A protagonista Ely (Mora Arenillas) é uma jovem de 17 anos, moradora do bairro da Boca em Buenos Aires e trabalha num pet shop para complementar a renda de sua casa, habitada apenas por ela e sua mãe, de licença em um emprego que dificilmente voltará a ver, dada a gravidade de sua fragilidade e depressão. Na Argentina de agora, tal cenário por si só anuncia um futuro dificultoso, que vai se agravar com a notícia de que Ely está grávida de Raul (Diego Cremonesi), o dono do pet shop com quem ela está tendo um caso fortuito.
Invisível, de Pablo Giorgelli, parte dessa situação para levar o espectador até a via crucis pela qual uma mulher tem de passar para conseguir um aborto num país onde a prática é ilegal. O título da obra é sugestivo, e carrega pelo menos duas faces de uma mesma moeda: Ely e seu drama são invisíveis para a sociedade – razão pela qual o filme também poderia se chamar “Solitária” – e invisíveis são algumas pessoas que poderiam estar a seu lado ajudando-a efetivamente. Através do primeiro sentido é que se faz a crítica política do filme, que narra a quase total falta de amparo à Ely – e a mulheres em sua situação – quanto a aconselhamento e informação. Os diversos vínculos sociais que a personagem possui já são tão frágeis que o filme dá a entender que desmoronariam sob o conhecimento de sua gravidez e da busca pelo aborto. Assim, se faz necessário compreender que a solidão de Ely já existia antes do problema principal aparecer, estabelecendo uma crítica ao atual estado político-social argentino.
Agora, tal estado de espírito é externado no filme através das longas cenas onde a vemos fazer coisas simples como chegar em casa, trabalhar ou andar na rua, o que joga ao espectador um sentimento de que o filme pode acabar a qualquer momento, ou prosseguir indefinidamente. O efeito dessa banalidade é, paradoxalmente, de uma potência dramática extrema pois, nesse demorar-se, transmite ao espectador o peso desse fardo silencioso que a protagonista deve carregar ao fazer os menores esforços cotidianos, com ela temendo ser descoberta, julgada e mais ainda rejeitada. Invisível mostra com delicadeza a solidão, e daí vem sua força: através deste expediente, o espectador dificilmente esquecerá uma longuíssima cena em particular, que encaminha o fim da trama.
A segunda face da moeda se dá curiosamente pelo o que o filme não mostra. Os pais do filme não existem – ou, como Raul, são problemáticos; o professor – tal qual em Peanuts – é só uma voz que demanda, fora do quadro. Nisso Invisível parece estar na mesma frequência de Como Nossos Pais, de Laís Bodanzky, só que aprofundando a crítica sob um caso mais grave e específico. Nestes filmes, a crítica às figuras masculinas são acompanhadas pela adoção não só de uma protagonista mulher, mas a uma perspectiva que denuncia a regra geral do abandono que envolve o mundo feminino. Por um lado, alcança-se assim um realismo refinado graças à incorporação desse novo olhar, que só tem a acrescentar as narrativas. Por outro, tal estrutura estética revela um pouco desse mundo estranho à maioria do público masculino – eu incluso, assim como Pablo Giorgelli, que ajudou a escrever o roteiro com Maria Gargarella – e ao cinema em geral: o cotidiano em que as mulheres devem se unir para viver apesar dos homens e de seu comando na sociedade.