece assolar a Europa nesse período, o que reflete o estado de espírito deles e como o tempo parece deteriorar tudo.
Conseguindo passar em detalhes o passar dos anos, seja pela ótima maquiagem que transmite a idade do casal ou pelo design de produção, a trilha sonora é excepcional por justamente revelar as mudanças culturais e estéticas do país com o passar dos anos. Wiktor chega a determinado momento a ser compositor de trilha sonora de filmes de suspense, um belo comentário metalinguístico da trama.
Ambicioso ao refletir na história da Polônia os impasses de um romance conturbado, Guerra Fria é um belo retrato histórico e emocional de situações inconciliáveis que teimam em se esbarrar. Poucos filmes repassam tão bem os efeitos destrutivos e irreversíveis que o passar do tempo (e da história) é capaz de causar.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.