Por Joyce Pais
Há muito que os estrangeiros se interessam pela indiscutível beleza da fauna e da flora brasileira. Durante as décadas de 1950 a 80, antes mesmo que termos como “sustentabilidade”, “ambientalismo” e “consciência ecológica” estivessem nas agendas de governos e da imprensa, uma ilustradora botânica inglesa chamada Margaret Mee veio a Amazônia para desbravar um Brasil até então pouco conhecido por nós e pelo mundo.
O documentário dirigido por Malu de Martino (Como Esquecer;2010) foi selecionado para a mostra competitiva da Première Brasil no Festival do Rio 2012. O trabalho e o legado da artista botânica são apresentados de forma sensível e o roteiro tomou como norte as quinze expedições realizadas por ela, entre os anos 1956 (momento em que se concentrou no estudo das bromélias e orquídeas) até 1988; nesse período, além dos belos registros que fez através de seus desenhos, mais de 400 ilustrações, ela descobriu três novas espécies, sendo uma delas batizada em seu nome, a Neoregelia margareteae.
Adotando uma linguagem centrada nos relatos de conhecidos e amigos de Margaret e menos no didatismo, o roteiro apostou em refazer o percurso da inglesa em busca da Flor da Lua, uma espécie rara de flor que no mês de junho, uma vez por ano, desabrocha e morre durante a noite. Para a surpresa (e porque não dizer também sorte) da equipe de filmagens, o momento sublime tão perseguido por Margaret foi captado e com duas flores sofrendo esse processo ao mesmo tempo.
Permeado por relatos de histórias e “causos” cômicos contados pelos que trabalharam com a artista e nutrem evidente admiração por ela até hoje, nomes como Gilberto Castro, Osvaldo Fidalgo e os ingleses Tony Morrison e Sue Loram, pode-se flagrar a personalidade excêntrica de Margaret, que rompeu barreiras como a idade avançada, a dificuldade da língua e as condições inóspitas inerentes à vida numa floresta tropical como a Amazônia.
A sensível direção de Malu resultou em um trabalho ímpar, juntamente com a fotografia de Julia Equi e a trilha de Arthur Barreiros o espectador é conduzido por uma experiência quase sensorial, levado a sentir cada entranha daquela mata, o clima tropical que sufoca quem tem coragem de se aventurar pelos igarapés e belezas inigualáveis da região.
Para o espírito ativista de Margaret Mee não existiam obstáculos. Tamanha era a sua ousadia que certa vez enviou, em plena ditadura, uma de suas publicações autografadas para o Presidente Geisel com os seguintes dizeres: “Espero que goste, porque todas estas plantas estão desaparecendo”. Defensora ferrenha da preservação do meio ambiente, assim com seu amigo, o arquiteto e paisagista Roberto Burle Marx, a artista declarava o seu amor pela natureza em cada desenho que fazia ou entrevista que concedia. Sua militância ecológica ia de encontro com o crescimento absurdo do desmatamento na região que além de ter sido seu objeto de estudo por anos, foi também o seu lar.
Aos 79 anos, ainda muito ativa e engajada, Margaret foi para Londres, sua cidade natal, apresentar uma exposição dos seus desenhos e negociar o futuro de sua obra. Como dito no longa, é irônico pensar que depois de tantos anos vivendo exposta a diversas doenças em plena mata amazônica, ela morreu em um acidente de carro.
Ainda que possa causar certo estranhamento o inusitado desfecho com a homenagem feita a Margaret Mee pela escola de samba Beija-Flor , no ano de 1994, ele se torna apropriado se pensarmos que esse final alegre muito está de acordo com a personalidade da inglesa que lá trás já sabia os percalços que iriamos enfrentar quando falamos da questão ambiental no Brasil.
Ano: 2013
Diretor: Malu de Martino.
Roteiro: Malu de Martino.
Elenco Principal: Patrícia Pillar (narração).
Gênero: Documentário.
Nacionalidade: Brasil.
Veja o debate com a diretora e roteirista Malu de Martino:
Veja o trailer:
Galeria de Fotos: