A carreira do diretor Tim Burton sofreu vários altos e baixos: de filmes de terror, ele foi para a “ficção barata” de Marte Ataca!, que mais parece uma história em quadrinhos com efeitos especiais; o filme foi um desastre de bilheteria nos Estados Unidos e abalou a confiança de Burton. Durante os três anos seguintes, surgiram fofocas sobre projetos estranhos nos quais ele estava envolvido, mas nada se tornava real até que A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça foi lançado, em 1999.

Lembro de ter escolhido o filme para assistir enquanto zapeava entre canais de filmes. Eu devia ter uns 13 anos e achava Johnny Depp o melhor ator do mundo e, por motivos de quem é o diretor, ele interpreta o personagem principal da obra de Burton – este é o 3º trabalho que ambos executam juntos. Decidi então que assistiria A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça porque gostava de Depp, mas logo o filme me cativou muito mais do que apenas sua interpretação.

A obra é uma adaptação da clássica lenda de Sleepy Hollow, que antes já rendera a animação As Aventuras de Ichabod, da Disney. A trama do filme é derivada do conto de Washington Irving, chamada de The Legend of Sleepy Hollow, e está presente na coletânea The Sketch Book of Geoffrey Canyon Gent; sua primeira publicação foi em 1820 e é um dos contos mais antigos da ficção norte-americana que é lido até hoje.

A primeira cena de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça se inicia de maneira alucinante, com um homem desconhecido sendo perseguido por uma estranha figura montada em um cavalo e sem a cabeça. É a partir daí que o mistério começa: quem, ou o que, é esse cavaleiro? Mistério que, inclusive, é muito bem explorado por Tim Burton com o desenrolar do filme pois, apesar de sabermos a lenda do Cavaleiro, não sabemos o por quê de seus atos, o que mantém a tensão do início ao fim. Para solucionar o problema, é chamado um investigador nada convencional à época, Ichabod Crane (Johnny Depp), que conduz uma investigação, primeiramente, usando como elementos principais a razão e a ciência, não dando ouvidos aos mitos populares sobre um cavaleiros que fora decapitado anos antes. Todos da cidade se tornam suspeitos de modo que as reviravoltas do roteiro apontam cada vez para um personagem diferente. Para os fãs de filme de terror, o eterno Drácula, Christopher Lee, tem uma pequena aparição como o juiz que envia Crane à cidadezinha de Sleepy Hollow.

O investigador Ichabod Crane parece ter sido escrito para ser interpretado por Johnny Depp, que o faz com facilidade. Como não lembrar das caras e bocas feitas por Edward em Edward Mãos de Tesoura com as expressões de medo e susto de Crane? O personagem se desenvolve de maneira orgânica e de fácil convencimento, afinal ele começa cético, pois “é óbvio que essa história de um cavaleiro sem cabeça é falsa”, mas quando confrontado de frente pelo vilão, logo muda seu pensamento e se entrega ao mítico da história. O filme não perde tempo na discussão “é verdade, é mentira”; ele fica o necessário para fluir bem, sem que essas questões trunquem o andamento do roteiro. 

A personagem Katrina Anne Van Tassel é o par romântico de Crane e é quem o ajuda a entender tudo que o acontece em Sleepy Hollow. Tim Burton ofereceu o papel à Winona Ryder, mas ela recusou, deixando para Christina Ricci, que atuou pela 2ª vez ao lado de Johnny Depp – a 1ª foi Medo e Delírio, em 1998. Ricci dá um ar sombrio a personagem de Katrina, que vai se tornando cada vez mais importante para o desenrolar da trama. Sua aparência é extremamente branca e quase se assemelha a de um cadáver. É possível ver a mão de Tim Burton na direção de interpretação de Ricci pois ela consegue dar um ar dúbio, necessário para Katrina e para o filme.  

Christopher Walken interpreta o maligno cavaleiro que teve sua cabeça separa do corpo anos atrás e entrega uma excelente atuação. O personagem tem pouquíssimas falas e depende dos olhares e expressões de Walken para transparecer o terror que a lenda urbana do Cavaleiro sem Cabeça representa. Foram usados dentes falsos para deixar a arcada de Walken pontuda e ameaçadora, o que melhora ainda mais a caracterização do personagem que, segundo a história, afia o próprio dente.

A estética usada em A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça é típica de Tim Burton. O filme mistura a agilidade de desenhos animados com uma das lendas mais conhecidas dos Estados Unidos – o que evidencia o desejo do diretor de questionar a aparente normalidade norte-americana. A cidade de Sleepy Hollow foi criada em apenas três meses e, na época de sua produção, foi o maior set construído na Inglaterra. A fotografia foi magistralmente montada e ajuda no ar sinistro que envolve toda a trama, com a cor branca como principal componente do ambiente de Sleepy Hollow. O figurino, o cenário e toda a construção de prédios da época nos dão a sensação de se tratar exatamente de uma pequena cidade do século XIX. A ambientação é algo tão importante ao filme que, além de ser uma marca registrada de Burton, foi reconhecida pela crítica: A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça levou o Oscar de Melhor Direção de Arte e os BAFTA de Melhor Figurino e de Melhor Desenho de Produção.

Tim Burton conseguiu fazer um filme sombrio, tenso, de história envolvente e com ótimas atuações de um grande elenco. Com o mesmo roteirista de Contos da Cripta, Kevin Yagher, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça tem um toque de terror que assusta e ao mesmo tempo instiga a curiosidade. Portanto, se trata de uma história de detetive que recorre ao sobrenatural, o que faz do filme uma miscelânea de vários gêneros do cinema, passando por ação, mistério, terror e até mesmo comédia. Além de todas as qualidades da obra, Francis Ford Coppola assina sua produção, sendo mais um motivo para não deixar de assisti-lo.