Por Jenilson Rodrigues

Depois de retratar de certa forma o universo dos filmes lado B de Hollywood em Ed Wood, Tim Burton reapareceu com Marte Ataca! em 1996. Um filme bem na linha do tipo de ficção científica produzida nos anos 1950, trazendo esse universo para os anos 1990 e suas viciadas produções que exploravam o tema de invasões alienígenas, como Independence Day, lançado no mesmo ano.

O filme traz referências e informações que juntas constroem uma obra com novo sentido, bem diferente das fontes onde o diretor pode ter bebido para realizar essa construção. A ideia central parte da premissa de uma invasão de marcianos construída com base em uma linha de cartões comerciais da empresa Topps, de 1962. Estes com certeza não faltaram na coleção de Tim Burton. Saiba mais sobre essa história aqui.

Pela baixa popularidade (em comparação aos blockbusters) e com o volume menor de informações sobre o filme, dá pra se imaginar algo parecido com o que estamos acostumados a ver nesse tipo de produção: alienígenas descem no planeta que é salvo pelos bravos soldados americanos, que mais uma vez conseguem livrar o mundo das garras dos perigosos invasores. Ledo engano. Marte Ataca! é fiel ao nome e vai direto ao ponto. É um ataque de marcianos com humor satírico de seres que impressionam bem mais pela personalidade estranha do que pela aparência.

A cena inicial com uma família no campo, em Kentucky, numa tarde aparentemente tranquila, aonde um ruído estranho vindo do outro extremo da fazenda assusta o pequeno grupo de moradores, em muito se parece com a sequência que prenuncia a chegada do tornado em O Mágico de Oz (1939).

Os clichês dão lugar a uma estética aparentemente despreocupada com padrões visuais, narrativos ou de atuação. Em alguns momentos é possível até perceber traços característicos de filmes trash como o improviso, diálogos estranhos e cenas desconexas. O desenrolar da trama surpreende (e aqui é surpresa mesmo, não é nada de positivo ou negativo) por uma narrativa que em alguns momentos parece não ter a preocupação de amarrar as pequenas histórias dos personagens que vão aparecendo de forma aleatória.

E dá-lhe personagem nisso. Com o sucesso de filmes anteriores, como Batman (1989) e Batman: O Retorno (1992) e a boa recepção do estilo de Tim Burton em Hollywood, muitos atores se interessaram por trabalhar com o diretor nessa fase de sua carreira. O elenco de Marte Ataca! conta com nada mais nada menos que Jack Nicholson, Michael J. Fox, Glenn Close, Pierce Brosnan, Danny DeVito, Sarah Jessica Parker, Natalie Portman, Annette Bening, Jim Brown e Jack Black. E pode acreditar, todos interpretam personagens de certa relevância, por aí dá pra imaginar a bizarrice da história. A personalidade dessas figuras pode ser comparada bem mais aos personagens dos filmes de David Lynch do que os protagonistas de outras produções de ficção científica espacial.

E no meio dessa turma toda, a personagem que traz características mais parecidas com a maneira peculiar do diretor de enxergar uma invasão alienígena é o professor Donald Kessler. Kessler, que sempre ajudava o presidente na análise dos acontecimentos desde a primeira invasão, fazia questão de lembrar que da mesma forma que os marcianos poderiam ser considerados pelos humanos como criaturas muito esquisitas, o mesmo podia acontecer pelo lado dos alienígenas. A possibilidade de eles serem criaturas mais normais do que os terráqueos apesar de ignorada, sempre existia.

Em termos de cores, o vermelho parece sempre marcar ou antecipar momentos de tensão. Mas se engana quem pensa que pela semelhança às temáticas dos filmes trash, o rubro surja nos derramamentos de sangue. Mais uma vez a inversão se dá pelo fato de que o líquido vermelho foi dispensado da produção e deu lugar a fluídos verdes gosmentos e raios laser que derretem corpos transformando-os automaticamente em esqueletos, a la Scorpion, de Mortal Kombat.

Você deve estar se questionando se esse filme é mais estranho do que engraçado, e sim, você está certo. Apesar disso, é quase impossível não soltar umas gargalhadas com algumas sequências bizarras protagonizadas por um dos dois personagens de Jack Nicholson – sim, ele é um presidente que banca o diplomático e aparece também como um ricaço brega que surge de vez em sempre pra soltar umas pérolas que deixam aquele wtf? na mente ao término de cada aparição.

Quando me deparo com textos, podcasts, especiais e o que mais aparece a respeito de toda a obra de Tim Burton, normalmente percebo certa impaciência por parte da crítica com a análise de Marte Ataca!  Isso é até curioso se encarado do ponto de vista de quem não se conforma com generalizações, nem em produções cinematográficas e nem na crítica. Talvez isso se deva pelo fato deste filme ser meio abafado pelo sucesso de outras obras do diretor.

Confesso que de certa forma de uns tempos pra cá tenho me interessado bastante por obras (de grandes diretores ou não) que não “descem” para muitos e que não caem no gosto de vários cinéfilos. O que ouvi sobre o filme de invasão alienígena de Tim Burton antes de assisti-lo? “Ih, esse filme é muito estranho.” Quando ouço esse tipo de comentário sempre me lembro do elogio que Donnie recebe de sua nova colega de classe, em Donnie Darko (2003).

Se por um lado tudo parece esteticamente feio e esquisito, por outro pode ser divertido acompanhar a saga dos marcianos na Terra exatamente pela forma como os traços de filmes trash são inseridos em uma produção do cinema de Hollywood, através de um grande diretor e sem ficar esquecida e apenas rotulada de cult, ou lado b, seja lá o que essas denominações realmente signifiquem.

As referências podem incentivar à busca por mais e mais informações. O que sempre acaba sendo um poço sem fundo, felizmente. Quanto mais se cava, mais se descobre. Marte Ataca! pode estar longe de outras produções e filmes de Tim Burton. Mas ao mesmo tempo está próximo de filmes considerados estranhos (não necessariamente ruins), feitos com orçamento baixíssimo e sem o estrelismo de grandes produções.

Obviamente, é difícil atribuir qualidades ou defeitos aos blockbusters e aos filmes menores, levando em conta apenas sua repercussão. Um exemplo que pode estar associado a essas referências é o divertidíssimo Tomates Assassinos (1978), de onde provavelmente Tim Burton pode ter buscado inspiração para a ideia da solução da matança dos alienígenas.

Sobre o que o próprio diretor disse a respeito do filme e que está presente nas notas que acompanham o DVD: “Após Ed Wood, queria fazer um filme alegre – do tipo que cresci vendo. Sempre adorei os filmes de ficção científica dos anos 50. Cresci vendo todos aqueles filmes sobre marcianos com cérebros grandes, e aquilo fica com a gente para sempre.”