Por Sttela Vasco
Se existe uma figura imediatamente associada ao terror, essa figura é o palhaço. Os traços exagerados, o comportamento parcialmente infantil e o mistério sobre quem está por trás da maquiagem são um prato cheio para imaginação, tanto para o bem, quanto para o mal. Logo, não é de se surpreender que o cinema utilize tal figura em suas produções. E esse é o caso de It – A Coisa. Baseado no livro homônimo de 1986 escrito por Stephen King, o longa dá vida a um dos principais medos de muita gente e faz com que revisitemos não apenas pavores de infância, mas clássicos dos anos 80. Divertido e carismático, o longa dirigido por Andrés Muschietti traduz bem a obra prima de King. Só não dá (muito) medo – mas isso não é problema.
Sete crianças se unem no verão de 1989 após uma série de trágicos acontecimentos começar na cidade de Derry, no Maine. Enquanto tentam resolver o mistério que envolve o desaparecimento de crianças e aparições inexplicáveis e assustadores, o Clube dos Otários, composto por Bill (Jaeden Lieberher), Eddie (Jack Dylan Grazer), Ben (Jeremy Ray Taylor), Stanley (Wyatt Oleff), Richie (Finn Wolfhard), Beverly (Sophia Lillis) e Mike (Chosen Jacobs), descobre mais sobre a amizade, o amor e o que é preciso para enfrentar seus piores medos em prol de um bem maior.
Não foi com facilidade que It chegou às telonas. O anúncio de que a história, que já havia rendido um filme para TV/minissérie em 1990 dirigida por Tommy Lee Wallace, voltaria aos cinemas em uma nova roupagem fez muitos fãs – tanto da adaptação quanto do livro – desconfiarem do “remake” e já esperarem por algo ruim. O vai e vem de diretores também causou certa insegurança e atrasos: o filme estava no forno desde 2009. Originalmente escolhido para conduzir a obra, Cary Fukunaga abandonou a produção após se desentender com o estúdio. O diretor já havia, inclusive, escolhido Will Poulter para viver Pennywise, porém, o ator também declinou. O próprio Stehpen King chegou a duvidar que as filmagens realmente aconteceriam, mas, em 2015, Andrés Muschietti assumiu a direção e o longa finalmente saiu do papel. E de uma maneira muito positiva.
Apesar de ter como chamariz a figura de um palhaço sobrenatural e assassino, é preciso afirmar logo de início que, ao contrário da forma como foi vendido, It não é um filme de terror nos moldes que estamos acostumados. Sem assustar por assustar, o longa não se prende na figura de sua entidade maligna para compor sua narrativa e não tem no “causar medo” seu mote. Mesmo sendo tão protagonista quanto os Otários – nome dado ao “clube” formado pelas sete crianças, os únicos que conseguem enxergar a Coisa – Pennywise não é o centro da história, mas sim um componente dela. Sua figura serve como pano de fundo para desdobramentos muito mais complexos e que chegam a ser mais interessantes do que o terror em si. Logo, a não ser que você tenha medo de palhaços especificamente, não vá ao cinema esperando sustos a la Annabelle e cia. It não é esse tipo de terror. Ainda bem!
Seguindo o molde tradicional de King, It é muito sobre amizade, lealdade e enfrentar essa fase pré-adolescência da vida junto aos amigos. Para quem acompanha outras adaptações do autor, é fácil ligar a história ao também muito bom Conta Comigo, filme de 1986 dirigido por Rob Reiner e baseado em um conto do escritor. Assim como em seu predecessor, It traz um grupo de crianças que, ao longo de um verão, irão descobrir mais sobre o relacionamento humano, a sociedade e sobre si mesmas. Com a diferença de que a aventura da vez não é a busca pelo corpo de um garoto desaparecido, mas a luta contra uma Coisa demoníaca, muito bem interpretada por Bill Skarsgård.
Quando o nome do ator sueco surgiu, houve muito especulação. Em parte por conta da excelente atuação de Tim Curry em 1990 e em parte pelo ator ser muito jovem e parecer pouco assustador. No entanto, não há o que questionar sobre o trabalho de Bill, ele entrega um Pennywise completamente diferente do de Curry e isso no melhor sentido. Se o outro era quase uma paródia sádica do Ronald McDonald ou do Bozo, o Pennywise “2.0” é uma mescla assustadora de loucura, maldade e infantilidade. Com aparições na medida e falas perturbadoras e ao mesmo tempo engraçadas, o personagem está onipresente em toda a trama e dá aquele toque sinistro que se espera da história.
O elenco, aliás, é um dos grandes ganhos do filme. A química entre os atores mais jovens é inegável e todos estão muito bem em seus papeis. Para os fãs do livro, é como se realmente Bill, Ben, Beverly e companhia tivessem saltado das páginas e ido parar nas telas. Vale destacar também a atuação de Finn Wolfhard. Conhecido como o Mike de Stranger Things, ele vai muito bem na pele do debochado e divertido Richie Tozier. A presença de Wolfhard, porém, não é a única coisa que nos remete à atmosfera da popular série da Netflix – que bebeu muito da fonte das histórias de King. Ao contrário da história original, a primeira parte de It, que narra a infância dos protagonistas e seu primeiro encontro com a Coisa, se passa nos anos 80 e não nos 50, como no livro. A mudança de data, no entanto, cai bem na narrativa e faz com que ela ganhe um ar mais divertido e também mais próximo de seu público atual, uma vez que muitos dos fãs a viveram – também é uma boa estratégia para a parte II, ainda sem previsão, que contará os desdobramentos da vida dos Otários já na fase adulta. Ao contrário de adaptações recentes das obras de King como Carrie de 2013 ou A Torre Negra, o filme respeita o passado e é fiel ao livro na medida, removendo excessos e fazendo mudanças que contribuem com a narrativa.
Se a ambientação é quase excelente, não se pode dizer os mesmos dos efeitos especiais. Há momentos em que os “monstros” do longa chegam a ser risíveis de tão toscos e afastam qualquer possibilidade de causar medo. Mas, talvez, seja justamente essa a intenção. It é muito mais sobre raiva do que sobre medo. Ainda que se assustem no início, as crianças não têm medo da Coisa, elas a repugnam pelo o que ela faz e querem encontrar uma forma de pará-la/puni-la. E é justamente essa a sensação que fica para o espectador, a vontade de punir aquele ser cruel se faz superior à necessidade de temê-lo. É interessante ver também como Pennywise não é o foco do mal em Derry: ele sempre existiu nas pessoas e continuará existindo apesar do palhaço dançarino. Inclusive, as cenas realmente angustiantes não têm nada a ver com ele, mas com o grupo de valentões da cidade.
Com muito humor, um pouco de drama e até romance, It parece a união dos mais diferentes clássicos do gêneros – muitos deles dos próprios anos 80. É como se Conta Comigo, Goonies e A Hora do Pesadelo tivessem dado as mãos, se unido a uma criatura maligna vestida de palhaço e virado filme. Pode não ser o filme de terror mais assustador que você já viu, mas é uma obra de qualidade e uma das mais inteligentes adaptações de um romance de King.
Direção: Andrés Muschietti
Roteiro: Gary Dauberman
Elenco: Bill Skarsgård, Jaeden Lieberher, Finn Wolfhard
Gênero: Terror, Drama, Suspense
Nacionalidade: EUA