Por Frederico Cabala

“Eu sou pai e mãe de vocês” é uma frase síntese. Traduz a ausência da figura paterna em muitas famílias e é também o espírito de Linha de Passe (2008), filme dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas — que ainda assina o roteiro. Exibido no vão livre do MASP durante a 37ª Mostra de Cinema de São Paulo, o longa se alinha ao estilo do diretor ao retratar com crueza nuances do Brasil desigual a partir da periferia da capital paulista.

Cleuza (Sandra Corveloni) é “mãe e pai” de quatro filhos e já está grávida do quinto. Sustenta a casa enquanto trabalha como doméstica e assiste aos jogos do Corinthians, a essa altura perigando parar na segunda divisão do campeonato. Denis (João Baldasserini) , o mais velho, é motoboy e beira o mundo do crime. Dinho (Geraldo Rodrigues) é frentista e tem como escape a religião. Dario (Vinícius de Oliveira) vive o dilema de desistir ou prosseguir com o sonho de ser jogador de futebol. E o caçula Reginaldo (Kaique Jesus Santos) anseia por conhecer o pai a partir da única pista que possui: a de que ele é motorista de ônibus.

Sem se aprofundar em personagem específico — mas nem por isso deixando de mostrar os conflitos internos de cada um — a montagem do filme funciona por meio de cortes que intercalam a trajetória deles durantes alguns meses. Que nem linha de passe no futebol, o filme passa a bola de um personagem pro outro. Nisso, se projetam sombras do contexto nacional, mais pontualmente São Paulo, no início do século XXI. A cidade é um importante personagem. Lá estão o trânsito caótico no qual se mete Denis, a difusão de igrejas evangélicas, também as famílias sem pai e o fervor do futebol. Nesse cenário muitas vezes melancólico (captado genialmente pela lente de Mauro Pinheiro Jr.), ainda sobrevive o desejo de reinvenção de cada personagem, de fugir daquilo, de ser diferente.

Walter Salles revelou o desejo de voltar a trabalhar com Vinícius de Oliveira como motivação principal que fez brotar o filme. Após um hiato de 10 anos desde Central do Brasil (1998), de certa forma, Salles retratou o que Vinícius foi ou teria sido caso continuasse anônimo. Antes de ser “descoberto” pelo diretor, o ator jogou nas categorias de base da Portuguesa. A ideia do filme de busca dos personagens desaguou, assim, na própria estrutura do filme. Exceto Vinícius, quase todos os atores eram à época iniciantes, que traziam na bagagem parte da realidade reproduzida em Linha de Passe. A própria equipe técnica é formada por profissionais desconhecidos em grande parte. De acordo com o diretor, essa decisão foi importante para conceder naturalidade à atmosfera do longa. Talvez por isso as atuações marcam positivamente a trama, com destaque para o mirim Kaique Jesus Santos, advindo de projeto social, e Sandra Corveloni, que estreou a carreira de longas-metragens com Linha de Passe já recebendo o prêmio de melhor atriz em Cannes.

 

Cinemascope-Linha-de-passe -posterLinha de Passe

Ano: 2008.

Diretor: Walter Salles, Daniela Thomas.

Roteiro: Daniela Thomas, George Moura, Bráulio Mantovani.

Elenco Principal: Sandra Corveloni, Vinícius de Oliveira, Kaique Jesus Santos, João Baldasserini, Geraldo Rodriges.

Gênero: Drama

Nacionalidade: Brasil.

 

 

 

Confira o trailer:

Galeria de Fotos: